Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Alguém entre os conhecidos do senhor e da senhora, gente cuja intimidade com a linguagem das alíquotas limita-se ao doloroso ato de pagar imposto, sabe dizer no que consiste a proposta de reforma tributária em discussão no Congresso?
Pois é. De vez em quando há mesmo desses debates herméticos que parecem feitos para humilhar os não-iniciados. Percebemos a importância do tema, mas não captamos o espírito da coisa em toda sua grandiosidade.
Educadamente, boiamos, por exemplo, enquanto os especialistas trocam argumentos sobre as regras da navegação de cabotagem, destrincham em detalhes os cálculos do fator previdenciário ou se exaltam por causa dos metros cúbicos do Rio São Francisco em vias de transposição.
No caso da reforma tributária é impossível dispensar um entendimento ainda que simplificado, resumido a vantagens e desvantagens em jogo, dado tratar-se do bolso do contribuinte.
Mas, sobre o assunto a que de repente o governo resolveu dar caráter de urgência urgentíssima depois de seis anos de plácida indiferença, de concreto só se depreende que tem política eleitoral no meio.
As explicações ficam por conta do Bonifácio.
São Paulo é contra porque, argumenta a equipe do governador José Serra, o diabo mora nos detalhes da proposta. Minas Gerais aceita, desde que sejam feitos “ajustes”, o governo reúne governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste para “isolar” São Paulo, mas ninguém sabe exatamente para quê.
Nem o presidente Luiz Inácio da Silva, que reúne sua coordenação política e pede a aprovação o “mais rápido possível” porque seria um “sinal importante para a economia”. Serviria, no dizer do ministro da Articulação Política, José Múcio, para combater a “síndrome da crise”.
Não há acordo mínimo em torno de coisa alguma por parte dos governadores, dos parlamentares, dos setores produtivos, cada um defende um naco de uma sigla dentre as inúmeras incompreensíveis, mas a prioridade, passou a insistir o governo, é total. É preciso aprovar o “texto-base” ainda este ano, deixar os “pontos polêmicos” para depois, fazer alguma coisa, como diz o ministro da Fazenda, Guido Mantega, “o quanto antes”.
Uma discussão riquíssima em adjetivos e conceitos vagos, vontades prementes, mas paupérrima em termos de conteúdo.
Objetivamente: qual efeito terá a aprovação do “texto-base” - vale dizer, a proposta assinada pelo relator Antônio Palocci - de qualquer maneira em 2008 se os pontos polêmicos alteram todo o conteúdo? Ademais, que urgência se impõe neste momento que já não tenha se imposto há muito tempo sem que merecesse tal grau de aflição e empenho?
Segundo o presidente Lula, exatamente o fato de a polêmica se estender há muito tempo. Mais não diz sobre sua disposição para organizar e arbitrar os contraditórios. Apenas reclama dos “óbices” criados pelos adversários e os acusa de defender a reforma só “da boca para fora”.
Não obstante ser este o único modo conhecido de expressão audível, o governo é dos primeiros a falar muito e fazer nada em prol da reforma tributária. Deixa o assunto caminhando à deriva, não articula possibilidades, faz de conta que não vê as dificuldades e, quando o interesse político se impõe, alega ter feito a sua parte e cobra os votos da maioria.
A reforma que será votada não importa, desde que seja aprovada. Para dar ao presidente Lula, e também ao relator Antônio Palocci em seu processo de reabilitação, a autoria para efeito de registro histórico.
O objetivo, portanto, é a conquista da chancela. Tal como já ocorreu com a reforma da Previdência no setor público. Votada na base do “texto-base” no primeiro mandato, está até hoje incompleta, mas consta no portfólio de reformas aprovadas pelo governo Lula.
Uma proposta de reforma tributária aprovada sem eixo, sem efeitos conhecidos sobre o desembolso geral, cheia de atalhos e agrados setoriais, desprovida de uma lógica que sirva de base para uma explicação com começo, meio e fim sobre seu significado, resulta em nada sob o aspecto substantivo.
Pode até ter um tênue presente, mas desmancha em seguida.
Se ninguém se acerta agora, se o governo não se dispõe a dirimir atritos por receio de desgaste político, não será em 2009, muito menos em 2010 que haverá possibilidade de o entendimento entre as forças políticas transformar o “texto-base” numa genuína reorganização do sistema de tributos.
A peça publicitária, porém, está garantida. Para todos os efeitos, consta que o governo mandou sua proposta, assim como fará em breve com a reforma política. Se não completou o serviço, culpa do Congresso, o irresponsável de plantão.
Ou mais especificamente da oposição que, com sua vastíssima maioria, paralisa os movimentos dos 15 partidos da aliança governista, neutraliza os 80% de popularidade do presidente da República, anula o poder indutor de um governo, enfim, como se sabe, não deixa o homem trabalhar.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Alguém entre os conhecidos do senhor e da senhora, gente cuja intimidade com a linguagem das alíquotas limita-se ao doloroso ato de pagar imposto, sabe dizer no que consiste a proposta de reforma tributária em discussão no Congresso?
