Ex-presidente chileno Ricardo Lagos diz que sistema político dos países da região exclui forasteiros das cúpulas partidárias
Há quase quatro anos longe do poder, o ex-presidente do Chile Ricardo Lagos (2000-2006), um dos dirigentes políticos mais populares e respeitados de seu país, acompanha com entusiasmo, mas também um pouco de preocupação, a campanha eleitoral local — o primeiro turno será no dia 13 de dezembro. Apesar de reconhecer que a Concertação (aliança entre socialistas e democratas-cristãos que governa o país desde 1990) não resolveu da forma mais adequada sua candidatura presidencial ao escolher o ex-presidente Eduardo Frei, provocando a saída e posterior candidatura independente do socialista Marco Enríquez-Ominami, o ex-presidente, também socialista, assegura que a coalizão não está chegando ao fim. “Temos uma Concertação que, independentemente do resultado eleitoral, deverá repensar-se. A grande questão é saber se será a mesma ou será diferente”, admitiu Lagos ao GLOBO, durante uma rápida visita à capital argentina para participar do Foro Ibero-Americano.
Janaína Figueiredo Correspondente BUENOS AIRES
O GLOBO: Durante o foro foi discutida a situação dos países da região?
RICARDO LAGOS: Debatemos sobre a importância de defender a institucionalidade dos partidos políticos, os mecanismos de designação de candidatos.Também falamos sobre como estabelecer mecanismos para que realmente exista um equilíbrio de poderes, e que isso não seja motivo de debate. Por último, também conversamos sobre os sistemas de participação da sociedade civil. São elementos centrais para ajudar na renovação de nossos dirigentes. Se não existisse o primeiro destes elementos, não existiria o senhor (Barack) Obama nos Estados Unidos. Em nossos países, de fato, não existe espaço para um Obama porque se você não está na cúpula partidária fica de fora. Obama é um forasteiro da cúpula partidária. O caso chileno é típico.
O senhor está se referindo ao fenômeno Ominami?
LAGOS: Acho que o assunto (Ominami) foi mal administrado politicamente.
O prejuízo foi grande para a Concertação, porque a candidatura de Ominami atrapalhou a de Frei...
LAGOS: Claro, finalmente (a candidatura de Ominami) terminou sendo a expressão de uma cidadania que está dizendo “não gostei de como este problema foi resolvido”. Não estou desmerecendo a candidatura de Enríquez-Ominami, simplesmente estou dizendo que ele foi um veículo através do qual as pessoas se expressaram. E este assunto não é debatido em nossos países, que deveriam entender que é necessário estabelecer mecanismos de renovação de nossos dirigentes.
Venezuela, Bolívia ou Argentina vão entender?
LAGOS: São países nos quais a liderança do Executivo é muito forte e não se pensa no momento em que essas lideranças deixem de existir. Mas também é importante destacar que em todos os nossos países foi respeitada a sucessão presidencial. Eu (durante meu mandato) cheguei a conversar com seis presidentes bolivianos, o último era o presidente da Corte Suprema. Existe uma institucionalidade modesta, neste sentido, que nos obriga a avançar um pouco mais.
Sua decisão de não aceitar uma nova candidatura presidencial é um exemplo?
LAGOS: Sim, recebi propostas e disse que de forma alguma aceitaria.
Em fevereiro, o governo venezuelano organizou um referendo sobre a proposta chavista de reeleição indefinida...
LAGOS: Isso é o que, a longo prazo, faz com que alguns países sejam pouco previsíveis. Alguns países estão mais avançados e outros, atrasados. Alguns países consideram que o problema de suas lideranças está resolvido por um bom tempo, outros consideramos que as lideranças devem ser renovadas a cada cinco ou seis anos. São estilos.
O fenômeno Ominami representa o fim da Concertação?
LAGOS: Não, de forma alguma. A Concertação foi muito bem sucedida durante 20 anos e transformou o país. Há 20 anos a pobreza era de 40%, e hoje caiu para 13%. Não podemos nos esquecer desses 13%, mas temos de ouvir os 25% que superaram a pobreza e hoje têm novas demandas. Um país com mais liberdades, com novos conceitos de família tradicional. Sofremos uma mudança cultural muito importante. A eleição de Michelle Bachelet foi uma grande mudança, e agora as demandas do país são diferentes. Por isso temos uma Concertação que, independentemente do resultado eleitoral, deverá repensar-se. A grande questão é saber se será a mesma ou será diferente. Mas a Concertação não está esgotada. Depois de passar da ditadura à democracia, agora temos de enfrentar uma nova transição.
A Concertação continuaria de pé mesmo com uma eventual vitória de (Sebastián) Piñera (candidato da direita)?
LAGOS: Não termina, deverá transformar-se.
O senhor deixou o governo com 70% de popularidade, mas a eleição de Bachelet foi complicada. Hoje, a presidente tem uma imagem positiva também muito alta, mas a direita tem grandes chances de vencer. O problema é a Concertação?
LAGOS: É complexo. A Concertação são dois partidos políticos e sempre a avaliação do governo é melhor do que a dos partidos políticos.
O segundo turno será entre Piñera e Frei ou Piñera e Ominami?
LAGOS: Tudo indica que será entre Piñera e Frei.
Seu coração não está nem um pouquinho do lado de Ominami?
LAGOS: (risos) Os corações devem estar em função de um projeto político. E o projeto político é a Concertação.
LAGOS: Tudo indica que será entre Piñera e Frei.
Seu coração não está nem um pouquinho do lado de Ominami?
LAGOS: (risos) Os corações devem estar em função de um projeto político. E o projeto político é a Concertação.
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