Quando o Brasil ficou rico, com a exportação do açúcar, não havia modo de debater o destino dos recursos que chegavam. Éramos uma mera colônia, e a ideia do progresso econômico não tinha sido criada.
Quando começou a exploração do ouro, o Brasil da mesma forma ainda era uma colônia escravocrata, e o ouro não nos serviu.
A renda do ouro partia de Minas Gerais para Lisboa, e daí para cidades inglesas, para atender ao luxo e ao desperdício dos ricos portugueses, servindo ao progresso industrial da Inglaterra. Em vez de investir nas novas máquinas que surgiam — os teares mecânicos —, Portugal comprava o tecido inglês, abrindo mão de ser um país industrial. Contribuiu para isso o fato de que os inventores eram ingleses, e Portugal não tinha nem capacidade científica e tecnológica nem educação para se industrializar.
Naquele tempo, nem portugueses nem brasileiros tinham como entender a lógica do processo de desenvolvimento, nem eram capazes de projetar o futuro.
Quando Getúlio, e depois Juscelino, iniciaram o processo de desenvolvimento econômico, já existia o desejo de progresso e também o conhecimento para induzir o desenvolvimento.
O que nós ainda não sabíamos era que, ao lado das boas coisas, o progresso carregava concentração de renda, violência, aquecimento global, poluição, degradação urbana, inflação, endividamento, dependência, corporativismo e outros efeitos negativos. Foram necessários 50 anos de desenvolvimento contínuo para descobrirmos que existem o progresso bom e o mau.
Agora, quando surge a possibilidade de explorarmos as novas reservas de petróleo na camada do pré-sal, já temos conhecimento para imaginarmos o futuro e temos experiência suficiente para sabermos que o progresso precisa ser orientado.
Em seu discurso, na noite do Sete de Setembro, o presidente Lula pediu à população que pressionasse o Congresso a aprovar com rapidez os projetos de lei que vão possibilitar os recursos para explorar o pré-sal e definir o uso dos resultados obtidos com ele.
Mas ele se esqueceu de pedir ao povo — estudantes, professores, empresários, donas de casa — que organize um debate sobre qual progresso deseja para o futuro do Brasil: se mantemos nossa aceleração no rumo do mau progresso ou se marchamos para um bom progresso que nos traga distribuição de renda, economia do conhecimento, equilíbrio ecológico, paz nas ruas e no campo, ética na política.
Só então, depois de ter escolhido o padrão de progresso para o futuro, a população deve responder às perguntas sobre o pré-sal: de fato ele existe nas dimensões apresentadas?
Quais são as perspectivas para o preço do petróleo no futuro, diante da certeza de substituição do combustível fóssil por combustível limpo? Quais são os efeitos da queima dessas reservas de petróleo sobre o clima? Como a economia do petróleo disputará com a economia do etanol? E se tudo der certo, o que faremos com os recursos obtidos? Sobretudo, o povo deve debater as trágicas consequências de esperarmos pelos resultados do “pré-sal”, em vez de investirmos, desde já, em educação, saúde, segurança, defesa, ciência e tecnologia, com os recursos de que o Brasil já dispõe.
Outros países mais pobres, sem petróleo, já fizeram suas revoluções.
Talvez exatamente por não terem recursos naturais abundantes, açúcar, ouro ou petróleo, tiveram de desenvolver suas capacidades científicas e tecnológicas, educar o povo, promover a maior de todas as energias de um povo: os cérebros de seus habitantes.
Nós fizemos o contrário: o ouro, o ferro, o açúcar, o café adiaram nossa indústria mecânica até a metade do século XX. E agora, com o petróleo, quando chegou a hora de reorientar o destino do progresso, o Brasil corre o risco de usar essa nova riqueza para não mudar de rumo.
Podemos perdoar as gerações do passado, mas não seremos perdoados pelas futuras gerações, porque já sabemos o que é o progresso e porque já conhecemos suas consequências, boas e más.
Temos a obrigação de fazer mais do que progresso. Temos de fazer o progresso do progresso.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).
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