Pois é. De vez em quando há mesmo desses debates herméticos que parecem feitos para humilhar os não-iniciados. Percebemos a importância do tema, mas não captamos o espírito da coisa em toda sua grandiosidade.
Educadamente, boiamos, por exemplo, enquanto os especialistas trocam argumentos sobre as regras da navegação de cabotagem, destrincham em detalhes os cálculos do fator previdenciário ou se exaltam por causa dos metros cúbicos do Rio São Francisco em vias de transposição.
No caso da reforma tributária é impossível dispensar um entendimento ainda que simplificado, resumido a vantagens e desvantagens em jogo, dado tratar-se do bolso do contribuinte.
Mas, sobre o assunto a que de repente o governo resolveu dar caráter de urgência urgentíssima depois de seis anos de plácida indiferença, de concreto só se depreende que tem política eleitoral no meio.
As explicações ficam por conta do Bonifácio.
São Paulo é contra porque, argumenta a equipe do governador José Serra, o diabo mora nos detalhes da proposta. Minas Gerais aceita, desde que sejam feitos “ajustes”, o governo reúne governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste para “isolar” São Paulo, mas ninguém sabe exatamente para quê.
Nem o presidente Luiz Inácio da Silva, que reúne sua coordenação política e pede a aprovação o “mais rápido possível” porque seria um “sinal importante para a economia”. Serviria, no dizer do ministro da Articulação Política, José Múcio, para combater a “síndrome da crise”.
Não há acordo mínimo em torno de coisa alguma por parte dos governadores, dos parlamentares, dos setores produtivos, cada um defende um naco de uma sigla dentre as inúmeras incompreensíveis, mas a prioridade, passou a insistir o governo, é total. É preciso aprovar o “texto-base” ainda este ano, deixar os “pontos polêmicos” para depois, fazer alguma coisa, como diz o ministro da Fazenda, Guido Mantega, “o quanto antes”.
Uma discussão riquíssima em adjetivos e conceitos vagos, vontades prementes, mas paupérrima em termos de conteúdo.
Objetivamente: qual efeito terá a aprovação do “texto-base” - vale dizer, a proposta assinada pelo relator Antônio Palocci - de qualquer maneira em 2008 se os pontos polêmicos alteram todo o conteúdo? Ademais, que urgência se impõe neste momento que já não tenha se imposto há muito tempo sem que merecesse tal grau de aflição e empenho?
Segundo o presidente Lula, exatamente o fato de a polêmica se estender há muito tempo. Mais não diz sobre sua disposição para organizar e arbitrar os contraditórios. Apenas reclama dos “óbices” criados pelos adversários e os acusa de defender a reforma só “da boca para fora”.
Não obstante ser este o único modo conhecido de expressão audível, o governo é dos primeiros a falar muito e fazer nada em prol da reforma tributária. Deixa o assunto caminhando à deriva, não articula possibilidades, faz de conta que não vê as dificuldades e, quando o interesse político se impõe, alega ter feito a sua parte e cobra os votos da maioria.
A reforma que será votada não importa, desde que seja aprovada. Para dar ao presidente Lula, e também ao relator Antônio Palocci em seu processo de reabilitação, a autoria para efeito de registro histórico.
O objetivo, portanto, é a conquista da chancela. Tal como já ocorreu com a reforma da Previdência no setor público. Votada na base do “texto-base” no primeiro mandato, está até hoje incompleta, mas consta no portfólio de reformas aprovadas pelo governo Lula.
Uma proposta de reforma tributária aprovada sem eixo, sem efeitos conhecidos sobre o desembolso geral, cheia de atalhos e agrados setoriais, desprovida de uma lógica que sirva de base para uma explicação com começo, meio e fim sobre seu significado, resulta em nada sob o aspecto substantivo.
Pode até ter um tênue presente, mas desmancha em seguida.
Se ninguém se acerta agora, se o governo não se dispõe a dirimir atritos por receio de desgaste político, não será em 2009, muito menos em 2010 que haverá possibilidade de o entendimento entre as forças políticas transformar o “texto-base” numa genuína reorganização do sistema de tributos.
A peça publicitária, porém, está garantida. Para todos os efeitos, consta que o governo mandou sua proposta, assim como fará em breve com a reforma política. Se não completou o serviço, culpa do Congresso, o irresponsável de plantão.
Ou mais especificamente da oposição que, com sua vastíssima maioria, paralisa os movimentos dos 15 partidos da aliança governista, neutraliza os 80% de popularidade do presidente da República, anula o poder indutor de um governo, enfim, como se sabe, não deixa o homem trabalhar.
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