domingo, 5 de dezembro de 2010

O guizo no pescoço :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A eleição presidencial mostrou que a oposição tem um nicho eleitoral de cerca de 40% desde 2002, quando foi derrotada pela primeira vez pelo PT. Um nível bem acima do que o PT sempre teve antes de se decidir a ampliar suas alianças para chegar ao poder. Até 2002, a esquerda não passava de 30% do eleitorado brasileiro.

Mas, para ampliar seu eleitorado a fim de fazer frente aos governos petistas, a oposição precisará, para início de conversa, aumentar sua penetração no Norte e no Nordeste do país, regiões que já foram dominadas por partidos conservadores como o PFL, atual DEM, e hoje são fontes inesgotáveis de votos para os petistas.

Mas precisará, sobretudo, unificar seu principal partido, o PSDB. Como se tem visto nas últimas três eleições, qualquer que seja o candidato a presidente, não tem chances de vencer se não ganhar em Minas.

Mas também não será eleito sem ter o apoio de São Paulo. E o PSDB, embora esteja no governo já há algum tempo nos dois maiores colégios eleitorais do país, não consegue se entender politicamente.

Pior: há em curso uma disputa regional que leva a que essa cisão partidária se transforme em um obstáculo quase insuperável para a organização de uma candidatura viável em 2014.

Terminada a eleição presidencial, ficou a sensação entre os tucanos paulistas de que a máquina do partido em Minas não funcionou como deveria, a mesma sensação que já ficara nas eleições de 2002 e 2006, quando Lula venceu Serra e Alckmin em Minas da mesma maneira que Dilma venceu Serra desta vez.

Na raiz dessa atuação, há a impressão de que o mote do principal líder tucano de Minas, Aécio Neves, de que existe uma paulistização da política dentro do PSDB nacional, criou em Minas um sentimento de rejeição aos candidatos a presidente vindos de São Paulo, como Serra e Alckmin.

De fato, a base da campanha de Aécio para candidato à Presidência da República era a defesa da importância política de Minas, que já estaria na hora de dar o candidato do partido depois que Fernando Henrique, Serra e Alckmin se candidataram, todos políticos paulistas.

E, depois da terceira derrota seguida, o diretório regional de Minas começa a reivindicar a liderança do processo de reorganização partidária, através de seu presidente, o deputado Nárcio Rodrigues.

A declaração dele de que, depois de tantos paulistas, "agora é a nossa vez", referindo-se à candidatura de Aécio Neves à Presidência em 2014, abriu uma guerra nos bastidores do partido.

Nem Aécio nem Serra dão declarações oficiais com queixas recíprocas; ao contrário, defendem a unidade partidária.

Mas, nos bastidores, rola um clima de tensão até que se definam as posições em que cada um vai jogar nos próximos anos.

Aécio, eleito senador, terá um papel de relevância no Congresso e já começou a mostrar suas habilidades de costurar alianças políticas congressuais tanto com o PMDB quanto com o PSB.

A unificação de ações políticas entre PSDB e PSB seria uma alternativa perfeita, com os tucanos dominando o Sul e o Sudeste, e o pessebistas atuando no Nordeste, se não fosse a resistência dos tucanos paulistas à aproximação com o partido de Ciro Gomes.

O PSDB paulista nega ser hegemônico, e cita que os quatro principais cargos partidários estão com tucanos de outras origens: o presidente, Sérgio Guerra, é pernambucano; o secretário-geral, Rodrigo Castro, é mineiro; o líder na Câmara, João Almeida, é baiano; e o líder do Senado, Arthur Virgílio, é amazonense.

O candidato à Presidência derrotado, José Serra, está começando a reorganizar sua vida pessoal, vai dar aulas e palestras para ganhar a vida, mas também sua atuação política.

Ele pretende continuar "no ativismo", como tem definido, e fazendo uma linha de oposição mais agressiva, como quando assumiu a presidência do PSDB em 2003, após derrota para Lula.

No discurso inaugural, ele classificou o PT de "bolchevismo sem utopias", ressaltando o lado patrimonialista da atuação petista.

Ele nega que tenha tentado se aproximar de Lula no início da campanha, quando expôs sua foto com o presidente no programa eleitoral, atribuindo a essa aparição uma importância muito menor do que seus próprios eleitores deram, negativamente.

Mas não parece inclinado a tentar voltar à presidência do partido, e também rejeita a ideia de que possa vir a se candidatar à prefeitura paulistana novamente.

Mas quem conversa com ele sai convencido de que aquelas palavras de despedida no discurso da noite da derrota - "A luta continua. Não é um adeus, é um até logo" - não são mera retórica de palanque.

O que criará um clima de enfrentamento com o senador Aécio Neves, tido como "a bola da vez" por seus correligionários.

Serra acha que a situação do governo Dilma se agravará com a crise da economia mundial e com o que considera desmandos dos últimos anos, com uma política de juros errada e gastos públicos descontrolados.

Ele vê nas recentes medidas de contenção de gastos adotadas pelo governo a confirmação do que dizia na campanha presidencial. E chama a atenção para a questão da segurança pública, que destacou como das maiores prioridades, a ponto de anunciar a criação de um ministério para cuidar do assunto, enquanto Dilma desqualificava a proposta, chegando a afirmar que nossas fronteiras eram bem protegidas.

Ele aguarda o reconhecimento de suas críticas e denúncias para se lançar novamente como um postulante viável à Presidência da República, e não vê caminho para Aécio no PSDB se insistir em jogar São Paulo contra o restante do país.

O dilema tucano é que se Aécio não pode ser o candidato à Presidência pelo PSDB contra São Paulo, um candidato paulista, seja Serra, seja Alckmin, não pode aspirar ser escolhido contra Minas, muito menos com a seção mineira ostensivamente se opondo a ele.

Alguém vai ter que colocar o guizo no pescoço de um dos dois.

Ou então o partido rachará de vez, cada grupo indo para um lado.

É hoje. Saudações tricolores.

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