Raphael Bruno
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Professor do Iuperj diz que é contra o Estado patrocinar as campanhas eleitorais no Brasil. Acha que tudo não passa de invenção
Na semana passada, o governo retomou as iniciativas em torno de uma nova proposta de reforma política. Elaborada pelo Ministério da Justiça, a reforma retoma alguns dos principais pontos daquela que foi derrotada pelos congressistas em 2007. Começa, agora, a árdua tarefa de criar consensos entre os partidos em torno de pontos como financiamento público de campanhas, voto em lista fechada e fidelidade partidária. Um dos maiores especialistas em Representação Política do Brasil, Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), se mostra cético quanto às possibilidade de sucesso da nova tentativa. Para ele, o Brasil nunca terá um sistema político similar ao da Europa.
O governo retomou as discussões sobre reforma política. Como o senhor vê essa participação do Planalto no tema?
Não acredito que o governo consiga aprovar. E não acho que seria papel do governo se empenhar numa atividade dessa. Muito mais importante do que o governo propor uma reforma política é o fato de que não há nenhum consenso, nenhuma idéia razoável que una minimamente uma banda da elite política brasileira. Há muita dissonância, cada um tem uma idéia quando se fala em reforma política. As pessoas que são favoráveis à reforma estão pensando em coisas totalmente diferentes. Uma grande contribuição que o governo poderia dar era propor uma nova legislação de financiamento da política no Brasil, envolvendo os partidos e o fundo partidário, e uma nova lei de campanhas. Acho que se avançarmos por ai, outros aspectos ficariam marginais.
Não precisaria passar pelo financiamento público exclusivo de campanhas?
Não, essa foi uma idéia inventada no Brasil e que vejo com muita desconfiança. A premissa dela é problemática, de estatizar completamente a vida política. E se acreditar que com isso resolve o problema da corrupção eleitoral, da ausência de controle de gastos. A gente precisa de uma lei efetiva. A nossa não têm punições severas para os que são pegos. Eles nunca são condenados, porque os processos demoram, a Justiça não tem capacidade de levar isso adiante e não há fiscalização rigorosa. As evidências de corrupção e de abuso de gastos se amontoam nos porões da Justiça Eleitoral porque a premissa do sistema é absurda. Verificar as contas de todo mundo é absurdo. Imagina se todo jogo de futebol todos os jogadores tivessem que fazer o anti-doping. Se temos um sistema por amostragem, com punições severas, pode-se melhorar muito.
Mas o problema maior com os financiamentos não estaria relacionado, não só ao caixa-dois e à corrupção, mas ao peso dos interesses das empresas que apoiam financeiramente os candidatos?
Financiamento público total não existe em lugar nenhum do mundo. A estatização completa não resolve os problemas da corrupção eleitoral. Você deve tentar passar recursos, e não dinheiro. Tempo de televisão é recurso. O Brasil já tem um sistema onde se dá dinheiro aos políticos e não tem capacidade instalada para verificar se estes políticos gastaram como deviam. Quem é que vai fiscalizar 300 mil candidatos em mais de 5 mil municípios? Todo mundo com dinheiro estatal na mão e podendo continuar com caixa-dois. Têm muitos furos lógicos. Acho que o desejável é que a gente caminhe o mais rápido possível para banir a contribuição de empresas para políticos e manter só as de pessoas físicas.
A maior parte dos eleitores brasileiros não acredita que os resultados das eleições são confiáveis ou isentos de fraudes e considera que a política só serve para beneficiar os próprios políticos, como mostrou pesquisa da AMB. Por que essa descrença e quais as conseqüências mais nocivas para nosso sistema representativo dela?
Tem esse lado sombrio em várias perguntas, mas há outras perguntas na pesquisa que mostram um eleitor menos pessimista, que condena troca de voto por benefícios pessoais e que entende as tarefas de vereadores e prefeitos. É um fenômeno em que quando se fala em geral da política, dos políticos, quase sempre aparece um discurso crítico e pessimista, mas quando se fala mais especificamente sobre um aspecto ou outro o quadro fica mais matizado. Um número elevado de eleitores, por exemplo, disse que continuaria votando mesmo se o voto não fosse obrigatório. A única questão que me surpreendeu verdadeiramente foi o percentual baixo de eleitores que consideram as eleições limpas e confiáveis.
