Os senadores eleitos e os senadores de garupa, que nunca viram a cor de um voto, conseguiram concluir a votação da reforma eleitoral, uma promessa de todas as campanhas, mas que sempre morre na praia como afogado de curto fôlego, com a única novidade da derrubada da censura na internet na cobertura da campanha – uma bobagem que deveria sufocar de vergonha os seus autores – e manteve a doação oculta a partidos e candidatos, que sempre foi contornada com os truques de aceitação consensual.
O remendo terá que passar pela Câmara até o fim do mês para vigorar nas eleições do próximo ano e deve ser aprovado sem emendas. Resta à Câmara a responsabilidade disciplinar a exigência do convite a 2/3 dos candidatos dos partidos com no mínimo 10 deputados.
O Congresso não pode desperdiçar mais esta oportunidade de pedir desculpas ao distinto público do despudor do escândalo da roubalheira no Senado com qualquer condescendência com a censura.
É de surpreendente bom senso o acordo, aprovado pelo Senado depois de longos debates, que regulamenta a substituição de governadores e prefeitos no caso de cassação dos titulares, determinando nova eleição direta em qualquer momento da vacância. De eleitos sem votos estamos saturados. Não bastassem os quase 21 anos da ditadura militar dos cinco generais-presidentes quando todo o repertório de falcatruas e de desprezo pelo voto popular foi esgotado em patuscas invencionices como os senadores biônicos, eleitos pelas assembleias legislativas, presidentes eleitos pelos comandos militares e impostos ao Congresso, devidamente advertido pelas cassações de mandatos para acertar a conta dos confiáveis.
Mas nem tudo está decidido. O relator da reforma na Câmara, deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), avisa que o entendimento na outra Casa do Congresso é que “a regulamentação sobre isso depende de mudança constitucional”. E que a Câmara de corrigir o engano do Senado.
Com mais ou menos emendas de tão tímida expressão, a reforma fica adiada para o Dia de São Nunca. Pois a crise do Congresso é ética, é moral, como o escândalo do Senado expôs com as mais escabrosas evidências. O nó que tem quer ser cortado, pelo visto na próxima crise ou na recaída de nova ditadura militar. O que a opinião pública não pode aceitar é a continuação cínica da farsa das mordomias, das vantagens e dos privilégios, gerados e multiplicados desde a mudança da capital do Rio para Brasília inacabada, em obras, em 21 de abril de 1960. Nada justifica que senadores e deputados, com apartamentos funcionais mobiliados à disposição, sejam mimados com passagens aéreas semanais, pagas pela Viúva, para o fim de semana de quatro dias úteis nas suas bases eleitorais. E a longa lista de mutretas de fazer inveja a um marajá, como a verba de gabinete para contratar assessores sem concurso, a verba para jornais, para compra de selos, os dois celulares com as contas pagas.
A mamata é tão sedutora que carimba com a veracidade a nota da coluna do Ancelmo Gois, em O Globo. Animado com o sucesso do comício em Boa Vista, capital de Roraima, quando escapou da vaia dos fazendeiros e foi ovacionado por 15 mil pessoas favoráveis à solução à partilha de terras com os índios, o presidente Lula, de volta nas asas do Aerolula, fez um agrado a sua candidata, ministra Dilma Rousseff, prometendo tirar três meses de licença para correr o país fazendo comícios e garantir a sua eleição. E a inesperada revelação que “daqui a dois anos vou me candidatar a vereador por São Paulo”.
Brincadeira ou para valer, o mandato de vereador que deveria ser gratuito, um serviço à comunidade, chega a despertar a cobiça de um presidente da República ao fim de dois mandatos.
* Villas-Bôas Corrêa é repórter político do JB.
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