Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A linha de produção de Charles Chaplin no filme que nos empresta o título remete a mente à associação com os repetitivos movimentos eleitorais de candidatos - entra disputa, sai disputa -, independentemente do que realmente pensam ou como de fato são.
O sentido é o mesmo: Chaplin apertava parafusos mecanicamente e os pretendentes a cargos eletivos reproduzem feito autômatos as regras ditadas pelo chamado marketing político, transferindo aos publicitários o comando das respectivas personalidades.
Com isso, ganham-se eleições, é verdade. Mas com o abuso disso também se esteriliza a política, subtrai-se do eleitor a prerrogativa de raciocinar, retira-se do debate a sua essência - o contraditório oriundo do embate de convicções genuínas -, forma-se uma geração de políticos sem espontaneidade e de eleitores regidos pelo previsível.
Dada a ampla aceitação da receita na condição de cláusula pétrea do modo contemporâneo de pôr uma campanha na “rua”, não há, tão cedo, o menor perigo de prevalecer a tão reclamada empolgação, muito menos o celebrado embate de idéias.
Aliás, conflito de espécie alguma. A não ser os improdutivos confrontos de “sacadas” cuidadosa e previamente elaboradas por sabidos muito bem remunerados para adaptar a oferta verbal e/ou gestual do contratante à demanda auditiva e/ou sensitiva do futuro votante.
Resultado: a diferenciação entre candidatos se faz pelas respectivas posições nas pesquisas, pela produção mais ou menos elaborada dos programas de rádio e televisão, e pela quantidade de minutos disponíveis para cada um.
Quando estão todos juntos num debate, por exemplo, não há quase como distingui-los a não ser pela voz, figurino e fisionomia. Nesta seara os especialistas já entraram, mas ainda não a ponto de lhes anular por completo as identidades.
Mas, no ritmo da carruagem em curso, ainda haverão de conseguir transformá-los em clones do modelo mais adequado ao presumido gosto do eleitorado, extraído da média de opiniões dos grupos de pesquisas “quali”.
Antes que se argumente que o Brasil apenas importa métodos modernos aplicados em democracias avançadas, convém convidar o leitor a apreciar debates de candidatos americanos ou europeus acessíveis em canais a cabo.
Nada nem de longe parecido com o monumento em homenagem a Morfeu que os nossos arquitetos de candidaturas e uma legislação defensiva impõem às emissoras.
Lá, os temas são postos à mesa e os oponentes discutem, discordam, são dura e detalhadamente questionados, participa quem realmente está no páreo e a coisa flui. De maneira interessante ou desinteressante, dependendo dos atributos dos debatedores.
Aqui o candidato pode ser um gênio da comunicação, que estará sempre engessado num cipoal de regras cujo objetivo é justamente impedir que a coisa flua.
A começar pelo burríssimo respeito ao princípio da isonomia, que assegura presença e tratamento igual a todos, sejam porta-vozes de forças representativas, representem só a si ou estejam a serviço de interesses outros.
Poucas cenas são mais ridículas do que assistir a um desses arrivistas apresentando seus “planos de governo”. Talvez a correria dos competitivos para enquadrar suas falas aos minutos preestabelecidos no manual seja pior.
Ninguém compreende nada a respeito de coisa alguma, nada é explicado nem cobrado. Qualquer passo fora do esquema pode suscitar um “pedido de resposta” ou, vexame dos vexames, uma descompostura por parte do mediador, pressionado pelas equipes sempre vigilantes nos bastidores.
Quando o dito debate acaba, restam apenas vagas impressões sobre as performances de cada um e quem tiver a sorte de produzir alguma “tirada” é visto logo como o vencedor da discussão. Inexistente, note-se.
Para agravar a apertura das ataduras, os políticos elaboraram regras eleitorais que simplesmente inviabilizam o exercício do contraditório nos meios eletrônicos, onde estão vetados comentários de opinião e/ou interpretação a respeito das campanhas e dos candidatos.
É difícil precisar o momento em que as campanhas eleitorais tomaram esse rumo. Na verdade não houve um instante, mas um processo defensivo fruto da exacerbação do medo de errar em substituição à vontade de acertar.
O candidato, então, não se apresenta livre, ousado, em risco, na plenitude de sua espontaneidade ao eleitor. Não expõe idéias novas, não cria, não seduz, não encanta, deixando essa tarefa nas mãos do marqueteiro.
Prova? A idéia praticamente consensual de que a responsabilidade pelo melhor ou pior desempenho do candidato seja do profissional responsável pela embalagem do produto. Como se a troca do embrulho alterasse a qualidade do conteúdo.
