segunda-feira, 19 de julho de 2010

Fome :: Graziela Melo



Pensando, pensando e pensando, nos tristes espaços vazios dos domingos longos, monótonos e solitários, recordei um episódio de minha longínqua infância: meio quilo de farinha.

Na carteira da Associação Pernambucana de Imprensa, do meu pai, ele estava registrado como "correspondente". Isso significava que apesar de escrever para dois jornais, não era remunerado.

Por outro lado, no Ministério da Saúde, onde trabalhava como extranumerário, quase todos os anos, as verbas caiam em "exercício findo". Muitos servidores passavam seis, sete a até dez meses sem receber salário. Dessa forma, era natural que a fome, pudesse sim, fazer parte da nossa rotina.

Comíamos as frutas do quintal, as frutas de estação colhidas na Mata Atlântica que encobria de verde a Ilha de Itamaracá e os peixes que se reproduziam no mar límpido e belo.

Num desses dias de fome, o único alimento que minha mãe tinha em casa para todos nós, era um quilo de farinha.

Logo de manhã, bate na porta um casal de retirantes fugido das secas do sertão, com caras famélicas, arrastando seis crianças raquíticas e sem forças até para chorar:

- dona, me dê uma coisa prá cumê!

E minha mãe, com a alma enternecida, pensou logo no único alimento que tinha em casa: um quilo de farinha!

- A senhora aceita farinha?

Aceito sim, dona! Carqué coisa serve!!!

E lá se foi meio, daquele único quilo!

E eu??? Digo, digo e repito: mãe, há muito que te foste. Mas até hoje sinto orgulho de tua alma!

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