Wilson Figueiredo
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Em duas semanas a propaganda eleitoral conseguiu tirar o atraso e mostrar que, nos termos em que está posta, é inaproveitável. Está redondamente enganado quem concorda que a democracia começa realmente no município e melhora daí para cima. Ou geometricamente desatualizado, porque uma boa explicação para os embaraços da democracia, no caso brasileiro, passa antes pelo número exagerado de partidos políticos. Se democracias fossem medidas pelo número de partidos, o Brasil estaria exportando soluções e soja. Chegamos a contar umas trinta legendas, sem atender às necessidades básicas da democracia. A própria justiça eleitoral não deve saber a quantas andamos.
Eleição municipal continua mais para um canteiro de mudas do que para um curso de política. Não custa lembrar a recomendação botânica do velho Octávio Mangabeira, que em 1945 se referia à Constituição como "plantinha tenra". Por enquanto, estamos mais para mandacaru. A distância social e cultural entre o candidato e o eleitor se reduziu, mas na mão contrária. O eleitor é tentado a piorar quando o voto se converte em moeda de troca, seja por amizade ou por pequenos interesses. Os grandes não são para o bico de vereador, que trabalha com o que sobra da mercadoria e, em linguagem de feirantes, se chama de xepa. O candidato pede voto como se pedisse esmola para ser retribuído pelo céu. Isto é, a democracia. O que se subentende como democrático nessa operação de compra e venda acaba explícito demais para a própria democracia fingir que não vê.
A propaganda oficial nos grandes centros urbanos relegou os partidos a peças de museu. Agora se trata de aperfeiçoar a democracia sem eles. É ver para crer, com candidatos que não conseguem salvar as aparências sem comprometer a concordância gramatical. Puxam para baixo o eleitor na esperança de obter-lhe o voto. Não há sofisma que defenda uma campanha eleitoral pela televisão em termos de quermesse de cidade do interior. Pode ser que a República, ou pelo menos o Rio, esteja razoavelmente servida de candidatos a prefeito, mas a carência de idéias e a reincidência de propostas, sem a garantia dos partidos, não melhoram o teor de confiança no voto e nos candidatos a vereador. Pode ser coincidência, mas essa dissociação entre candidatos e partidos esconde alguma coisa. A rigor, o único candidato que destaca o partido é o do PT, mas num monólogo à margem. Molon divide abertamente com o senador Crivella o monopólio de Lula, de um modo que deixa mal os dois, o presidente, a legislação e a aplicação das normas eleitorais. Passam a impressão de promiscuidade. Ninguém se refere a trabalhismo, social democracia, socialismo. Liberalismo, então, nem é bom lembrar. Não há sequer um cantinho para acomodar um centro, ainda que teórico.
Se é votando que se aprende a votar, o eleitor que se arranje como puder com a ressalva democrática sem resultado palpável. O eleitor vota até em candidato com vida pregressa comprometida. No país que aboliu a reprovação escolar para o aluno não repetir o ano letivo, mais cedo o futuro chega ao passado. Garante-se o tempo mínimo para o candidato dizer o nome e o número na televisão, mas não dá para medir o grau de democracia que já alavancamos.
Em eleição municipal deve-se resistir à tentação de querer explicar, com as mesmas razões, a falta de qualidade política daí para cima. São outras. O método de lidar com o eleitor não varia, seja na escolha do representante estadual, seja do federal. Faltam critérios republicanos (no bom sentido) para exercer a preferência na escolha do vereador, desde que os partidos se entregam à intermediação seja lá do que for. Se o eleitor não for capaz de aumentar o nível de exigência de um edil, como se denominava em Roma o vereador, ou de um deputado estadual ou federal, deveria ter suspenso o direito de votar. A democracia não conseguiu equacionar o problema, mas o brasileiro não quer mais a solução, também republicana, de resolver à maneira tradicional o problema oriundo do pecado original. O mandato de deputado federal deveria equivaler ao salto tríplice da representação política numa democracia que se desse ao respeito do eleitor, mas não passa, com honrosas exceções, de vereador de luxo.
