Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Com o sotaque gaúcho dos revolucionários de 1930, mais adiante Osvaldo Aranha denunciou o vazio de homens e idéias daquele Brasil assediado pelo atraso, com discussões intermináveis mas sem consistência de debate público. Com o passar do atropelado século 20, o brasileiro mudou – e para melhor – mas o país se complicou. Já foi moda ser publicamente oposição e governista em particular, principalmente em negócios. Agoniza a era das reformas que se perderam no debate estéril e radical, no curso sinuoso do caminho percorrido desde então. Quando não havia mais diferença a negociar, as reformas foram sendo preteridas politicamente. O tradicional jogo de empurra entre oposicionismo sistemático e governismo abusado resultou na única dialética que ajuda a explicar o Brasil aos brasileiros: os estrangeiros nos vêem com olhos europeus, de cima para baixo, e nós retribuímos, olhando-os de baixo para cima.
Do ponto de vista político, o que separa o Brasil atual e o anterior, do qual sobrou uma difusa lembrança, foi a reeleição. Não pelos presidentes (que não passam de dois) beneficiados pela acumulada vontade de votar do brasileiro. A vida nacional ficou órfã dos grandes temas que enchiam de qualidade representativa o espaço parlamentar. A definição, digamos platônica, das reformas de base ocupou meio século. A moda passou e, na falta de melhor assunto, a temporada se encerrou discretamente como convém aos interessados no atraso. Sem saldo, exceto os temas deixados à disposição da cidadania, coitada, que pouco tem a fazer na democracia deixada em mãos dos políticos. Os cidadãos já se sentem culpados por não saberem onde exatamente erraram.
O último tema que dá a medida estreita do atual pensamento político brasileiro é a aberração conhecida como terceiro mandato, que ia sendo administrado pelos áulicos, até que o presidente Lula, num assomo democrático, reagiu à maneira mais tempestuosa do seu estilo pessoal. Ainda que não fosse um deserto, o Brasil era no mínimo um árido cerrado onde atualmente a soja garante internacionalmente, pelo menos, liderança estatística.
Foi no vazio de que se alimentava a retórica política que, aos poucos, depois que a II Guerra Mundial se encerrou (e por aqui se replantou a democracia) que começou o período histórico das reformas. Antes de levá-las à pratica, tratou-se de discuti-las e, para cobrir todo o espaço nacional, a Câmara e o Senado foram os alto-falantes que deram aos brasileiros a consciência da necessidade de urgência para as reformas. A reforma agrária, com precedência histórica, se limitou à produção de retórica mas, como o tipo revolucionário não vive da atividade agrária, os invasores de terras esperam por um ministério exclusivo, com dotação orçamentária para garantir-lhes salários dignos e benefícios vários. A reforma agrária, como qualquer outra reforma, no século 21 deixou de ter parentesco com a idéia revolucionária e cuida mais de carteira de trabalho, assistência social, férias e aposentadoria.
A hora da verdade chegou para as reformas de que viveram os políticos para não deixar que saíssem do papel. Prevaleceu o princípio (não escrito) segundo o qual é melhor e mais produtivo sem revolução e sem reformas. Foi-se a alternativa à idéia de revolução. Não foi por convicção que as esquerdas tiveram acesso ao poder, nem precisaram se flexibilizar pela direita. Foi pela perda de cerimônia. A solução prática veio a ser a eqüidistância entre os princípios revolucionários e os paliativos clássicos. As invasões de latifúndios estão mais para desafio político ao princípio da autoridade do que para a redistribuição de terra a quem não tenha nenhuma. A única reforma digna do conceito histórico continua a ser a de títulos bancários.
A reeleição foi uma intrusa que só veio ao Brasil para viabilizar hipocritamente o mandato de quatro anos, que na prática se reduzia a dois anos aproveitáveis. O primeiro reservado à montagem do ministério, mediante negociação escabrosa, e o último, à arrumação de gavetas. O quadriênio foi enterrado com a República Velha e exumado para facilitar o contrabando da reeleição, que veio em caráter experimental e foi ficando. Falta um imitador de Cícero se levantar e perguntar, em nome dos eleitores, até quando – mesmo limitada a uma vez – a reeleição abusará da nossa paciência.
