terça-feira, 9 de setembro de 2008

Nunca antes neste país


Lucia Hippolito
DEU NO BLOG DE LUCIA HIPPOLITO

Em entrevista ao jornal Clarín, ontem de manhã, o presidente Lula declarou que vai fazer seu sucessor – e que, provavelmente, será “sua sucessora” (uma mulher, disse ele).

A esse respeito, cabem duas observações, registro de duas curiosidades históricas.

1ª curiosidade. Desde Artur Bernardes (1922-26), um presidente da República eleito diretamente pelo povo não faz o sucessor.

Bernardes fez Washington Luís, respeitando o rodízio do “café-com-leite”. Mas Washington Luís desrespeitou o acordo da República Velha e decidiu impor o nome de Júlio Prestes. Resultado? Revolução de 30... E 15 anos de Getúlio Vargas.

Getúlio foi deposto em 1945 e não fez o sucessor – apoiou Dutra (1946-51) a contragosto.

Dutra, por sua vez, não apoiou Getúlio, o vitorioso em 1950. Getúlio queria Juscelino como sucessor, mas suicidou-se em 1954 e não presidiu a eleição presidencial de 1955.

Juscelino (1956-61) não faz o sucessor. Jânio Quadros era oposição a JK.
Jânio renuncia, e o Brasil mergulha em longa crise, que desembocou na ditadura (1964-85).

Os generais-presidentes não foram eleitos pelo povo, mas tampouco controlaram a própria sucessão.

Castelo Branco (1965-67) teve que engolir Costa e Silva (1967-69). Este teve um derrame e nem viu a própria sucessão.

Médici, o sucessor (1969-73), não queria Ernesto Geisel, mas teve que aceitar.

De todos os generais-presidentes da ditadura, Geisel foi o único que fez o sucessor. Escolheu o general Figueiredo quando este ainda não tinha a quarta estrela de general (pré-requisito para ser presidente, naquela época) e tutelou todo o processo sucessório.

Figueiredo (1979-85) saiu do palácio e da história pela porta dos fundos.
Sarney, como sabemos, não foi eleito pelo povo. Aliás, era apenas vice-presidente e recebeu no colo a presidência da República, depois da morte do dr. Tancredo.

Sarney não fez o sucessor. Fernando Collor passou a campanha inteira falando horrores de toda a família Sarney.

Collor foi afastado depois do impeachment, e Itamar Franco, seu vice-presidente, que não tinha recebido o voto direto dos eleitores brasileiros (apenas compunha a chapa), este sim, conseguiu fazer seu sucessor.

Fernando Henrique (1995-2002) recebeu todo o apoio de Itamar, mas não conseguiu fazer seu sucessor. Lula era candidato da oposição.

Assim, se conseguir fazer seu sucessor (ou sua sucessora), o presidente Lula conseguirá um feito histórico: desde Artur Bernardes um presidente eleito pelo voto direto não faz o sucessor.

2ª curiosidade. Também desde Artur Bernardes (1922-26), um presidente eleito diretamente pelo povo não recebe a faixa presidencial de um presidente igualmente eleito pelo povo e passa a faixa para outro, também eleito pelo povo.

Vamos lá. Bernardes recebeu a faixa de Epitácio Pessoa (1919-22), eleito diretamente, e a passou para Washington Luís, também eleito diretamente, mas que foi deposto pela Revolução de 30.

Getúlio Vargas, que chefiou a revolução, foi eleito presidente da República pelo Congresso em 1934, e em 1937 deu o golpe do Estado Novo. Getúlio foi deposto em 1945.

Com a redemocratização, Eurico Dutra recebeu a faixa do presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares. Dutra (1956-51), eleito diretamente, passa a faixa para Getúlio, também eleito diretamente. Mas o suicídio de Vargas interrompe a “corrente”.

Juscelino Kubitschek (1956-61) foi eleito diretamente, mas recebeu a faixa de Nereu Ramos, presidente do Senado Federal. JK passa a faixa a Jânio Quadros, igualmente eleito pelo povo, mas Jânio renuncia sete meses depois da posse, interrompendo a “corrente” novamente.

Na ditadura, como sabemos, os generais-presidentes dispensaram a eleição pelo povo.

Com a redemocratização, Sarney (1985-90) ganhou a presidência de presente, mas não por eleições diretas. Passou a faixa a Fernando Collor, eleito diretamente. Mas o impeachment e o subseqüente afastamento de Collor interrompem mais uma vez a normalidade institucional.

Fernando Henrique (1995-2002) foi eleito pelo povo, mas recebeu a faixa de Itamar Franco, o vice. FH passou a faixa a Lula (2003-2010), também eleito pelo povo.

Portanto, o presidente Lula é, desde Artur Bernardes, o primeiro presidente da República que, tendo recebido a faixa de um presidente eleito pelo povo, foi eleito pelo povo e vai passar a faixa para outro(a) presidente igualmente eleito(a) pelo povo.

Trata-se de um feito extraordinário na História brasileira, prova incontestável de consolidação institucional da democracia no Brasil.

(Aposto que os marqueteiros do Planalto não sabiam disso!)

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