Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Aplicações variadas podem ser feitas com pesquisas de opinião, menos – como diria Napoleão Bonaparte a respeito de espadas – sentar-se sobre elas. Isto é, não interpretá-las corretamente. Na cidade do Rio, quem lê nas entrelinhas entendeu perfeitamente que o primeiro turno da eleição municipal escondia uma disputa de fundo religioso, por mais camuflada que fosse. O problema ficou resolvido: eleição e religião não dão mesmo bom caldo. O eleitor sacrificou a candidatura do senador Marcelo Crivella para afastar do presente os efeitos tardios do passado, nem sempre honroso. Ganhou novo sentido a cidade que, há 48 anos, perdeu a condição de capital federal e obteve, como compensação, o direito de eleger os governantes.
A primeira eleição, em 1960, definiu o perfil da autonomia política conquistada. O carioca elegeu de saída, contra a maré da esquerda, a controvertida figura de Carlos Lacerda. Para quem tinha a fama, má fama, de derrubador de presidentes (da República, seja dito), a primeira campanha eleitoral no Rio teve a ênfase mais forte na personalidade polêmica do jornalista abusado, oriundo da esquerda na mocidade e punho da direita na luta contra sombras do passado. Lacerda venceu, dentro da margem de erro que as pesquisas ressalvam, pela razão política, e nenhuma outra.
Com 48 anos de autonomia e uma fusão engolida sem opinar, o Rio entra no segundo turno e deixa para trás o direito de errar. Os dois candidatos finalistas, Eduardo Paes e Fernando Gabeira, representam nova maneira de pensar, de falar, de se apresentar. Oportunidade de corrigir, e não de repetir, erros. Os recursos eleitorais que resvalam para a depreciação pessoal não substituem argumentos. São preconceitos que deixam pior quem os utiliza. Contra Gabeira, por exemplo, há quem alegue a condição de nascido em Minas. Candidato e eleitor, ambos como cidadãos e contribuintes, pagam os mesmos impostos municipais, estaduais ou federais. São iguais em direitos e deveres.
Em relação a Eduardo Paes, alega-se experiência restrita de subprefeito da Barra da Tijuca. Melhor que tenha começado por aí e ampliado a experiência administrativa, tanto no nível de secretário municipal (Meio Ambiente) quanto estadual ( Esporte, Turismo e Lazer). Sem falar na experiência parlamentar. O diminutivo prefeitinho é pobreza de espírito. A Barra fala por si mesma. "Prefeitinho" é, sem perder o humor, a vovozinha de quem não sabe quanto custou a democracia.
Em tempo, uma ressalva: desde a redemocratização, muitos administradores ficaram devendo no quesito competência. Uma cidade com a complexidade dos problemas e o acumulado por falta de solução não dá a seus prefeitos tempo para um aprendizado sobre a melhor maneira de gerir a máquina municipal. Quem assumir o leme precisará ter experiência e decisão, duas características que não brotam de discursos parlamentares, mas de intimidade com os meios para exercer a responsabilidade executiva no dia-a-dia. O Rio está precisado de alguém com perfil, disposição administrativa e experiência para enfrentar, já no primeiro dia, os desafios que se acumularam.
O fato é que o Rio ficou devendo à maioria absoluta (pela eleição em dois turnos) o salto de qualidade. O mesmo eleitor que selecionou os dois finalistas vai decidir, não entre imagens do passado de cada um, mas do que oferecerem como viável no exercício do mandato. Esta é a oportunidade de qualificar o debate, dignificar a divergência de propostas e respeitar o adversário. Prefeitos não são mestres-de-obras, mas cidadãos com experiência pessoal e humana, dotados de senso político. O voto os reveste de confiança. O resultado do primeiro turno também foi de natureza política. Ficou visível, no fundo das urnas, o desejo de impedir que política e religião se confundissem e confundissem o eleitor.
O efeito saudável pode ter demorado mais do que exigia a impaciência democrática, mas o caminho das urnas não é o mais curto. É, no entanto, a garantia de ser o menos enganoso dentre todos os outros. Eleição é ato de escolha e, como tal, reúne experiência de cidadania, aspirações pessoais, princípios e costumes. Em resumo, senso político, competência e convicção ética.
