Sérgio C. Buarque
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O mundo inteiro reclama, com razão, dos norte-americanos que deixaram o sistema financeiro se precipitar na grande crise que provoca agora um abalo profundo na economia mundial, de conseqüências ainda imprevisíveis. O presidente Lula, em particular, na sua empáfia, chama Bush à responsabilidade e "manda" ele resolver os problemas dos Estados Unidos e não exportar sua crise para os outros. No entanto, nas últimas décadas, quando a economia americana consumia vorazmente os produtos e bugigangas produzidos em todas as partes do mundo e inundava o planeta com dólares e títulos governamentais, os parceiros comemoravam e agradeciam a irresponsabilidade econômica e financeira dos Estados Unidos.
Quando os delirantes déficits externos da economia norte-americana, viabilizando o consumismo desenfreado da população americana, alimentavam o impulso exportador de todos os países, incluindo os emergentes, ninguém reclamava, ao contrário, pediam mais consumo e mais déficits, e reclamavam de eventual elevação de juros na grande potência. O mesmo vale para o déficit fiscal do governo americano, rodando a máquina na emissão de títulos para financiar a farra e satisfazer o apetite insaciável do sistema financeiro mundial, todos os países se lambuzavam no excesso de liquidez, incluindo o Brasil que se beneficiava da entrada forte de capital e de crédito para financiar o consumo e o investimento no País, e o governo brasileiro propagava os sucessos da balança de pagamentos, indiretamente financiada pela corrida descontrolada dos déficits e endividamento da economia norte-americana.
Não se trata, evidentemente, de inocentar o governo dos Estados Unidos pela crise sistêmica que enfrenta no momento nem, muito menos, de negar a irresponsabilidade do sistema financeiro norte-americano na alavancagem desproporcional de títulos e ativos financeiros. A imprudência das autoridades econômicas dos Estados Unidos e o descontrole do mercado financeiro são as causas da crise financeira mundial que deve atingir, com diferentes graus e intensidades, todos os países do mundo, pelo simples fato de que todos vinham se beneficiando do excesso de demanda e de liquidez na economia internacional, do qual advinha parte do seu sucesso.
A grande maioria dos governos e economistas defende agora uma intervenção do governo americano para salvar o sistema financeiro mundial, devendo mobilizar quase um trilhão de dólares para financiar a insolvência geral dos bancos, financeiras e seguradoras, quem pariu a crise que a assuma. Alguns economistas justificam a medida e aproveitam para registrar o que seria o fim do neoliberalismo e a volta do intervencionismo do Estado, neste caso para salvar os banqueiros, curiosamente, parte destes economistas classificava de neoliberal o Proer, programa criado pelo governo brasileiro, em 1995, para salvar o sistema bancário dos impactos desorganizadores do Plano Real, impedindo uma crise sistêmica na economia brasileira e assegurando a solvência dos bancos.
Ao contrário do Proer, o socorro trilionário do governo americano chega tarde e, feito às pressas e já no meio do furacão, aumenta o custo e reduz a eficácia da intervenção política. De fato, esta era uma crise anunciada e propalada por importantes autoridades econômicas, entre as quais o ex-presidente do Banco Central dos Estados Unidos (FED) Alan Greenspan, que advertia para o que chamava de "exuberância irracional" da economia e do sistema financeiro norte-americano. Em outras palavras, faltou ao governo Bush e ao Banco Central norte-americano uma ação antecipatória de evitar ou se preparar para a previsível explosão da bolha do excesso de liquidez, que estourou agora com o elevado endividamento das famílias.
Os Estados Unidos são responsáveis pela crise e, evidentemente, devem assumir os custos, mas todos os países se aproveitaram e defenderam as vantagens geradas pela exuberância irracional dos Estados Unidos, e vão pagar parte dos prejuízos. Com a mesma naturalidade que condenam agora a inoperância do governo americano, todos pedem a sua proteção contra o risco sistêmico na economia internacional, esquecendo que todos foram igualmente imprevidentes e irresponsáveis, sócios (ao menos, entusiastas defensores) na aventura do capital liquefeito (ou gasoso?).
