Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO
Os juros bancários no Brasil são indefensáveis e incompreensíveis. Mesmo assim, a intervenção do presidente da República no Banco do Brasil não é a melhor solução. O banco tem capital aberto e acionistas privados; o controlador pode, mas não deve, demitir o principal executivo do banco e mandar o substituto reduzir juros. Isso só explicita o problema de governança da instituição.
Essa gestão não era brilhante e, como todas as estatais do governo Lula, foi subserviente às determinações políticas do Executivo.
Em outra gestão, só para ficar no caso mais pitoresco, o banco foi usado até para comprar ingressos em show musical para arrecadar dinheiro para o partido do atual governo. Mas a decisão de ontem, e a maneira como foi feita, deixou claro que o governo usa as estatais, mesmo as de economia mista, como se fossem um braço do Executivo, sem respeito aos minoritários e às regras de mercado.
No caso de ontem, foi como se só um homem estivesse impedindo a queda dos juros. Se quisesse usar um dos bancos públicos para liderar um processo de competição para redução do spread bancário, o mais aconselhável seria usar a Caixa Econômica, que é 100% estatal, mas com o cuidado de garantir a solidez financeira da instituição.
Foi o que sugeriu ontem a Carta do Ibre, da Fundação Getúlio Vargas.
Os juros sempre foram altos no Brasil, os spreads bancários, altíssimos. Em parte porque o Brasil vem se curando, aos poucos, de longas e variadas enfermidades econômicas. Nos últimos dez anos, os juros da Selic ficaram, em termos reais, entre 9% e 13%, calcula o Ibre.
Mais recentemente, caíram para níveis inéditos, mas os juros bancários não acompanharam a mesma queda.
O altíssimo custo do dinheiro no Brasil é uma das travas da economia brasileira, mas a solução é mais complexa. Os bancos públicos já custaram muito ao contribuinte. Tanto Banco do Brasil quanto Caixa receberam, em anos recentes, capitalizações altíssimas do Tesouro com o dinheiro de todos nós. Depois disso, o sistema foi saneado e passou a adotar critérios mais transparentes de concessão de crédito, com a troca do critério político pelo técnico e pela criação de comitês de crédito.
O analista Luís Miguel Santacreu lembra que o banco vinha sendo blindado nos últimos anos e que a decisão de ontem reverte esse processo.
Ele argumenta também que, nos últimos anos, o governo poderia ter trabalhado para a redução do spread com medidas como a reforma tributária.
A decisão de reduzir o spread na lei ou na marra cria vários dilemas. A rentabilidade do banco pode cair e, neste caso, todos os acionistas receberão menos dividendos, entre eles o governo e a Previ, fundo de pensão dos funcionários. Se reduzir os juros muito abaixo dos de mercado, o BB vai atrair as empresas melhores.
Neste caso, mesmo que tenha um número bonito de redução do spread, estará concedendo crédito a quem já tem oferta no mercado. Os dados estarão mascarando a realidade. Se houver uma concessão de crédito dirigido a empresas que em outros bancos pagam taxas de risco muito altas, o BB estará assumindo um risco que acabará estourando na conta do acionista.
Passou o melhor momento para levar os bancos públicos a liderarem um processo de redução do spread através do acirramento da competição. Isso é mais fácil fazer no ciclo de alta.
Agora, quando aumenta a percepção de risco do mercado e há uma escassez de crédito, mesmo que os bancos públicos reduzam as taxas, podem não ser acompanhados pelos bancos privados, que vão competir apenas pelos clientes grandes e de baixo risco. Haverá uma superoferta de crédito para quem já tem crédito; e os que hoje têm dificuldade podem continuar enfrentando a mesma escassez.
Há divergência entre os bancos e o BC quando se faz a decomposição do spread no Brasil. No Banco Central, diz a Carta do Ibre, o spread é dividido assim: 37,4% seriam devidos à inadimplência, 13,5% do custo administrativo, 3,6% ao compulsório, 8,1% aos tributos e taxas, 10% aos impostos diretos e 27% de resíduo não explicado — que seriam o lucro do banco e os subsídios implícitos no crédito direcionado.
Numa entrevista que fiz recentemente com o presidente da Febraban, Fábio Barbosa, não encontrei resposta satisfatória para o fato de eles arbitrarem uma taxa de risco tão alta se a taxa de inadimplência ainda é baixa no Brasil. Um dos argumentos dele é que o crédito direcionado para os setores rural e habitacional tem uma taxa de juros muito baixa, em alguns casos negativa, e que esse custo é repassado aos outros tomadores. De fato há taxas subsidiadas, como a do setor rural, e já que não existe almoço grátis, a sociedade como um todo paga a conta. Mas isso não explica tão altas taxas.
Entre as várias distorções do mercado brasileiro está a concentração bancária.
Hoje, cinco bancos têm 80% dos depósitos. Enfim, esse assunto é complexo, e as soluções simples têm grande chance de estarem erradas e o risco de criarem mais desajustes adiante. A economia brasileira precisa ter spreads bancários parecidos com os do resto do mundo, mas o tema deveria ser tratado com menos emoção, e mais conhecimento técnico.
