Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Irrelevante determinar quem rotulou o século 20 como o Século Americano, muito menos sua exata duração. O que importa é a inclusão da jornada que se encerrou na madrugada de 5 de Novembro de 2008 como uma das horas estelares da história da humanidade.
A revolução pelo voto que elegeu Barack Hussein Obama como primeiro presidente negro dos EUA não é um capítulo exclusivo da história americana. É a materialização de uma longa luta contra a tirania cujo início pode remontar a Platão e confunde-se com a própria história da civilização ocidental.
Instrumentado pelo eleitor americano este foi um fenômeno mundial, primeira conquista política da era da globalização até agora circunscrita à esfera econômica. A explosão de alegria foi cósmica, vibraram (e certamente ainda vibram) todos os discriminados, todos os marginalizados, todos os silenciados e todos aqueles que embora autorizados a comparecer às urnas sabem que as suas vontades e seus votos são invariavelmente manipulados e pervertidos.
Doravante tudo será possível, todos os sonhos de mudança estão autorizados, todas as esperanças passam a ser tangíveis -- desde que exibidas e transcorridas no território da democracia genuína. Foi sepultada a multissecular mentira de que os fins justificam os meios, desmascarada a grande balela de que alguns iluminados têm o poder de falar por todos.
Gigantescas as dificuldades aguardam Barack Hussein Obama. As expectativas que criou e continua a produzir incessantemente levarão muito tempo para serem atendidas. Ele acaba de conquistar o emprego mais difícil do mercado de trabalho mundial. Seus primeiros cem ou mil dias podem ser decepcionantes e até amargos. Os demônios e fantasmas soltos há tanto tempo são resistentes, impregnaram profundamente nossa forma de viver, não basta controlá-los apenas, será preciso rever o funcionamento deste rolo compressor barulhento que retirou do homem moderno a sua ferramenta mais preciosa: a capacidade de cogitar, escolher.
Os "realistas" já começaram a cobrar, cansaram-se do simbolismo e da retórica, querem medidas concretas, soluções instantâneas, bolsas em disparada e mercados novamente excitados. No Brasil já há quem diga que se a vitória de Obama não se converter imediatamente no fim dos subsídios agrícolas (sobretudo aos produtores de etanol), ela será decorativa, inútil.
Besteira: esta nova fase da revolução americana precisa ser acompanhada por revoluções regionais, espontâneas, concomitantes, complementares, sobretudo em paragens onde a demagogia impede verdadeiras mudanças e inovações.
O simbolismo e a retórica sequer completaram uma semana, ainda têm muito a oferecer, o seu potencial de convocação e mobilização está praticamente intocado. O discurso em que John McCain admitiu a derrota - peça política da maior importância - ainda não foi devidamente examinado, digerido e apreendido. Nele embute-se um dos conceitos basilares do processo democrático: não há vencidos, todos participam, todos são vencedores. Por mais pesado que tenha sido o embate.
A era dos extremismos (que na realidade é a era dos revanchismos) só poderá ser encerrada quando tornar-se cristalina e palpável a plataforma pós-racial, pós-ideológica e pós-fanática que escancarou as portas da Casa Branca a um candidato negro. É possível que estejamos fabricando simultaneamente um novo Renascimento, um novo humanismo, um novo iluminismo e um novo romantismo, para isso é indispensável vivenciar, desfrutar e gozar todos os aspectos e desdobramentos de um momento tão grandioso e significativo.
Quando, em 8 de Maio de 1945, acabou a catástrofe européia, mal houve tempo para saudar a paz. A guerra fria já ensaiava os seus primeiros passos. Desta vez, é importante inebriar-se. Faz sentido perceber que tudo faz sentido, tem jeito, solução.
Este é um raro momento nos últimos 100 anos em que os niilistas estão cabisbaixos e acabrunhados. É preciso aproveitá-lo plenamente.