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Aplicações variadas podem ser feitas com pesquisas de opinião, menos – como diria Napoleão Bonaparte a respeito de espadas – sentar-se sobre elas. Isto é, não interpretá-las corretamente. Na cidade do Rio, quem lê nas entrelinhas entendeu perfeitamente que o primeiro turno da eleição municipal escondia uma disputa de fundo religioso, por mais camuflada que fosse. O problema ficou resolvido: eleição e religião não dão mesmo bom caldo. O eleitor sacrificou a candidatura do senador Marcelo Crivella para afastar do presente os efeitos tardios do passado, nem sempre honroso. Ganhou novo sentido a cidade que, há 48 anos, perdeu a condição de capital federal e obteve, como compensação, o direito de eleger os governantes.
A primeira eleição, em 1960, definiu o perfil da autonomia política conquistada. O carioca elegeu de saída, contra a maré da esquerda, a controvertida figura de Carlos Lacerda. Para quem tinha a fama, má fama, de derrubador de presidentes (da República, seja dito), a primeira campanha eleitoral no Rio teve a ênfase mais forte na personalidade polêmica do jornalista abusado, oriundo da esquerda na mocidade e punho da direita na luta contra sombras do passado. Lacerda venceu, dentro da margem de erro que as pesquisas ressalvam, pela razão política, e nenhuma outra.
Com 48 anos de autonomia e uma fusão engolida sem opinar, o Rio entra no segundo turno e deixa para trás o direito de errar. Os dois candidatos finalistas, Eduardo Paes e Fernando Gabeira, representam nova maneira de pensar, de falar, de se apresentar. Oportunidade de corrigir, e não de repetir, erros. Os recursos eleitorais que resvalam para a depreciação pessoal não substituem argumentos. São preconceitos que deixam pior quem os utiliza. Contra Gabeira, por exemplo, há quem alegue a condição de nascido em Minas. Candidato e eleitor, ambos como cidadãos e contribuintes, pagam os mesmos impostos municipais, estaduais ou federais. São iguais em direitos e deveres.
Em relação a Eduardo Paes, alega-se experiência restrita de subprefeito da Barra da Tijuca. Melhor que tenha começado por aí e ampliado a experiência administrativa, tanto no nível de secretário municipal (Meio Ambiente) quanto estadual ( Esporte, Turismo e Lazer). Sem falar na experiência parlamentar. O diminutivo prefeitinho é pobreza de espírito. A Barra fala por si mesma. "Prefeitinho" é, sem perder o humor, a vovozinha de quem não sabe quanto custou a democracia.
Em tempo, uma ressalva: desde a redemocratização, muitos administradores ficaram devendo no quesito competência. Uma cidade com a complexidade dos problemas e o acumulado por falta de solução não dá a seus prefeitos tempo para um aprendizado sobre a melhor maneira de gerir a máquina municipal. Quem assumir o leme precisará ter experiência e decisão, duas características que não brotam de discursos parlamentares, mas de intimidade com os meios para exercer a responsabilidade executiva no dia-a-dia. O Rio está precisado de alguém com perfil, disposição administrativa e experiência para enfrentar, já no primeiro dia, os desafios que se acumularam.
O fato é que o Rio ficou devendo à maioria absoluta (pela eleição em dois turnos) o salto de qualidade. O mesmo eleitor que selecionou os dois finalistas vai decidir, não entre imagens do passado de cada um, mas do que oferecerem como viável no exercício do mandato. Esta é a oportunidade de qualificar o debate, dignificar a divergência de propostas e respeitar o adversário. Prefeitos não são mestres-de-obras, mas cidadãos com experiência pessoal e humana, dotados de senso político. O voto os reveste de confiança. O resultado do primeiro turno também foi de natureza política. Ficou visível, no fundo das urnas, o desejo de impedir que política e religião se confundissem e confundissem o eleitor.
O efeito saudável pode ter demorado mais do que exigia a impaciência democrática, mas o caminho das urnas não é o mais curto. É, no entanto, a garantia de ser o menos enganoso dentre todos os outros. Eleição é ato de escolha e, como tal, reúne experiência de cidadania, aspirações pessoais, princípios e costumes. Em resumo, senso político, competência e convicção ética.
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