DEU EM O GLOBO
Os juros bancários no Brasil são indefensáveis e incompreensíveis. Mesmo assim, a intervenção do presidente da República no Banco do Brasil não é a melhor solução. O banco tem capital aberto e acionistas privados; o controlador pode, mas não deve, demitir o principal executivo do banco e mandar o substituto reduzir juros. Isso só explicita o problema de governança da instituição.
Essa gestão não era brilhante e, como todas as estatais do governo Lula, foi subserviente às determinações políticas do Executivo.
Em outra gestão, só para ficar no caso mais pitoresco, o banco foi usado até para comprar ingressos em show musical para arrecadar dinheiro para o partido do atual governo. Mas a decisão de ontem, e a maneira como foi feita, deixou claro que o governo usa as estatais, mesmo as de economia mista, como se fossem um braço do Executivo, sem respeito aos minoritários e às regras de mercado.
No caso de ontem, foi como se só um homem estivesse impedindo a queda dos juros. Se quisesse usar um dos bancos públicos para liderar um processo de competição para redução do spread bancário, o mais aconselhável seria usar a Caixa Econômica, que é 100% estatal, mas com o cuidado de garantir a solidez financeira da instituição.
Foi o que sugeriu ontem a Carta do Ibre, da Fundação Getúlio Vargas.
Os juros sempre foram altos no Brasil, os spreads bancários, altíssimos. Em parte porque o Brasil vem se curando, aos poucos, de longas e variadas enfermidades econômicas. Nos últimos dez anos, os juros da Selic ficaram, em termos reais, entre 9% e 13%, calcula o Ibre.
Mais recentemente, caíram para níveis inéditos, mas os juros bancários não acompanharam a mesma queda.
O altíssimo custo do dinheiro no Brasil é uma das travas da economia brasileira, mas a solução é mais complexa. Os bancos públicos já custaram muito ao contribuinte. Tanto Banco do Brasil quanto Caixa receberam, em anos recentes, capitalizações altíssimas do Tesouro com o dinheiro de todos nós. Depois disso, o sistema foi saneado e passou a adotar critérios mais transparentes de concessão de crédito, com a troca do critério político pelo técnico e pela criação de comitês de crédito.
O analista Luís Miguel Santacreu lembra que o banco vinha sendo blindado nos últimos anos e que a decisão de ontem reverte esse processo.
Ele argumenta também que, nos últimos anos, o governo poderia ter trabalhado para a redução do spread com medidas como a reforma tributária.
A decisão de reduzir o spread na lei ou na marra cria vários dilemas. A rentabilidade do banco pode cair e, neste caso, todos os acionistas receberão menos dividendos, entre eles o governo e a Previ, fundo de pensão dos funcionários. Se reduzir os juros muito abaixo dos de mercado, o BB vai atrair as empresas melhores.
Neste caso, mesmo que tenha um número bonito de redução do spread, estará concedendo crédito a quem já tem oferta no mercado. Os dados estarão mascarando a realidade. Se houver uma concessão de crédito dirigido a empresas que em outros bancos pagam taxas de risco muito altas, o BB estará assumindo um risco que acabará estourando na conta do acionista.
Passou o melhor momento para levar os bancos públicos a liderarem um processo de redução do spread através do acirramento da competição. Isso é mais fácil fazer no ciclo de alta.
Agora, quando aumenta a percepção de risco do mercado e há uma escassez de crédito, mesmo que os bancos públicos reduzam as taxas, podem não ser acompanhados pelos bancos privados, que vão competir apenas pelos clientes grandes e de baixo risco. Haverá uma superoferta de crédito para quem já tem crédito; e os que hoje têm dificuldade podem continuar enfrentando a mesma escassez.
Há divergência entre os bancos e o BC quando se faz a decomposição do spread no Brasil. No Banco Central, diz a Carta do Ibre, o spread é dividido assim: 37,4% seriam devidos à inadimplência, 13,5% do custo administrativo, 3,6% ao compulsório, 8,1% aos tributos e taxas, 10% aos impostos diretos e 27% de resíduo não explicado — que seriam o lucro do banco e os subsídios implícitos no crédito direcionado.
Numa entrevista que fiz recentemente com o presidente da Febraban, Fábio Barbosa, não encontrei resposta satisfatória para o fato de eles arbitrarem uma taxa de risco tão alta se a taxa de inadimplência ainda é baixa no Brasil. Um dos argumentos dele é que o crédito direcionado para os setores rural e habitacional tem uma taxa de juros muito baixa, em alguns casos negativa, e que esse custo é repassado aos outros tomadores. De fato há taxas subsidiadas, como a do setor rural, e já que não existe almoço grátis, a sociedade como um todo paga a conta. Mas isso não explica tão altas taxas.
Entre as várias distorções do mercado brasileiro está a concentração bancária.
Hoje, cinco bancos têm 80% dos depósitos. Enfim, esse assunto é complexo, e as soluções simples têm grande chance de estarem erradas e o risco de criarem mais desajustes adiante. A economia brasileira precisa ter spreads bancários parecidos com os do resto do mundo, mas o tema deveria ser tratado com menos emoção, e mais conhecimento técnico.
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