» Sérgio C. Buarque é economista e consultor
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O mundo inteiro reclama, com razão, dos norte-americanos que deixaram o sistema financeiro se precipitar na grande crise que provoca agora um abalo profundo na economia mundial, de conseqüências ainda imprevisíveis. O presidente Lula, em particular, na sua empáfia, chama Bush à responsabilidade e "manda" ele resolver os problemas dos Estados Unidos e não exportar sua crise para os outros. No entanto, nas últimas décadas, quando a economia americana consumia vorazmente os produtos e bugigangas produzidos em todas as partes do mundo e inundava o planeta com dólares e títulos governamentais, os parceiros comemoravam e agradeciam a irresponsabilidade econômica e financeira dos Estados Unidos.
Quando os delirantes déficits externos da economia norte-americana, viabilizando o consumismo desenfreado da população americana, alimentavam o impulso exportador de todos os países, incluindo os emergentes, ninguém reclamava, ao contrário, pediam mais consumo e mais déficits, e reclamavam de eventual elevação de juros na grande potência. O mesmo vale para o déficit fiscal do governo americano, rodando a máquina na emissão de títulos para financiar a farra e satisfazer o apetite insaciável do sistema financeiro mundial, todos os países se lambuzavam no excesso de liquidez, incluindo o Brasil que se beneficiava da entrada forte de capital e de crédito para financiar o consumo e o investimento no País, e o governo brasileiro propagava os sucessos da balança de pagamentos, indiretamente financiada pela corrida descontrolada dos déficits e endividamento da economia norte-americana.
Não se trata, evidentemente, de inocentar o governo dos Estados Unidos pela crise sistêmica que enfrenta no momento nem, muito menos, de negar a irresponsabilidade do sistema financeiro norte-americano na alavancagem desproporcional de títulos e ativos financeiros. A imprudência das autoridades econômicas dos Estados Unidos e o descontrole do mercado financeiro são as causas da crise financeira mundial que deve atingir, com diferentes graus e intensidades, todos os países do mundo, pelo simples fato de que todos vinham se beneficiando do excesso de demanda e de liquidez na economia internacional, do qual advinha parte do seu sucesso.
A grande maioria dos governos e economistas defende agora uma intervenção do governo americano para salvar o sistema financeiro mundial, devendo mobilizar quase um trilhão de dólares para financiar a insolvência geral dos bancos, financeiras e seguradoras, quem pariu a crise que a assuma. Alguns economistas justificam a medida e aproveitam para registrar o que seria o fim do neoliberalismo e a volta do intervencionismo do Estado, neste caso para salvar os banqueiros, curiosamente, parte destes economistas classificava de neoliberal o Proer, programa criado pelo governo brasileiro, em 1995, para salvar o sistema bancário dos impactos desorganizadores do Plano Real, impedindo uma crise sistêmica na economia brasileira e assegurando a solvência dos bancos.
Ao contrário do Proer, o socorro trilionário do governo americano chega tarde e, feito às pressas e já no meio do furacão, aumenta o custo e reduz a eficácia da intervenção política. De fato, esta era uma crise anunciada e propalada por importantes autoridades econômicas, entre as quais o ex-presidente do Banco Central dos Estados Unidos (FED) Alan Greenspan, que advertia para o que chamava de "exuberância irracional" da economia e do sistema financeiro norte-americano. Em outras palavras, faltou ao governo Bush e ao Banco Central norte-americano uma ação antecipatória de evitar ou se preparar para a previsível explosão da bolha do excesso de liquidez, que estourou agora com o elevado endividamento das famílias.
Os Estados Unidos são responsáveis pela crise e, evidentemente, devem assumir os custos, mas todos os países se aproveitaram e defenderam as vantagens geradas pela exuberância irracional dos Estados Unidos, e vão pagar parte dos prejuízos. Com a mesma naturalidade que condenam agora a inoperância do governo americano, todos pedem a sua proteção contra o risco sistêmico na economia internacional, esquecendo que todos foram igualmente imprevidentes e irresponsáveis, sócios (ao menos, entusiastas defensores) na aventura do capital liquefeito (ou gasoso?).
» Sérgio C. Buarque é economista e consultor
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