quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Um Anchieta que não merece o sobrenome


Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A união de interesses entre o governo do Estado de Roraima e cinco produtores de arroz, configurada na batalha jurídica, e até em conflitos abertos, em torno da reserva contínua da Raposa/Terra do Sol, fala pela boca do governador José de Anchieta Júnior (PSDB), na edição de "O Globo" da última terça (9/12): "Querem tirar os brasileiros da área de fronteira e deixar só os índios. É fácil comandar o índio. Se ele tiver febre, você dá um AAS ou uma Cibalena, resolveu o problema". Segundo ele, portanto, que aliás não merece o Anchieta que traz em seu nome, índios não são brasileiros e são facilmente manipuláveis, basta que não tenham território próprio e de preferência trabalhem para os fazendeiros de arroz - como, antes deles, trabalhavam para os fazendeiros de gado em regime de quase escravidão. "Os índios da região vivem harmonicamente com os não-índios. Aliás, eles precisam dessa integração para garantir a sobrevivência", diz o Anchieta de Roraima.

A história da fixação de arrozeiros na reserva indígena, cujo processo de homologação durou longos 20 anos e terminou em um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004, é um caso de má-fé que envolve poucos produtores rurais, sucessivos governos estaduais e muita terra pública. O território, de 1,7 milhão, foi demarcado para abrigar 18 mil índios de nove povos indígenas, das etnias de Macuxi, Wapixana, Ingaricó, Taurepang e Patamona, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1998. O decreto de 2004 homologou a reserva. Os arrozeiros ocupavam, quando da demarcação, 7.585 hectares de terra da reserva; até a homologação feita por Lula, as seis fazendas de cinco maiores produtores de arroz já somavam 25 mil hectares. Os pequenos agricultores foram retirados da área após a homologação e receberam terras maiores e legalizadas - eram apenas posseiros na reserva e, com as novas terras, com escritura definitiva, passaram a ter direito à crédito rural. Eles não são o problema e nem fonte de conflito. Os cinco grandes rizicultores que persistem na área, que são igualmente invasores de terra pública, foram considerados pelo Incra como ocupantes de má-fé, já que chegaram depois da demarcação, plantaram depois da homologação e fazem cultivos irregulares, sem licenciamento ambiental.

A expansão da cultura de arroz dentro da reserva, com o preço de desflorestamento e do envenenamento de rios por agrotóxicos, é um crime ambiental e contra o povo indígena que tem sido feito com a valiosa ajuda dos mandatários do Estado. Os arrozeiros grandes foram atraídos para a região com uma política de incentivos fiscais. Invadiram com apoio oficial. É o governo estadual que tem entrado na Justiça, como parte interessada, primeiro contra a demarcação, depois contra a homologação da reserva, invocando a segurança nacional - segundo o Estado, os arrozeiros que andam armados são um risco menor naquela área de fronteira com a Venezuela e a Guiana do que os índios desarmados, como se uma reserva indígena fosse um território estrangeiro.

O julgamento da homologação da Reserva Raposa/Terra do Sol pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é mais um capítulo na estratégia de adiamento do governo de Roraima e dos arrozeiros da ordem de desocupação das "ilhas" ocupadas pelos fazendeiros. A demora na decisão resultaria em mais safras colhidas em terra pública por particulares de má-fé, que não têm compromisso com a lei, com as ordens judiciais de desocupação das terras ou com a biodiversidade da região.

José Dirceu

A autora do livro "Sem Vestígios: revelações de um agente secreto durante a ditadura militar brasileira", Taís de Morais, afirmou em e-mail ao blog do ex-deputado José Dirceu que manteve, de forma equivocada, uma nota de rodapé em que diz que o diário do agente sobre o qual o livro está baseado aponta Dirceu como o agente duplo que teria sido responsável pela queda dos integrantes do Movimento pela Libertação Popular (Molipo). "Eu me equivoquei ao deixar que a nota fosse publicada assim. O certo é: Segundo depoimentos de alguns militares e do Cel. Lício Maciel, Daniel (codinome de Dirceu) teria sido agente duplo", afirma. Matéria de minha autoria sobre o livro foi publicada no Valor do dia 27/11, e traz a referência ao rodapé, com a contestação do ex-deputado.

O advogado Ivo Shizuo Sooma enviou-me um e-mail argumentando que seria impossível a Dirceu ter agido como agente duplo. "À época da morte de Jeová de Assis Gomes (que, segundo o coronel Lício Maciel teria acusado Dirceu de ser delator, antes de morrer com um tiro nas costas), no início do ano de 1972, José Dirceu não se encontrava no Brasil. Nessa época, eu, que já residia em Umuarama-PR, recebia visitas periódicas de João Leonardo Silva Rocha, um perseguido político que estava radicado em Pernambuco. No ano de 1973, João Leonardo falou-me que estava aguardando o retorno de um companheiro que estava em Cuba. Em fins de 1974 ou já em 1975, João Leonardo chegou a Umuarama dizendo que o companheiro vindo de Cuba já estava no Brasil, e assim tive contato com José Dirceu, cuja identidade desconhecia e foi me apresentado sob nome de Carlos. José Dirceu fixou-se em Cruzeiro do Oeste, distante 25 km de Umuarama, onde permaneceu até algum tempo depois de promulgada a Lei da Anistia. Eu tinha contatos periódicos com José Dirceu, cujo identidade passei a conhecer posteriormente, e posso assegurar-lhe que não tem fundamento a insinuação de colaboração por parte dele com agentes da repressão, contida em sua matéria acima referida."

Que esse equívoco não empane as demais revelações do livro. Por razões óbvias, não existem registros oficiais de assassinatos de opositores do regime militar. Essa parte negra da história brasileira apenas será totalmente revelada se forem encontrados mecanismos para coletar e depurar os relatos dos agentes do regime que testemunharam, ou mesmo participaram, da tortura e assassinato desses brasileiros.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

Um comentário:

Asdrubal disse...

O cara mandava as mensagens por meio de um membro do Itamaraty,serviço de inteligência, a partir de Cuba. Um elemento do CIE/Rio as recebia e procedia as ações. Abram os documentos secretos do Itamaraty e do CIE/Rio, se quiserem identificar o dedo-duro, longe da interferência de dilmas e dirceus.
Alguma dúvida?