quinta-feira, 11 de março de 2010

Lula é alvo de críticas por defesa de prisões em Cuba

DEU EM O GLOBO

Declarações de presidente revoltam dirigentes de entidades como Anistia Internacional, Human Rights Watch, OAB e Tortura Nunca Mais

Christine Lages, Luisa Guedes e Sabrina Valle RIO, SÃO PAULO e BRASÍLIA

As declarações de Luiz Inácio Lula da Silva durante uma entrevista na de terça-feira receberam uma enxurrada de críticas ontem, num momento em que o governo brasileiro luta para manter a liderança na América Latina. De forma contundente, o presidente defendeu o respeito às decisões da Justiça cubana em relação aos presos políticos que entraram em greve de fome na ilha, e acabou comparando os dissidentes a bandidos comuns de São Paulo. As palavras de Lula indignaram dirigentes de entidades de defesa dos direitos humanos e a Ordem dos Advogados (OAB), consultados pelo GLOBO, além de ter provocado a revolta de diversos dissidentes cubanos.

Eu penso que a greve de fome não pode ser utilizada como pretexto de direitos humanos para libertar pessoas.

Imagina se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade declarou Lula à agência de notícias Associated Press, na terça-feira.

Temos que respeitar a determinação da Justiça e do governo cubano, de deter as pessoas em função da legislação de Cuba, como quero que respeitem ao Brasil.

Pesquisador da Human Rights Watch (HRW), Nik Steinberg acredita que o silêncio das autoridades pode aliviar as pressões sobre o regime castrista e dificultar a mudança de posicionamento das autoridades cubanas em relação aos dissidentes da ilha.

Acredito que qualquer país que falhe em criticar a repressão a direitos civis e políticos não está fazendo pressão sobre Cuba. O silêncio diante destes abusos ou a comparação entre presos políticos e bandidos não vai exercer pressão sobre o governo cubano para mudar essa realidade.


AI: julgamentos desrespeitados

Para Steinberg, que passou duas semanas em Cuba no ano passado para elaborar um relatório, a comparação feita por Lula durante a entrevista foi infeliz e desanimadora para os que lutam pelo fim do isolamento de Cuba.

É muito decepcionante que o presidente Lula tenha comparado esses presos políticos a bandidos. Nós estamos falando de pessoas que foram impedidas de exercer seus direitos básicos de se expressar.

A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecilia Coimbra, classificou a posição de Lula como extremamente infeliz, e afirmou que o presidente se contradiz ao defender o governo cubano ao mesmo tempo em que prega a política de não intervenção e respeito às decisões de outros países.

Quando ele critica a greve de fome (como instrumento político) e defende as decisões do governo cubano sobre o assunto ele está, sim, se metendo.

Está defendendo um país que está longe de ser uma democracia e um governo que precisa ser questionado afirmou, lembrando que, durante a ditadura brasileira, os desaparecidos políticos também eram chamados de bandidos.

Já o diretor para a América Latina da Anistia Internacional, Javier Zuñiga, criticou o sistema judicial cubano, justificando a greve de fome dos dissidentes, ameaçados pelo descaso às suas condições físicas.

Nós não somos a favor ou contra a greve de fome. Infelizmente o sistema judicial cubano não é independente.

Os julgamentos de dissidentes não são respeitados e esse é um dos maiores problemas naquele país.

Ele também criticou a postura de Lula em relação aos dissidentes, afirmando que a Anistia Internacional entrará em contato com o governo para informá-lo sobre a situação dos presos de consciência na ilha: Nós acreditamos que Lula tem informações equivocadas e estamos prontos para informá-lo sobre os prisioneiros.

Temos documentos que mostram os motivos pelos quais essas pessoas estão presas e o que acreditamos ser um prisioneiro de consciência.

Após ler a entrevista de Lula, o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou que o regime castrista é repudiado pela sociedade brasileira. A comparação é despropositada, pois tenta banalizar um recurso extremo (a greve de fome) que é, ao mesmo tempo, um símbolo de resistência a um regime autoritário que não admite contestações, disse ele, em nota. Para Cavalcante, mais razoável seria se o governo brasileiro se preocupasse com as péssimas condições carcerárias a que estão submetidos. O fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, Jair Kirschke, afirmou que comportamento de Lula em relação aos direitos humanos ao longo de seu governo foi desastroso e criticou a posição do presidente.

Lula, ou quem o assessora, não teve cautela. É uma declaração absurda.

Não há nenhuma razão de Estado forte o suficiente para justificar qualquer tipo de violação aos direitos humanos disse Kirschke. Ditadura é ditadura, não importa se de esquerda ou direita. Temos o dever de denunciar.

E no caso de Lula, ele não só não denunciou, como tentou justificar o injustificável declarou.

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