domingo, 24 de agosto de 2008

ENTREVISTA - AUGUSTO CARVALHO


Ana Maria Campos e Samanta SallumDa equipe do Correio
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Novo secretário de Saúde defende a boa relação com os médicos e a terceirização de alguns hospitais

Acostumado a analisar com lupa os gastos públicos, o novo secretário de Saúde do Distrito Federal, Augusto Carvalho, tomou um susto na última sexta-feira, quando precisou assinar um cheque de R$ 1,3 milhão para a compra de medicamentos de alto custo. “Chamem o jurídico”, gritou. Licenciado do quinto mandato parlamentar, ele sabe que será muito cobrado agora que virou vidraça. Não só por isso. O governador José Roberto Arruda depositou nas mãos de Carvalho uma expectativa muito grande de mudanças numa das áreas mais importantes da administração pública, onde não faltam problemas.

Augusto Carvalho sabe que não irá longe sem a ajuda dos profissionais de saúde. Por isso, espera melhorar o relacionamento do governo com os médicos e contratar, por concurso, mais gente. Tem a meta de triplicar as equipes do programa de atendimento básico da família, fazer mutirões para reduzir a fila de 15 mil pessoas que aguardam por uma cirurgia e cortar excessos para investir mais. Ainda ontem, o secretário esteve no Hospital Regional da Asa Sul (Hras), que realizaria uma centena de operações para retirada de hérnias em crianças. O seu plano de trabalho também inclui uma batalha para viabilizar a gestão por meio de entidades sociais de hospitais públicos, a começar por Santa Maria. Ele sabe que o assunto é controverso, mas está disposto a defendê-lo.

No cargo, Carvalho fala agora como gestor e diz que vai deixar o político um pouco de escanteio pelo menos por 19 meses, tempo que programa permanecer na pasta. Entre seus parceiros, ele quer contar com o Ministério Público e o Tribunal de Contas do DF. No primeiro dia de trabalho, o secretário já sentiu a pressão. Recebeu a visita de quatro auditores do Ministério da Saúde escalados para esquadrinhar os contratos de compra de equipamentos para o Hospital de Santa Maria. Augusto Carvalho orientou sua equipe a dar todas as informações necessárias.

Político sai de cena para o gestor

Um bancário, formado em sociologia, pode mudar a saúde em Brasília?

Não há um monopólio dos médicos como profissionais com a competência para lidar com as questões da saúde. O importante é ter sensibilidade e respeito ao ser humano. O nível do tratamento que temos constatado pelo país afora — e em Brasília não é diferente — é indigno da condição humana. E o meu objetivo é poder agregar as forças que na sociedade têm o compromisso de fazer ser respeitado o direito constitucional de todos. É necessário que haja uma consciência de que a pasta da saúde não comporta caixa de campanha, não comporta nenhum tipo de desvio. E precisamos restabelecer a harmonia entre a sociedade e os profissionais da saúde.

O senhor será mais um gestor do que um político?

Até brinco com os meus amigos que, a partir de agora, a dimensão da política será subalterna em termos de o que é hoje a nossa missão. Tenho que me empenhar em fazer todas as alianças possíveis para conseguir melhorias para a qualidade da nossa saúde, independentemente dos partidos.

O senhor tem uma imagem de fiscal dos gastos públicos. A sua gestão será mais cobrada?

Sim, até tenho receio. A expectativa gerada é tão grande que foram poucos os que me criticaram pelo fato de sair do parlamento para assumir essa condição. Nos comentários e nos e-mails que recebo, todo mundo me parabeniza. É um orgulho para mim ter gerado essa expectativa, mas é uma responsabilidade muito grande de estar à altura desta cobrança.

Houve momentos tensos entre o Sindicato dos Médicos e a Secretaria de Saúde. Como melhorar essa relação?

É possível conciliar essas posições que muitas vezes são divergentes. Há 15 mil cirurgias aprovadas, como fazemos isso? Tem que haver um mutirão para enfrentar esse desafio. E um mutirão só se consegue com a adesão de uma categoria. Temos que trabalhar para reconstruir uma relação.

