sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A onda que virá, nas eleições de 2009

César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Já foi suficientemente demonstrado como a política na América Latina move-se por ciclos. Houve a era de Getúlio, Cárdenas e Perón, o tempo em que Videla, Pinochet e Geisel mostravam a direção; a era da inflação e a das políticas neoliberais. Para meditar sobre o 2010 no Brasil, convém pensar no 2009 dos vizinhos.

Realizam eleições presidenciais este ano Chile, El Salvador, Honduras, Equador, Bolívia e Uruguai. Fazem eleições legislativas Argentina e México. E mais um referendo irá sacudir a Venezuela. Há um liame entre quase todos estes processos eleitorais: onde não há a perspectiva de reeleição presidencial no horizonte, a oposição tem claríssimas chances de vencer. Onde o presidente entra em campo, o favoritismo é da situação. Daí um fator que propulsiona, afora egocentrismo e pendores autoritários, a busca por terceiros e quartos mandatos.

A crise econômica global apanhou quase todos os presidentes latino-americanos em um momento de popularidade alta, ou com viés de crescimento. Segundo dados da empresa de consultoria mexicana Mitofsky, coletados entre novembro de 2008 e janeiro deste ano, a aprovação presidencial supera 70% na Colômbia, no Equador e no Brasil. Fica entre 50% e 70% na Venezuela, México, Paraguai, Bolívia e El Salvador. É intermediária no Chile, Uruguai, Panamá, Guatemala e Costa Rica. Entra na zona da impopularidade, abaixo de 40%, apenas na Argentina, Nicarágua, Honduras, República Dominicana e Peru. Se as dificuldades geradas por desemprego e depressão tendem a atingir presidentes com muito prestígio popular para queimar, favorecem também a oposicionistas aparecerem como homens ou mulheres providenciais, sobretudo quando o mandatário sai de cena.

Rafael Correa tende a ter uma reeleição tranquila no Equador no próximo mês e Chávez mais uma vez joga seu destino na Venezuela, com o plebiscito da reeleição indefinida. O autoritarismo inerente em Chávez é tão evidente quanto a falta de perspectivas de seu grupo em produzir um sucessor. A derrota do chavismo em Caracas e Maracaibo, nas eleições regionais do ano passado, só atestaram este distanciamento entre o líder máximo e seu grupo político. Assim como Evo Morales deverá triunfar nas eleições presidenciais de dezembro na Bolívia. Caso não tivesse obtido no referendo deste mês o direito de concorrer novamente, qual seria o destino das forças que o apóiam?

Nos lugares onde a reeleição é impossível por determinação legal ou circunstâncias políticas, sobressai uma oposição conservadora, com uma única exceção: El Salvador. Lá, o atual presidente, o direitista Tony Saca, é tão popular quanto Evo Morales na Bolívia, mas quem deve ganhar a eleição presidencial em março é o esquerdista Mauricio Funes, da FMLN.

No México, o presidente Felipe Calderón enfrenta problemas de criminalidade e crise econômica. Seu prestígio em pesquisas de opinião não se transfere para seu partido, o PAN. Quem deve capitalizar esta situação, ganhando as eleições legislativas, contudo, não é o PRD do esquerdista López Obrador, batido nas eleições presidenciais de 2006, mas o velho PRI, que governou o País por décadas. Desde fevereiro do ano passado, o PRI tornou-se a sigla favorita dos mexicanos, ultrapassando o PAN e o PRD. Os mexicanos parecem querer mudar, sem ousar pela esquerda.

É o mesmo caso do Chile. Depois de Michelle Bachelet, mulher e socialista em um dos países mais conservadores do continente, o favorito para a eleição do final do ano é Sebastian Piñera, ligado ao pinochetismo. Acusações difusas de corrupção e de inabilidade política derrubaram a popularidade da presidenta, mas seu prestígio recuperou-se. Há pesquisas locais que a colocam acima de 50% de aprovação. Mas a Concertacão, que reúne socialistas e democrata-cristãos, tende a perder. "Bachelet não conseguiu cristalizar a renovação. Hoje são figuras de longa trajetória política, como o ex-presidente Eduardo Frei e o ex-chanceler José Miguel Insulza, que disputam a indicação governista. Depois de 19 anos de governo, a Concertação não se renovou", comenta o cientista político argentino Manuel Balán, pesquisador da Universidade de Austin, no Texas.

É o mesmo drama no Uruguai. A Frente Ampla do presidente Tabaré Vasquez está dividida entre as candidaturas do ex-guerrilheiro José Mujica e do ex-ministro da Fazenda Danilo Astori.

Em um segundo turno, tende a perder para os blancos, do conservador Partido Nacional. O continuísmo surge como solução para uma facção governista, que tenta coletar 220 mil assinaturas até meados do ano para conseguirem emplacar um plebiscito criando a reeleição. "A candidatura impossível de Tabaré significaria um triunfo seguro, além de gerar um consenso no interior do governismo. Não existe uma personalização da política uruguaia, ainda que o carisma de Vázquez seja altíssimo, senão a necessidade de garantir a continuidade de projeto governamental", comenta Diego Raus, cientista político da Universidade de Buenos Aires.

O quadro na Argentina é o mais nebuloso. Cristina Kirchner navega na impopularidade no momento em que a metade da Câmara e o terço do Senado irá se renovar. E dos 127 deputados que vencem o mandato, 62 são kirchneristas puros, eleitos em 2005, momento em que o kirchnerismo estava no auge. É altamente provável que a base de apoio de Cristina torne-se ainda mais estreita. Caberá ao seu marido e líder, o ex-presidente Nestor Kirchner, um passo arriscado: ele poderá encabeçar a lista dos peronistas na Província de Buenos Aires, que responde por 35 vagas a renovar. Destes, 20 apóiam o governo atualmente. "Se a base cair, começa a discussão do pós-kirchnerismo", comenta Balán. Difícil é pensar para onde a Argentina penderia. Não há partidos de oposição a Kirchner, apenas lideranças isoladas, que apenas começam a conversar entre si. "São acordos que estão longe de serem políticas de alianças programáticas e estáveis", diz a cientista política Dolores Rocca, da Universidade Gino Germani.

"Os custos para o governo nas eleições não serão mais altos pela debilidade da oposição, uma situação que se arrasta desde 2003", aposta Raus.

César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às sextas-feiras, Maria Cristina Fernandes, está em férias

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