Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Em 1992, Paulo César Cavalcanti Farias (1945-1996) pronunciou três devastadoras palavras na CPI encarregada de investigar denúncias de corrupção do governo Fernando Collor e inaugurou uma tese que na época provocou constrangimento, mas, de lá para cá, só fez ganhar adeptos.
"Somos todos hipócritas", decretou ele em alto e bom som na sala da CPI, ao ser questionado se a origem do dinheiro circulante no chamado "esquema PC" era o caixa 2 da campanha presidencial da qual ele havia sido tesoureiro três anos antes.
O plenário silenciou, impactado ante o argumento que buscava fazer de todos ali, deputados e senadores, cúmplices tácitos de práticas usualmente adotadas, mas jamais confessadas.
O ex-tesoureiro não conseguiu se safar, mas alcançou o objetivo imediato de nivelar por baixo todos os que ali estavam.
Não houve reação à altura na ocasião. Tampouco houve correção de procedimentos nestes 15 anos que separam o Brasil que enxergou no impeachment de um presidente por corrupção a elevação de patamar da democracia brasileira do País que vê o presidente da República lançar mão daquele mesmo argumento para defender o direito do Congresso de transgredir impunemente. É possível que haja relação de causa e efeito entre uma coisa e outra. Se as palavras de PC Farias tivessem mexido com os brios dos políticos, a democracia poderia ter avançado de verdade e provavelmente hoje não se ouviria o presidente Luiz Inácio da Silva chamar de "hipocrisia" as críticas aos abusos do Congresso no uso dos benefícios públicos - no caso, passagens aéreas - para fins de natureza privada.
O problema é que de lá para cá os critérios de conduta só fizeram afrouxar. E tornaram-se definitivamente elásticos quando o partido defensor da ética incorporou a frouxidão ao assumir o poder.
No dizer que Lula, "somos todos hipócritas" ao exigir dos congressistas e de todos os detentores de função pública, com mandato ou não, um mínimo de respeito à probidade.
O presidente poderia ter arrumado outro modo - menos agressivo à opinião corrente entre o público pagante - para mostrar seu apreço ao Congresso, mas escolheu fazê-lo em afronta à luta pela melhoria dos costumes.
Poderia ter sido um incidente, não tivesse ele sido reincidente. E aqui a referência não é apenas à notória defesa do uso do caixa 2 em campanhas eleitorais como algo já incorporado à vida política nacional.
Nestes anos de governo por mais de uma vez o presidente já considerou "hipócritas" as restrições impostas às ações dos governantes no uso da máquina pública em períodos próximos a eleições.
O político Luiz Inácio pode pensar como quiser, mas o presidente Lula tem o dever de só dizer o que possa contribuir para melhorar o País. No caso das passagens, antes tivesse feito suas as palavras do advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, em entrevista à Veja desta semana.
"Quem exerce função pública só pode gastar dinheiro público no interesse público. É preciso acabar com esse costume de passar a mão na cabeça dizendo que o erro foi pequeno, que coisa de mil reais, que foi só uma passagem aérea. Mesmo o erro pequeno precisa de punição."
Aos césares
Fala-se pouco ou quase nada a respeito, mas era o PSDB, na figura do hoje governador de Minas Gerais Aécio Neves, quem presidia a Câmara quando foram instituídas duas normas cujas consequências agora se paga: a verba indenizatória e o sistema pelo qual as medidas provisórias interditam a pauta de votações do Legislativo.
Ambas as ideias visavam na época a resolver problemas aparentemente incontornáveis. A verba entrou em cena no lugar do aumento de salários - reivindicado pelos parlamentares e repudiado pela opinião pública.
A sistemática das MPs mudou imaginando-se que, assim, o Congresso teria o maior interesse em apressar as votações, pois até então deixava as medidas provisórias ao sabor de infinitas reedições por parte do Executivo.
A mudança foi intensamente negociada com os líderes e o Palácio do Planalto, onde dava expediente Fernando Henrique Cardoso. Olhando da perspectiva de hoje, a dúvida é se houve erro de cálculo ou se foi tudo muito bem calculado para aumentar o poder do Executivo sobre a agenda do Legislativo.
Qualquer que tenha sido o tropeço do passado, fato é que o PSDB não dá um passo para corrigir a situação, o que levanta a suspeita de que pretende manter tudo como está na esperança de voltar ao poder sem perder a prerrogativa de também extrapolar.
Na campanha eleitoral esta será uma questão sobre a qual os candidatos terão de ter uma posição clara. Se disserem que o "problema é do Congresso", estarão dizendo também que não investirão um pingo de suas energias para alterar as relações entre Legislativo e Executivo e que o reequilíbrio entre os Poderes está - e continuará - fora das respectivas agendas.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Em 1992, Paulo César Cavalcanti Farias (1945-1996) pronunciou três devastadoras palavras na CPI encarregada de investigar denúncias de corrupção do governo Fernando Collor e inaugurou uma tese que na época provocou constrangimento, mas, de lá para cá, só fez ganhar adeptos.