» Alberto Dines é jornalista
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Irrelevante determinar quem rotulou o século 20 como o Século Americano, muito menos sua exata duração. O que importa é a inclusão da jornada que se encerrou na madrugada de 5 de Novembro de 2008 como uma das horas estelares da história da humanidade.
A revolução pelo voto que elegeu Barack Hussein Obama como primeiro presidente negro dos EUA não é um capítulo exclusivo da história americana. É a materialização de uma longa luta contra a tirania cujo início pode remontar a Platão e confunde-se com a própria história da civilização ocidental.
Instrumentado pelo eleitor americano este foi um fenômeno mundial, primeira conquista política da era da globalização até agora circunscrita à esfera econômica. A explosão de alegria foi cósmica, vibraram (e certamente ainda vibram) todos os discriminados, todos os marginalizados, todos os silenciados e todos aqueles que embora autorizados a comparecer às urnas sabem que as suas vontades e seus votos são invariavelmente manipulados e pervertidos.
Doravante tudo será possível, todos os sonhos de mudança estão autorizados, todas as esperanças passam a ser tangíveis -- desde que exibidas e transcorridas no território da democracia genuína. Foi sepultada a multissecular mentira de que os fins justificam os meios, desmascarada a grande balela de que alguns iluminados têm o poder de falar por todos.
Gigantescas as dificuldades aguardam Barack Hussein Obama. As expectativas que criou e continua a produzir incessantemente levarão muito tempo para serem atendidas. Ele acaba de conquistar o emprego mais difícil do mercado de trabalho mundial. Seus primeiros cem ou mil dias podem ser decepcionantes e até amargos. Os demônios e fantasmas soltos há tanto tempo são resistentes, impregnaram profundamente nossa forma de viver, não basta controlá-los apenas, será preciso rever o funcionamento deste rolo compressor barulhento que retirou do homem moderno a sua ferramenta mais preciosa: a capacidade de cogitar, escolher.
Os "realistas" já começaram a cobrar, cansaram-se do simbolismo e da retórica, querem medidas concretas, soluções instantâneas, bolsas em disparada e mercados novamente excitados. No Brasil já há quem diga que se a vitória de Obama não se converter imediatamente no fim dos subsídios agrícolas (sobretudo aos produtores de etanol), ela será decorativa, inútil.
Besteira: esta nova fase da revolução americana precisa ser acompanhada por revoluções regionais, espontâneas, concomitantes, complementares, sobretudo em paragens onde a demagogia impede verdadeiras mudanças e inovações.
O simbolismo e a retórica sequer completaram uma semana, ainda têm muito a oferecer, o seu potencial de convocação e mobilização está praticamente intocado. O discurso em que John McCain admitiu a derrota - peça política da maior importância - ainda não foi devidamente examinado, digerido e apreendido. Nele embute-se um dos conceitos basilares do processo democrático: não há vencidos, todos participam, todos são vencedores. Por mais pesado que tenha sido o embate.
A era dos extremismos (que na realidade é a era dos revanchismos) só poderá ser encerrada quando tornar-se cristalina e palpável a plataforma pós-racial, pós-ideológica e pós-fanática que escancarou as portas da Casa Branca a um candidato negro. É possível que estejamos fabricando simultaneamente um novo Renascimento, um novo humanismo, um novo iluminismo e um novo romantismo, para isso é indispensável vivenciar, desfrutar e gozar todos os aspectos e desdobramentos de um momento tão grandioso e significativo.
Quando, em 8 de Maio de 1945, acabou a catástrofe européia, mal houve tempo para saudar a paz. A guerra fria já ensaiava os seus primeiros passos. Desta vez, é importante inebriar-se. Faz sentido perceber que tudo faz sentido, tem jeito, solução.
Este é um raro momento nos últimos 100 anos em que os niilistas estão cabisbaixos e acabrunhados. É preciso aproveitá-lo plenamente.
» Alberto Dines é jornalista
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