O brasileiro parece aqueles personagens que ficam de 9h às 17h falando mal do casamento, mas fica doido para acabar o expediente, voltar para casa e encontrar a esposa. As pessoas falam mal do sistema político brasileiro mas isso não se traduz em nada. O voto nulo e branco tem até diminuído, fica de 5% a 10%, o que é muito pouco comparado com uma década atrás. Mesma coisa o nível de abstenção, e olha que as punições para quem não vota são risíveis.
Essa não seria uma contradição que a própria pesquisa aponta, tendo em vista que, apesar da descrença generalizada, a maioria do eleitorado continua considerando o voto um instrumento importante para mudar a vida? E por que ela existe?
Hoje estamos diante de um eleitor ambíguo. No atacado critica, diz que é todo mundo igual, que todo mundo rouba, mas no varejo não aceita alguns comportamentos que entende, corretamente, serem errados.
O senhor se diria um otimista em relação ao eleitorado brasileiro?
Eu sou otimista com o comportamento do eleitorado, mas não com o que ele fala. Ele diz uma coisa e faz outra. Melhor que seja assim. Terrível seria o contrário. O eleitor que falasse maravilhas do sistema político brasileiro e depois despejasse o voto em nulos, brancos e deixasse de comparecer. Não estou dizendo com isso que a população está satisfeita. Não está. Temos os últimos escândalos, particularmente no Rio de Janeiro, onde a Câmara de Vereadores é esvaziada, representando em quase sua totalidade interesses particulares, sem conexão com grandes problemas da cidade. Assembléia Legislativa também, perdeu muito poder, interesse, ninguém que saber mais o que ocorre por lá. Fora os escândalos do primeiro mandato do presidente Lula. Tudo isso passa a impressão de que nossa elite política é impossível, não está a altura dos desafios do país. Essa visão não nasceu do nada, mas ainda bem não tem se refletido no comportamento do eleitor.
Mas a paciência do eleitor não pode se esgotar?
Não tenho visto esses sinais. Na média, as pessoas estão mais atentas. Cometem muitos erros, basta ver o número de políticos envolvidos em processos, que não deveriam estar aonde estão. Eles foram mal selecionados, não adianta colocar a culpa só na Justiça Eleitoral. A sorte é que o mecanismo democrático procura consertar esses erros. Na eleição seguinte, pune esses políticos nas urnas e tenta-se melhorar.
Mas isso não vem acontecendo com os envolvidos em escândalos.
Mas não podemos esquecer que temos um eleitorado que não acompanha a política com tanto detalhe. Qual o percentual de eleitores que acompanham essas informações? Não é muito grande. Os eleitores têm mais informações e são mais cuidadosos no voto para o Executivo. São menos candidatos, as pessoas debatem mais. Há um esvaziamento grande do poder legislativo, principalmente no âmbito estadual e local. As pessoas votam no legislativo com uma lógica muito diferente. É um voto que o eleitor raramente faz a conta de escolher um bom legislador, um bom fiscalizador do Executivo. É um voto quase que num compadre, num amigo ou alguém próximo. Tem os eleitores que decidem poucos dias antes do pleito. Duas semanas antes das eleições, 70%, 80% não têm candidato ainda para as eleições proporcionais. Eu conheço muita gente que decide na noite anterior, no dia, no caminho da votação. Já do Executivo ele sabe a importância, a força. Um número muito reduzido de pessoas vota num vereador por ter lido as propostas, por ter debatido suas idéias.
Preocupa o índice baixo de eleitores que votam levando em conta apenas o candidato e não se importam com o partido?
Não, já tive essa ilusão de que um dia seríamos a escandinávia partidária, mas não mais. Por causa do sistema de lista aberta, que estimula muito o voto personalizado, combinado com o presidencialismo, que também estimula a decisão num único personagem, claro que não poderia dar outra coisa se não um sistema muito carregado no candidato.
E o senhor não enxerga isso como nocivo para o sistema representativo brasileiro?
Não, é com esse sistema que a gente tem ido. A gente poderia ter um sistema partidário muito forte e estar reclamando que os partidos estão descolados dos interesses das pessoas, servindo apenas a si mesmos. Em países como Israel, Espanha, que utilizam o voto em lista fechada, essas reclamações são constantes. Não há um modelo perfeito. Claro que já imaginei que poderíamos ter partidos um pouco mais fortes, acho até que há espaço para isso. Mas nunca vamos ter um sistema partidário europeu. E mesmo lá, isso está se perdendo. Partidos com quadros, militantes, programáticos, estão desaparecendo mundo afora.