"Somos todos hipócritas", decretou ele em alto e bom som na sala da CPI, ao ser questionado se a origem do dinheiro circulante no chamado "esquema PC" era o caixa 2 da campanha presidencial da qual ele havia sido tesoureiro três anos antes.
O plenário silenciou, impactado ante o argumento que buscava fazer de todos ali, deputados e senadores, cúmplices tácitos de práticas usualmente adotadas, mas jamais confessadas.
O ex-tesoureiro não conseguiu se safar, mas alcançou o objetivo imediato de nivelar por baixo todos os que ali estavam.
Não houve reação à altura na ocasião. Tampouco houve correção de procedimentos nestes 15 anos que separam o Brasil que enxergou no impeachment de um presidente por corrupção a elevação de patamar da democracia brasileira do País que vê o presidente da República lançar mão daquele mesmo argumento para defender o direito do Congresso de transgredir impunemente. É possível que haja relação de causa e efeito entre uma coisa e outra. Se as palavras de PC Farias tivessem mexido com os brios dos políticos, a democracia poderia ter avançado de verdade e provavelmente hoje não se ouviria o presidente Luiz Inácio da Silva chamar de "hipocrisia" as críticas aos abusos do Congresso no uso dos benefícios públicos - no caso, passagens aéreas - para fins de natureza privada.
O problema é que de lá para cá os critérios de conduta só fizeram afrouxar. E tornaram-se definitivamente elásticos quando o partido defensor da ética incorporou a frouxidão ao assumir o poder.
No dizer que Lula, "somos todos hipócritas" ao exigir dos congressistas e de todos os detentores de função pública, com mandato ou não, um mínimo de respeito à probidade.
O presidente poderia ter arrumado outro modo - menos agressivo à opinião corrente entre o público pagante - para mostrar seu apreço ao Congresso, mas escolheu fazê-lo em afronta à luta pela melhoria dos costumes.
Poderia ter sido um incidente, não tivesse ele sido reincidente. E aqui a referência não é apenas à notória defesa do uso do caixa 2 em campanhas eleitorais como algo já incorporado à vida política nacional.
Nestes anos de governo por mais de uma vez o presidente já considerou "hipócritas" as restrições impostas às ações dos governantes no uso da máquina pública em períodos próximos a eleições.
O político Luiz Inácio pode pensar como quiser, mas o presidente Lula tem o dever de só dizer o que possa contribuir para melhorar o País. No caso das passagens, antes tivesse feito suas as palavras do advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, em entrevista à Veja desta semana.
"Quem exerce função pública só pode gastar dinheiro público no interesse público. É preciso acabar com esse costume de passar a mão na cabeça dizendo que o erro foi pequeno, que coisa de mil reais, que foi só uma passagem aérea. Mesmo o erro pequeno precisa de punição."
Aos césares
Fala-se pouco ou quase nada a respeito, mas era o PSDB, na figura do hoje governador de Minas Gerais Aécio Neves, quem presidia a Câmara quando foram instituídas duas normas cujas consequências agora se paga: a verba indenizatória e o sistema pelo qual as medidas provisórias interditam a pauta de votações do Legislativo.
Ambas as ideias visavam na época a resolver problemas aparentemente incontornáveis. A verba entrou em cena no lugar do aumento de salários - reivindicado pelos parlamentares e repudiado pela opinião pública.
A sistemática das MPs mudou imaginando-se que, assim, o Congresso teria o maior interesse em apressar as votações, pois até então deixava as medidas provisórias ao sabor de infinitas reedições por parte do Executivo.
A mudança foi intensamente negociada com os líderes e o Palácio do Planalto, onde dava expediente Fernando Henrique Cardoso. Olhando da perspectiva de hoje, a dúvida é se houve erro de cálculo ou se foi tudo muito bem calculado para aumentar o poder do Executivo sobre a agenda do Legislativo.
Qualquer que tenha sido o tropeço do passado, fato é que o PSDB não dá um passo para corrigir a situação, o que levanta a suspeita de que pretende manter tudo como está na esperança de voltar ao poder sem perder a prerrogativa de também extrapolar.
Na campanha eleitoral esta será uma questão sobre a qual os candidatos terão de ter uma posição clara. Se disserem que o "problema é do Congresso", estarão dizendo também que não investirão um pingo de suas energias para alterar as relações entre Legislativo e Executivo e que o reequilíbrio entre os Poderes está - e continuará - fora das respectivas agendas.
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