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Com o sotaque gaúcho dos revolucionários de 1930, mais adiante Osvaldo Aranha denunciou o vazio de homens e idéias daquele Brasil assediado pelo atraso, com discussões intermináveis mas sem consistência de debate público. Com o passar do atropelado século 20, o brasileiro mudou – e para melhor – mas o país se complicou. Já foi moda ser publicamente oposição e governista em particular, principalmente em negócios. Agoniza a era das reformas que se perderam no debate estéril e radical, no curso sinuoso do caminho percorrido desde então. Quando não havia mais diferença a negociar, as reformas foram sendo preteridas politicamente. O tradicional jogo de empurra entre oposicionismo sistemático e governismo abusado resultou na única dialética que ajuda a explicar o Brasil aos brasileiros: os estrangeiros nos vêem com olhos europeus, de cima para baixo, e nós retribuímos, olhando-os de baixo para cima.
Do ponto de vista político, o que separa o Brasil atual e o anterior, do qual sobrou uma difusa lembrança, foi a reeleição. Não pelos presidentes (que não passam de dois) beneficiados pela acumulada vontade de votar do brasileiro. A vida nacional ficou órfã dos grandes temas que enchiam de qualidade representativa o espaço parlamentar. A definição, digamos platônica, das reformas de base ocupou meio século. A moda passou e, na falta de melhor assunto, a temporada se encerrou discretamente como convém aos interessados no atraso. Sem saldo, exceto os temas deixados à disposição da cidadania, coitada, que pouco tem a fazer na democracia deixada em mãos dos políticos. Os cidadãos já se sentem culpados por não saberem onde exatamente erraram.
O último tema que dá a medida estreita do atual pensamento político brasileiro é a aberração conhecida como terceiro mandato, que ia sendo administrado pelos áulicos, até que o presidente Lula, num assomo democrático, reagiu à maneira mais tempestuosa do seu estilo pessoal. Ainda que não fosse um deserto, o Brasil era no mínimo um árido cerrado onde atualmente a soja garante internacionalmente, pelo menos, liderança estatística.
Foi no vazio de que se alimentava a retórica política que, aos poucos, depois que a II Guerra Mundial se encerrou (e por aqui se replantou a democracia) que começou o período histórico das reformas. Antes de levá-las à pratica, tratou-se de discuti-las e, para cobrir todo o espaço nacional, a Câmara e o Senado foram os alto-falantes que deram aos brasileiros a consciência da necessidade de urgência para as reformas. A reforma agrária, com precedência histórica, se limitou à produção de retórica mas, como o tipo revolucionário não vive da atividade agrária, os invasores de terras esperam por um ministério exclusivo, com dotação orçamentária para garantir-lhes salários dignos e benefícios vários. A reforma agrária, como qualquer outra reforma, no século 21 deixou de ter parentesco com a idéia revolucionária e cuida mais de carteira de trabalho, assistência social, férias e aposentadoria.
A hora da verdade chegou para as reformas de que viveram os políticos para não deixar que saíssem do papel. Prevaleceu o princípio (não escrito) segundo o qual é melhor e mais produtivo sem revolução e sem reformas. Foi-se a alternativa à idéia de revolução. Não foi por convicção que as esquerdas tiveram acesso ao poder, nem precisaram se flexibilizar pela direita. Foi pela perda de cerimônia. A solução prática veio a ser a eqüidistância entre os princípios revolucionários e os paliativos clássicos. As invasões de latifúndios estão mais para desafio político ao princípio da autoridade do que para a redistribuição de terra a quem não tenha nenhuma. A única reforma digna do conceito histórico continua a ser a de títulos bancários.
A reeleição foi uma intrusa que só veio ao Brasil para viabilizar hipocritamente o mandato de quatro anos, que na prática se reduzia a dois anos aproveitáveis. O primeiro reservado à montagem do ministério, mediante negociação escabrosa, e o último, à arrumação de gavetas. O quadriênio foi enterrado com a República Velha e exumado para facilitar o contrabando da reeleição, que veio em caráter experimental e foi ficando. Falta um imitador de Cícero se levantar e perguntar, em nome dos eleitores, até quando – mesmo limitada a uma vez – a reeleição abusará da nossa paciência.
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