DEU NO JORNAL DO BRASIL
RIO - Na conjuntura eleitoral, que se abre com a definição das candidaturas para a Presidência da República, começa a emergir com grande força a discussão sobre o papel do Estado. A exposição do tema certamente crescerá na medida em que a campanha eleitoral avance, tornando-se assim uma questão central nas opções que cabem à cidadania fazer pelo seu decisivo voto em outubro próximo. Este não é, obviamente, um debate novo. Mas estará bem colocado, de modo a favorecer a quem, em última instância, mais poderia beneficiar-se dele, ou seja, o cidadão-eleitor?
Encarada de modo leviano (como muitas vezes o é), a disputa de ideias parece dicotômica: maior ou menor presença do Estado na economia e na vida das pessoas. Em si mesma, porém e assim resumida a controvérsia pouco diz do que realmente está em jogo, pois o Estado nunca foi, não é e nunca será um mero aparato institucional neutro, como se pairasse acima de diferenças, oposições e conflitos que configuram o viver humano em sociedade. Reduzir a questão a mais ou menos Estado é uma forma de encobrir o verdadeiro sentido da existência e atuação do poder estatal no contexto de diferentes correlações de forças políticas. O que importa realmente é a quem ele serve e como o faz.
O que observamos, aqui, é que o Estado brasileiro é, nos momentos cruciais, capturado por interesses privados vários. Temos hoje um Estado que é, em linhas gerais, benéfico aos grandes e privados negócios, em diferentes níveis. O que vem acontecendo no Brasil, com a concessão e a privatização (levada a cabo em passado recente) de importantes setores de evidente interesse público como energia, transporte e comunicações , e apenas para focarmos em uma faceta bastante visível do problema, fala por si. O que até ontem parecia um sucesso começa a mostrar a falta total de responsabilidade pública na condução dos negócios. Sob muitos aspectos a privatização feita está se revelando um fracasso: metrô e trem não funcionam, falta energia elétrica até com nuvem no horizonte, telefones temos de montão mas passamos horas reclamando do serviço. A democratização de fato do acesso a bens e serviços ainda precisa ser feita, e isto, em algum grau, passará pela ação estatal via revisão de processos, regulação efetiva e amplo debate transparente na hora de renovar (ou não) concessões, por exemplo.
Nunca podemos esquecer, nós brasileiros e brasileiras, que somos uma invenção fruto da invasão e ocupação colonial, que praticamente destruiu tudo o que encontrou como organização humana por aqui. A invenção do Brasil apaga o passado pré-colonial e constrói uma economia e uma sociedade a partir do Estado. Trazendo a questão para um plano mais atual, o Brasil de hoje é, em grande parte, uma obra de Estado desde os anos JK (Plano de Metas, na década de 1950), passando pelo período ditatorial (marcado pela intervenção autoritária na economia), até os tempos atuais, quando capitais estatais em áreas diversas são empuxes importantes para o desenvolvimento do país.
Mas sejamos claros neste ponto. Não necessariamente ser estatal significa ser democrático, nem mesmo público. Para ser público e democrático o Estado dever servir ao interesse público e ser aberto à divergência, à disputa, ao conflito e capaz de transformá-los em força de construção ao invés de destruição. Esta é uma tarefa de cidadania, materializada no Estado como correlação de forças e pactos de governança. Num Estado democrático predominam o interesse e o espaço público ao privado. O verdadeiro debate, portanto, não é o maior ou menor Estado, mas quanto de cidadania o move. Ou submetemos e transformamos o Estado de acordo com as regras da cidadania e da democracia ou ele continuará sendo gerenciado de modo a favorecer, no fim da linha, interesses privados do negócio. Acredito ser esta uma ótima agenda para 2010.
Cândido Grzybowski é sociólogo e diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
RIO - Na conjuntura eleitoral, que se abre com a definição das candidaturas para a Presidência da República, começa a emergir com grande força a discussão sobre o papel do Estado. A exposição do tema certamente crescerá na medida em que a campanha eleitoral avance, tornando-se assim uma questão central nas opções que cabem à cidadania fazer pelo seu decisivo voto em outubro próximo. Este não é, obviamente, um debate novo. Mas estará bem colocado, de modo a favorecer a quem, em última instância, mais poderia beneficiar-se dele, ou seja, o cidadão-eleitor?
Encarada de modo leviano (como muitas vezes o é), a disputa de ideias parece dicotômica: maior ou menor presença do Estado na economia e na vida das pessoas. Em si mesma, porém e assim resumida a controvérsia pouco diz do que realmente está em jogo, pois o Estado nunca foi, não é e nunca será um mero aparato institucional neutro, como se pairasse acima de diferenças, oposições e conflitos que configuram o viver humano em sociedade. Reduzir a questão a mais ou menos Estado é uma forma de encobrir o verdadeiro sentido da existência e atuação do poder estatal no contexto de diferentes correlações de forças políticas. O que importa realmente é a quem ele serve e como o faz.
O que observamos, aqui, é que o Estado brasileiro é, nos momentos cruciais, capturado por interesses privados vários. Temos hoje um Estado que é, em linhas gerais, benéfico aos grandes e privados negócios, em diferentes níveis. O que vem acontecendo no Brasil, com a concessão e a privatização (levada a cabo em passado recente) de importantes setores de evidente interesse público como energia, transporte e comunicações , e apenas para focarmos em uma faceta bastante visível do problema, fala por si. O que até ontem parecia um sucesso começa a mostrar a falta total de responsabilidade pública na condução dos negócios. Sob muitos aspectos a privatização feita está se revelando um fracasso: metrô e trem não funcionam, falta energia elétrica até com nuvem no horizonte, telefones temos de montão mas passamos horas reclamando do serviço. A democratização de fato do acesso a bens e serviços ainda precisa ser feita, e isto, em algum grau, passará pela ação estatal via revisão de processos, regulação efetiva e amplo debate transparente na hora de renovar (ou não) concessões, por exemplo.
Nunca podemos esquecer, nós brasileiros e brasileiras, que somos uma invenção fruto da invasão e ocupação colonial, que praticamente destruiu tudo o que encontrou como organização humana por aqui. A invenção do Brasil apaga o passado pré-colonial e constrói uma economia e uma sociedade a partir do Estado. Trazendo a questão para um plano mais atual, o Brasil de hoje é, em grande parte, uma obra de Estado desde os anos JK (Plano de Metas, na década de 1950), passando pelo período ditatorial (marcado pela intervenção autoritária na economia), até os tempos atuais, quando capitais estatais em áreas diversas são empuxes importantes para o desenvolvimento do país.
Mas sejamos claros neste ponto. Não necessariamente ser estatal significa ser democrático, nem mesmo público. Para ser público e democrático o Estado dever servir ao interesse público e ser aberto à divergência, à disputa, ao conflito e capaz de transformá-los em força de construção ao invés de destruição. Esta é uma tarefa de cidadania, materializada no Estado como correlação de forças e pactos de governança. Num Estado democrático predominam o interesse e o espaço público ao privado. O verdadeiro debate, portanto, não é o maior ou menor Estado, mas quanto de cidadania o move. Ou submetemos e transformamos o Estado de acordo com as regras da cidadania e da democracia ou ele continuará sendo gerenciado de modo a favorecer, no fim da linha, interesses privados do negócio. Acredito ser esta uma ótima agenda para 2010.
Cândido Grzybowski é sociólogo e diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
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