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Professor do Iuperj diz que é contra o Estado patrocinar as campanhas eleitorais no Brasil. Acha que tudo não passa de invenção
Na semana passada, o governo retomou as iniciativas em torno de uma nova proposta de reforma política. Elaborada pelo Ministério da Justiça, a reforma retoma alguns dos principais pontos daquela que foi derrotada pelos congressistas em 2007. Começa, agora, a árdua tarefa de criar consensos entre os partidos em torno de pontos como financiamento público de campanhas, voto em lista fechada e fidelidade partidária. Um dos maiores especialistas em Representação Política do Brasil, Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), se mostra cético quanto às possibilidade de sucesso da nova tentativa. Para ele, o Brasil nunca terá um sistema político similar ao da Europa.
O governo retomou as discussões sobre reforma política. Como o senhor vê essa participação do Planalto no tema?
Não acredito que o governo consiga aprovar. E não acho que seria papel do governo se empenhar numa atividade dessa. Muito mais importante do que o governo propor uma reforma política é o fato de que não há nenhum consenso, nenhuma idéia razoável que una minimamente uma banda da elite política brasileira. Há muita dissonância, cada um tem uma idéia quando se fala em reforma política. As pessoas que são favoráveis à reforma estão pensando em coisas totalmente diferentes. Uma grande contribuição que o governo poderia dar era propor uma nova legislação de financiamento da política no Brasil, envolvendo os partidos e o fundo partidário, e uma nova lei de campanhas. Acho que se avançarmos por ai, outros aspectos ficariam marginais.
Não precisaria passar pelo financiamento público exclusivo de campanhas?
Não, essa foi uma idéia inventada no Brasil e que vejo com muita desconfiança. A premissa dela é problemática, de estatizar completamente a vida política. E se acreditar que com isso resolve o problema da corrupção eleitoral, da ausência de controle de gastos. A gente precisa de uma lei efetiva. A nossa não têm punições severas para os que são pegos. Eles nunca são condenados, porque os processos demoram, a Justiça não tem capacidade de levar isso adiante e não há fiscalização rigorosa. As evidências de corrupção e de abuso de gastos se amontoam nos porões da Justiça Eleitoral porque a premissa do sistema é absurda. Verificar as contas de todo mundo é absurdo. Imagina se todo jogo de futebol todos os jogadores tivessem que fazer o anti-doping. Se temos um sistema por amostragem, com punições severas, pode-se melhorar muito.
Mas o problema maior com os financiamentos não estaria relacionado, não só ao caixa-dois e à corrupção, mas ao peso dos interesses das empresas que apoiam financeiramente os candidatos?
Financiamento público total não existe em lugar nenhum do mundo. A estatização completa não resolve os problemas da corrupção eleitoral. Você deve tentar passar recursos, e não dinheiro. Tempo de televisão é recurso. O Brasil já tem um sistema onde se dá dinheiro aos políticos e não tem capacidade instalada para verificar se estes políticos gastaram como deviam. Quem é que vai fiscalizar 300 mil candidatos em mais de 5 mil municípios? Todo mundo com dinheiro estatal na mão e podendo continuar com caixa-dois. Têm muitos furos lógicos. Acho que o desejável é que a gente caminhe o mais rápido possível para banir a contribuição de empresas para políticos e manter só as de pessoas físicas.
A maior parte dos eleitores brasileiros não acredita que os resultados das eleições são confiáveis ou isentos de fraudes e considera que a política só serve para beneficiar os próprios políticos, como mostrou pesquisa da AMB. Por que essa descrença e quais as conseqüências mais nocivas para nosso sistema representativo dela?
Tem esse lado sombrio em várias perguntas, mas há outras perguntas na pesquisa que mostram um eleitor menos pessimista, que condena troca de voto por benefícios pessoais e que entende as tarefas de vereadores e prefeitos. É um fenômeno em que quando se fala em geral da política, dos políticos, quase sempre aparece um discurso crítico e pessimista, mas quando se fala mais especificamente sobre um aspecto ou outro o quadro fica mais matizado. Um número elevado de eleitores, por exemplo, disse que continuaria votando mesmo se o voto não fosse obrigatório. A única questão que me surpreendeu verdadeiramente foi o percentual baixo de eleitores que consideram as eleições limpas e confiáveis.