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Em duas semanas a propaganda eleitoral conseguiu tirar o atraso e mostrar que, nos termos em que está posta, é inaproveitável. Está redondamente enganado quem concorda que a democracia começa realmente no município e melhora daí para cima. Ou geometricamente desatualizado, porque uma boa explicação para os embaraços da democracia, no caso brasileiro, passa antes pelo número exagerado de partidos políticos. Se democracias fossem medidas pelo número de partidos, o Brasil estaria exportando soluções e soja. Chegamos a contar umas trinta legendas, sem atender às necessidades básicas da democracia. A própria justiça eleitoral não deve saber a quantas andamos.
Eleição municipal continua mais para um canteiro de mudas do que para um curso de política. Não custa lembrar a recomendação botânica do velho Octávio Mangabeira, que em 1945 se referia à Constituição como "plantinha tenra". Por enquanto, estamos mais para mandacaru. A distância social e cultural entre o candidato e o eleitor se reduziu, mas na mão contrária. O eleitor é tentado a piorar quando o voto se converte em moeda de troca, seja por amizade ou por pequenos interesses. Os grandes não são para o bico de vereador, que trabalha com o que sobra da mercadoria e, em linguagem de feirantes, se chama de xepa. O candidato pede voto como se pedisse esmola para ser retribuído pelo céu. Isto é, a democracia. O que se subentende como democrático nessa operação de compra e venda acaba explícito demais para a própria democracia fingir que não vê.
A propaganda oficial nos grandes centros urbanos relegou os partidos a peças de museu. Agora se trata de aperfeiçoar a democracia sem eles. É ver para crer, com candidatos que não conseguem salvar as aparências sem comprometer a concordância gramatical. Puxam para baixo o eleitor na esperança de obter-lhe o voto. Não há sofisma que defenda uma campanha eleitoral pela televisão em termos de quermesse de cidade do interior. Pode ser que a República, ou pelo menos o Rio, esteja razoavelmente servida de candidatos a prefeito, mas a carência de idéias e a reincidência de propostas, sem a garantia dos partidos, não melhoram o teor de confiança no voto e nos candidatos a vereador. Pode ser coincidência, mas essa dissociação entre candidatos e partidos esconde alguma coisa. A rigor, o único candidato que destaca o partido é o do PT, mas num monólogo à margem. Molon divide abertamente com o senador Crivella o monopólio de Lula, de um modo que deixa mal os dois, o presidente, a legislação e a aplicação das normas eleitorais. Passam a impressão de promiscuidade. Ninguém se refere a trabalhismo, social democracia, socialismo. Liberalismo, então, nem é bom lembrar. Não há sequer um cantinho para acomodar um centro, ainda que teórico.
Se é votando que se aprende a votar, o eleitor que se arranje como puder com a ressalva democrática sem resultado palpável. O eleitor vota até em candidato com vida pregressa comprometida. No país que aboliu a reprovação escolar para o aluno não repetir o ano letivo, mais cedo o futuro chega ao passado. Garante-se o tempo mínimo para o candidato dizer o nome e o número na televisão, mas não dá para medir o grau de democracia que já alavancamos.
Em eleição municipal deve-se resistir à tentação de querer explicar, com as mesmas razões, a falta de qualidade política daí para cima. São outras. O método de lidar com o eleitor não varia, seja na escolha do representante estadual, seja do federal. Faltam critérios republicanos (no bom sentido) para exercer a preferência na escolha do vereador, desde que os partidos se entregam à intermediação seja lá do que for. Se o eleitor não for capaz de aumentar o nível de exigência de um edil, como se denominava em Roma o vereador, ou de um deputado estadual ou federal, deveria ter suspenso o direito de votar. A democracia não conseguiu equacionar o problema, mas o brasileiro não quer mais a solução, também republicana, de resolver à maneira tradicional o problema oriundo do pecado original. O mandato de deputado federal deveria equivaler ao salto tríplice da representação política numa democracia que se desse ao respeito do eleitor, mas não passa, com honrosas exceções, de vereador de luxo.
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