domingo, 5 de julho de 2009

Distração fatal

Alberto Dines
JORNAL DO COMMERCIO (PE)


Chamado "jogo dos reis", o xadrez é na realidade, o jogo da vida e da morte: aberturas brilhantes, avanços arrasadores, cercos tenazes podem ser inutilizados por um lance mínimo, desastrado e desastroso. Tal como na aventura existencial, o xeque-mate não representa o triunfo do ganhador, mas a asneira do perdedor. A história das guerras e a própria polemologia comprovam, a falibilidade dos eleitos pelo destino e, não, a sua infalibilidade.

O presidente Lula – tal como Getúlio Vargas no início de 1945 – parecia imbatível.

Tudo conspirava a seu favor: soube manter os fundamentos econômicos do antecessor, aproveitou brilhantemente as oportunidades conjunturais, converteu os altos índices de popularidade em ativos eleitorais, deixou a oposição consumir-se nas incertezas, conseguiu passar incólume e lampeiro ao largo da maior onda de escândalos desde o fim do regime militar, contrabalançou a vocação populista com algumas jogadas sérias no âmbito mundial, reprimiu as tentações continuistas e parecia pronto para coroar com a ajuda do PMDB, em 1º de Janeiro de 2011, uma sucessora preparada com esmero.

Quando tudo corre maravilhosamente bem, a pequena falha pode ser fatal. No início da reta final, quando começa a aceleração, é que a lata de lixo torna-se mais necessária. Nestes breves e cruciais momentos é preciso distinguir o que é indispensável do que pode ser abandonado. O presidente Lula imaginou que o PT seria facilmente controlado quando no início do ano escolheu Sarney para novamente presidir o Senado. Imaginou que os embates entre a guerrilha do derrotado Tião Viana (PT-AC) e a tropa de choque de Sarney (PMDB-AP) seriam facilmente superados. Não foram: o funcionalismo do Senado dividiu-se irremediavelmente e a onda de denúncias contra Sarney ganhou dimensões incontroláveis. Lá dos confins do Cazaquistão o presidente Lula tentou ajudar o aliado colocando a imprensa como culpada. O gesto galante era esperado, noblesse oblige, ao parceiro cumpre oferecer algum salva-vidas. Inesperada e impensada foi a overdose de solidariedade. Em seguida, no início desta semana e novamente no exterior, agora abraçado ao "irmão" líbio, Muamar Kadafi –o déspota mais cínico do planeta –, o presidente Lula pisoteou as posições assumidas publicamente pelos senadores petistas liderados por Aloísio Mercadante e determinou apoio irrestrito à permanência de José Sarney na chefia do Senado e do Legislativo.

No mesmo momento em que Mercadante afirmava na TV que os senadores petistas tinham compromissos com seus eleitores e com a sociedade (dando a entender que se juntariam aos demais partidos para exigir o afastamento de Sarney), o chefão determinava o contrário.

Em Setembro de 2006, antes da reeleição, o presidente Lula incluiu indiretamente o senador Mercadante no bloco dos "aloprados" que prepararam o Dossiê Vedoin. Quase três anos depois, numa confortável pole position, o próprio Lula parece desatinado ao desfazer-se do petismo e sua bagagem reformista e ética para, em seu lugar, lançar no mercado partidário o lulismo, mix de oportunismo, real politik e inconsequência.

Esta aposta cega na invencibilidade do partido de Sarney denota uma leitura simplista do quadro político. O PMDB nunca foi e jamais poderá ser considerado como uma força política coesa. Criatura do regime militar, é exemplo clássico de entulho autoritário, hoje convertido no partido dos sem-partido, federação de apetites. Michel Temer, seu presidente, só consegue eleger-se deputado, Sarney, vice-rei do Brasil, domina um Maranhão fatalmente dividido: obtém unanimidade apenas no Amapá, onde jamais residiu e operou. O PMDB só existe na hora do butim para encher a pança e os bolsos dos coronéis.

Ao agarrar-se ao destroçado Sarney e desvencilhar-se do PT histórico, o político Lula da Silva cometeu a tal distração fatal. Condenou-se a passar as próximas semanas e meses esgoelando-se diariamente nos palanques em defesa de um político irremediavelmente desmoralizado e o que lhe resta de sinceridade logo estará confundida com desfaçatez e hipocrisia. Sua candidata terá que pelejar sozinha, a não ser que prefira aventurar-se pelo lodaçal.

O jogo dos reis, como todos, é imponderável. Auxiliar imprescindível é a noção clara, constante, de que pode ser perdido a qualquer momento.

» Alberto Dines é jornalista

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