Aceita a premissa deformada, nada mais parece estranho. Nem um candidato desprovido de atributos, de patrimônio eleitoral, de projetos factíveis, compreensíveis e verossímeis, nem a eleição de um poste bem enfeitado.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A linha de produção de Charles Chaplin no filme que nos empresta o título remete a mente à associação com os repetitivos movimentos eleitorais de candidatos - entra disputa, sai disputa -, independentemente do que realmente pensam ou como de fato são.
O sentido é o mesmo: Chaplin apertava parafusos mecanicamente e os pretendentes a cargos eletivos reproduzem feito autômatos as regras ditadas pelo chamado marketing político, transferindo aos publicitários o comando das respectivas personalidades.
Com isso, ganham-se eleições, é verdade. Mas com o abuso disso também se esteriliza a política, subtrai-se do eleitor a prerrogativa de raciocinar, retira-se do debate a sua essência - o contraditório oriundo do embate de convicções genuínas -, forma-se uma geração de políticos sem espontaneidade e de eleitores regidos pelo previsível.
Dada a ampla aceitação da receita na condição de cláusula pétrea do modo contemporâneo de pôr uma campanha na “rua”, não há, tão cedo, o menor perigo de prevalecer a tão reclamada empolgação, muito menos o celebrado embate de idéias.
Aliás, conflito de espécie alguma. A não ser os improdutivos confrontos de “sacadas” cuidadosa e previamente elaboradas por sabidos muito bem remunerados para adaptar a oferta verbal e/ou gestual do contratante à demanda auditiva e/ou sensitiva do futuro votante.
Resultado: a diferenciação entre candidatos se faz pelas respectivas posições nas pesquisas, pela produção mais ou menos elaborada dos programas de rádio e televisão, e pela quantidade de minutos disponíveis para cada um.
Quando estão todos juntos num debate, por exemplo, não há quase como distingui-los a não ser pela voz, figurino e fisionomia. Nesta seara os especialistas já entraram, mas ainda não a ponto de lhes anular por completo as identidades.
Mas, no ritmo da carruagem em curso, ainda haverão de conseguir transformá-los em clones do modelo mais adequado ao presumido gosto do eleitorado, extraído da média de opiniões dos grupos de pesquisas “quali”.
Antes que se argumente que o Brasil apenas importa métodos modernos aplicados em democracias avançadas, convém convidar o leitor a apreciar debates de candidatos americanos ou europeus acessíveis em canais a cabo.
Nada nem de longe parecido com o monumento em homenagem a Morfeu que os nossos arquitetos de candidaturas e uma legislação defensiva impõem às emissoras.
Lá, os temas são postos à mesa e os oponentes discutem, discordam, são dura e detalhadamente questionados, participa quem realmente está no páreo e a coisa flui. De maneira interessante ou desinteressante, dependendo dos atributos dos debatedores.
Aqui o candidato pode ser um gênio da comunicação, que estará sempre engessado num cipoal de regras cujo objetivo é justamente impedir que a coisa flua.
A começar pelo burríssimo respeito ao princípio da isonomia, que assegura presença e tratamento igual a todos, sejam porta-vozes de forças representativas, representem só a si ou estejam a serviço de interesses outros.
Poucas cenas são mais ridículas do que assistir a um desses arrivistas apresentando seus “planos de governo”. Talvez a correria dos competitivos para enquadrar suas falas aos minutos preestabelecidos no manual seja pior.
Ninguém compreende nada a respeito de coisa alguma, nada é explicado nem cobrado. Qualquer passo fora do esquema pode suscitar um “pedido de resposta” ou, vexame dos vexames, uma descompostura por parte do mediador, pressionado pelas equipes sempre vigilantes nos bastidores.
Quando o dito debate acaba, restam apenas vagas impressões sobre as performances de cada um e quem tiver a sorte de produzir alguma “tirada” é visto logo como o vencedor da discussão. Inexistente, note-se.
Para agravar a apertura das ataduras, os políticos elaboraram regras eleitorais que simplesmente inviabilizam o exercício do contraditório nos meios eletrônicos, onde estão vetados comentários de opinião e/ou interpretação a respeito das campanhas e dos candidatos.
É difícil precisar o momento em que as campanhas eleitorais tomaram esse rumo. Na verdade não houve um instante, mas um processo defensivo fruto da exacerbação do medo de errar em substituição à vontade de acertar.
O candidato, então, não se apresenta livre, ousado, em risco, na plenitude de sua espontaneidade ao eleitor. Não expõe idéias novas, não cria, não seduz, não encanta, deixando essa tarefa nas mãos do marqueteiro.
Prova? A idéia praticamente consensual de que a responsabilidade pelo melhor ou pior desempenho do candidato seja do profissional responsável pela embalagem do produto. Como se a troca do embrulho alterasse a qualidade do conteúdo.
Aceita a premissa deformada, nada mais parece estranho. Nem um candidato desprovido de atributos, de patrimônio eleitoral, de projetos factíveis, compreensíveis e verossímeis, nem a eleição de um poste bem enfeitado.
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