quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Lula mergulha a barba no molho da prudência


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


"Bobo não senta nesta cadeira de presidente da república", ensinou o presidente Itamar Franco a dois assessores ansiosos e afoitos que o aconselhavam a assumir a articulação para a escolha do seu sucessor.

E de bobo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem nada, apesar dos muitos escorregões da língua solta na diluvial maratona diária de três, quatro, cinco improvisos.

Agora, por exemplo, Lula não está inventando a roda, mas aplicando as regras do bom senso e da experiência para pular a fogueira da campanha justamente na semana decisiva da eleição, com o quadro enrolado em indefinições em muitas capitais e grandes cidades e os institutos de pesquisa batendo cabeça na contradição embirutada dos índices que mais confundem do que ajudam a entender as chances dos favoritos.

Lula usa bem a sua facilidade de comunicação, com a invejável popularidade batendo na lua. Joga o seu xadrez político movendo as pedras com a experiência das suas muitas campanhas, com três derrotas na briga pela Presidência e as duas vitórias sucessivas que lavam a alma e só não apagam a nódoa da implicância com o seu antecessor e alvo predileto, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Embalado pela aprovação popular e com o afago de importantes êxitos administrativos, o presidente esperou a hora para entrar na campanha e, com meia dúzia de discursos, decidir a parada nas capitais duvidosas, nas quais os seus candidatos necessitavam da sua palavra para apontar o rumo ao voto.

No primeiro turno, pagou o preço da arrogância e da mesquinharia quando ameaçou expelir do Congresso o senador José Agripino Maia, líder da bancada dos Democratas, na eleição para a prefeitura de Natal. Caiu do pangaré com a eleição de Micarla de Sousa, lançada pelo Partido Verde para promover a legenda.

O castigo foi bem aproveitado. Na reta do segundo turno com os institutos de pesquisa enlouquecidos pelas súbitas correções do rumo do eleitorado, o presidente consultou o espelho, acariciou as barbas grisalhas antes de mergulhá-las no caldo da prudência.

E entre três ou quatro lances, liquidou a fatura com os candidatos que não podem perder e anunciou que se retirava da campanha do segundo turno, recolhendo-se ao seu gabinete para "trabalhar, trabalhar e trabalhar". A tríplice repetição é uma tática para dissipar a névoa da incredulidade com o impacto de uma mudança da água para o encorpado vinho de castas nobres.

Não precisava tanto. Mas, nunca é demais exagerar na ênfase. Motivos é o que não faltam para o presidente assumir o comando das articulações da equipe econômica enquanto a crise vai e vêm, na ressaca dos grandes do mundo ensandecido.

E o eleitorado, ou parte dele, parece que resolveu escolher o seu candidato dispensando os feitores que se consideravam insubstituíveis. Ninguém pode estar certo da vitória. Talvez, com a ressalva do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), candidato à reeleição, muito ajudado pela desastrada adversária Marta Suplicy, que se envenenou ao morder a língua.

No Rio, a crescente violência dos ataques do Eduardo Paes (PMDB) é um golpe de faca de dois gumes.

È melhor esperar pela palavra final das urnas eletrônicas de domingo.

E saborear a sagacidade da lição do presidente Lula do seu retiro no Palácio do Planalto: "Pode ser que não tenha muita diferença ideológica entre democratas e republicanos. Mas, do ponto de vista simbólico, este mundo eleger um torneiro mecânico pela segunda vez, eleger um índio na Bolívia e um negro nos Estados Unidos é demais".

Como se vê, uma panacéia que serve para tudo.

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