O brasileiro parece aqueles personagens que ficam de 9h às 17h falando mal do casamento, mas fica doido para acabar o expediente, voltar para casa e encontrar a esposa. As pessoas falam mal do sistema político brasileiro mas isso não se traduz em nada. O voto nulo e branco tem até diminuído, fica de 5% a 10%, o que é muito pouco comparado com uma década atrás. Mesma coisa o nível de abstenção, e olha que as punições para quem não vota são risíveis.
Essa não seria uma contradição que a própria pesquisa aponta, tendo em vista que, apesar da descrença generalizada, a maioria do eleitorado continua considerando o voto um instrumento importante para mudar a vida? E por que ela existe?
Hoje estamos diante de um eleitor ambíguo. No atacado critica, diz que é todo mundo igual, que todo mundo rouba, mas no varejo não aceita alguns comportamentos que entende, corretamente, serem errados.
O senhor se diria um otimista em relação ao eleitorado brasileiro?
Eu sou otimista com o comportamento do eleitorado, mas não com o que ele fala. Ele diz uma coisa e faz outra. Melhor que seja assim. Terrível seria o contrário. O eleitor que falasse maravilhas do sistema político brasileiro e depois despejasse o voto em nulos, brancos e deixasse de comparecer. Não estou dizendo com isso que a população está satisfeita. Não está. Temos os últimos escândalos, particularmente no Rio de Janeiro, onde a Câmara de Vereadores é esvaziada, representando em quase sua totalidade interesses particulares, sem conexão com grandes problemas da cidade. Assembléia Legislativa também, perdeu muito poder, interesse, ninguém que saber mais o que ocorre por lá. Fora os escândalos do primeiro mandato do presidente Lula. Tudo isso passa a impressão de que nossa elite política é impossível, não está a altura dos desafios do país. Essa visão não nasceu do nada, mas ainda bem não tem se refletido no comportamento do eleitor.
Mas a paciência do eleitor não pode se esgotar?
Não tenho visto esses sinais. Na média, as pessoas estão mais atentas. Cometem muitos erros, basta ver o número de políticos envolvidos em processos, que não deveriam estar aonde estão. Eles foram mal selecionados, não adianta colocar a culpa só na Justiça Eleitoral. A sorte é que o mecanismo democrático procura consertar esses erros. Na eleição seguinte, pune esses políticos nas urnas e tenta-se melhorar.
Mas isso não vem acontecendo com os envolvidos em escândalos.
Mas não podemos esquecer que temos um eleitorado que não acompanha a política com tanto detalhe. Qual o percentual de eleitores que acompanham essas informações? Não é muito grande. Os eleitores têm mais informações e são mais cuidadosos no voto para o Executivo. São menos candidatos, as pessoas debatem mais. Há um esvaziamento grande do poder legislativo, principalmente no âmbito estadual e local. As pessoas votam no legislativo com uma lógica muito diferente. É um voto que o eleitor raramente faz a conta de escolher um bom legislador, um bom fiscalizador do Executivo. É um voto quase que num compadre, num amigo ou alguém próximo. Tem os eleitores que decidem poucos dias antes do pleito. Duas semanas antes das eleições, 70%, 80% não têm candidato ainda para as eleições proporcionais. Eu conheço muita gente que decide na noite anterior, no dia, no caminho da votação. Já do Executivo ele sabe a importância, a força. Um número muito reduzido de pessoas vota num vereador por ter lido as propostas, por ter debatido suas idéias.
Preocupa o índice baixo de eleitores que votam levando em conta apenas o candidato e não se importam com o partido?
Não, já tive essa ilusão de que um dia seríamos a escandinávia partidária, mas não mais. Por causa do sistema de lista aberta, que estimula muito o voto personalizado, combinado com o presidencialismo, que também estimula a decisão num único personagem, claro que não poderia dar outra coisa se não um sistema muito carregado no candidato.
E o senhor não enxerga isso como nocivo para o sistema representativo brasileiro?
Não, é com esse sistema que a gente tem ido. A gente poderia ter um sistema partidário muito forte e estar reclamando que os partidos estão descolados dos interesses das pessoas, servindo apenas a si mesmos. Em países como Israel, Espanha, que utilizam o voto em lista fechada, essas reclamações são constantes. Não há um modelo perfeito. Claro que já imaginei que poderíamos ter partidos um pouco mais fortes, acho até que há espaço para isso. Mas nunca vamos ter um sistema partidário europeu. E mesmo lá, isso está se perdendo. Partidos com quadros, militantes, programáticos, estão desaparecendo mundo afora.
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