Por mais que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diga o contrário, o PT está novamente em crise e deve perder quadros, a exemplo do que sucedeu na aprovação da reforma da Previdência, gênese do PSOL, e o mensalão. O racha era esperado para depois das eleições de 2010, mas alguns petistas podem se antecipar e sair até 3 de outubro, o prazo legal de filiação para quem vai disputar as eleições do próximo ano.
A insatisfação ocorre em todos os níveis. Desde a cúpula, como demonstrou o desligamento da senadora Marina Silva, um ícone do partido, e do senador Flávio Arns, ao devotado militante de uma comunidade eclesial de base, da Igreja Católica, uma das parte do tripé que moldou o caráter do PT, ao lado de sindicalistas e intelectuais de esquerda.
Os sindicalistas foram os que mais rapidamente se amoldaram ao perfil desse novo PT, uma máquina de fazer votos, profissional e pragmática. Intelectuais e artistas retesaram os músculos no mensalão. Na reeleição, em jantar no Rio de Janeiro, reclamaram com Lula que não foram ouvidos sobre a política cultural do primeiro mandato e que o presidente só os procurava em épocas de eleição.
A queixas da Igreja Católica vão além dos desvios éticos, apontados a partir de 2005, e de políticas agrárias assumidas pelo PT. Há também o conflito religioso. Petistas católicos não engolem o apoio que o governo Lula deu aos meios de comunicação da Igreja Universal. Sem esquecer que o vice-presidente da República, José Alencar, é do PRB, partido com vínculos com a igreja do bispo Edir Macedo.
Os tempos de camaradagem e companheirismo passaram, deles falam apenas os mais saudosistas. Prova disso é que Lula nem sequer telefonou para Marina, depois que a senadora saiu do governo. Nada impedia Lula de ter chamado Marina e dizer que, apesar de sua saída do ministério, gostaria que ela elaborasse o programa ambiental de um eventual governo Dilma. Ninguém do PT - nem Lula - falou nada com Marina.
O distanciamento já estava explicitado desde abril quando, em vista ao Acre, Lula fez um comentário que todos entenderam como uma citação indireta e deselegante à ex-ministra, ao se referir a construção de um túnel no Rio Grande do Sul.
"Esse túnel tem mil e poucos metros, e encontraram ao seu lado uma perereca (...).Pois bem, e aí resolveram fazer um estudo para saber se aquela perereca estava em extinção (...).Sabem quantos meses demorou para descobrir que a perereca não estava em extinção? Sete meses, a obra parada".
O fato é que Lula e o PT só se lembraram de Marina quando circulou que ela poderia trocar de partido e ser candidata a presidente, candidatura que só atrapalha os planos de Lula para 2010.
Em maior ou menor grau, todas as facções do PT sentem-se de alguma forma abandonadas por Lula. Exceção são os movimentos sociais mais bem aquinhoados pelo Tesouro. A própria candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) a presidente foi imposta por Lula ao partido, e o compromisso petista com ela será maior ou menor de acordo com o seu desempenho nas pesquisas - no Planalto afirma-se que, se Dilma chegar a 20% em dezembro, já será um índice muito bom. Pode ser, mas no PT esperava-se que ela já tivesse ultrapassado essa barreira.
Numa época em que Brasília costuma ser castigada por uma seca implacável, choveu neste final de agosto em que a crise do Senado é só a última das más notícias para o PT. Dobrado pelo Palácio do Planalto, o partido ajudou a salvar o mandato do presidente do Senado, José Sarney. Mas o líder Aloizio Mercadante não renunciou ao mandato, como prometera fazer em discurso no Senado.
Não renunciou e ainda exibiu uma carta em que Lula dizia ser imprescindível que ele ficasse. Um trecho da carta chamou a atenção para a autoria: "Mercadante, estamos juntos há 30 anos travando as lutas que interessam ao povo brasileiro e mudando a história do País". Os petistas mais antigos estranharam: trata-se de um bordão que Mercadante costuma repetir em discursos.
De resto, os "saudosistas" do PT não têm reparos à carta. De fato, as histórias de Lula e Mercadante se entrelaçaram nesses 30 anos. Exemplos: Mercadante foi candidato a vice de Lula na eleição de 1998. E na eleição de 2006 seu comitê de campanha e o do presidente compuseram o "bando de aloprados", como Lula definiu os petistas que tentaram comprar um dossiê contra tucanos.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
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