O senhor tem a noção concreta de que assumiu o setor mais crítico do governo?

A situação é dramática, mas o desafio fascina também. Muitos médicos e enfermeiros com quem conversei disseram que posso conseguir e me estimularam. Tenho certeza de que apoio não faltará. E essas contratações de 416 médicos vão ajudar a desafogar, principalmente os anestesistas que serão fundamentais para o mutirão de cirurgias.

Os médicos contratados são temporários ou concursados?

Concursados.

O primeiro ponto que o Ministério Público ataca o senhor já está cumprindo, com relação ao grande número de contratos temporários...

Na verdade nem sou eu, porque essas medidas já estavam em curso. Mas é certo que queremos um trabalho a quatro mãos com o Ministério Público e o Tribunal de Contas, sem medo de revelar as informações, de colocar no site. Fui a São Paulo conhecer experiências bem-sucedidas, vi o hospital de Pedreiras e me perguntei: por que é possível ter um hospital público de qualidade lá em São Paulo? A gestão é que é diferenciada. Lá em São Paulo, 25 hospitais que estão sob esse modelo das organizações sociais. Acho que essa experiência real levou o ministro Temporão a encaminhar ao Congresso um projeto regulamentando a atuação das organizações sociais na gestão de hospitais públicos.

E é o que o governo está tentando fazer com o hospital de Santa Maria, mas o Ministério Público e o Tribunal de Contas têm colocado objeções...

Não vamos entrar nessa polêmica. Vi com os meus próprios olhos que é possível ser menos oneroso para o Estado. Se existe o Sarah aqui do nosso lado que é modelo para o mundo, é possível ter um acolhimento ao cidadão onde o respeito com que ele é tratado é a marca.

Então a gestão dos hospitais por meio das organizações sociais é um ponto pelo qual o senhor já definiu que vai brigar nos próximos meses?

Sou de uma matriz ideológica conhecida. Temos essa visão de entender que o Estado assegure ao cidadão a saúde pública de qualidade. Mas a gestão não precisa ser necessariamente do Estado, na medida em que você tem hoje uma exaustão dos recursos públicos e que se pode, dentro de normas, ouvindo a opinião dos órgãos fiscalizadores, ter um trabalho com resultados. Nós mudamos aquela visão de desapropriação dos meios de produção até porque o mundo mudou bastante.

Muito se fala que há um interesse de sucateamento dos hospitais públicos para transferência dos pacientes da rede pública aos hospitais privados. Qual é a sua avaliação sobre esse cenário?

Não se poderia ter chegado a esse estado de degradação da qualidade do atendimento, da falta de leitos de UTI que por decisão judicial ou por qualquer outro motivo acaba sendo transferido para a iniciativa privada. Mas temos que admitir que em Brasília houve uma explosão do crescimento demográfico e uma política irresponsável de atração de fluxos migratórios e de distribuição de lotes que levaram a uma pressão violenta sobre os equipamentos públicos e o incremento dos recursos repassados à saúde foi incompatível.

Como reduzir as filas nos hospitais?

Temos hoje o Hospital de Base, de tratamento de alta complexidade, com profissionais altamente qualificados e com equipamentos de última geração, que atende pacientes que não precisariam estar ali. Temos hoje a inversão da pirâmide do tratamento da saúde e nós temos o caos instalado. Vamos procurar fortalecer o atendimento básico da saúde para resgatar a credibilidade dessa estrutura e num segundo momento também os postos de saúde que precisam ser ampliados na sua capacidade de atendimento. A hora de trabalho de um médico do Hospital de Base é infinitamente superior ao que deveria ser a hora de trabalho do médico do posto de saúde. É preciso completar as equipes do atendimento básico da família. Hoje temos 70 equipes, mas só são consideradas completas 40 e, portanto, qualificadas para receber recursos do Ministério da Saúde. Então tem que contratar mais profissionais. Tem que ser ampliado. O ideal seriam 300 equipes.

Qual a sua meta?

Vamos considerar 150, pois é pouco tempo que eu vou ter. --> --> -->

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