Com a alta da renda do brasileiro, preços de itens como cafezinho, mensalidade escolar e salário de doméstica subiram bem acima da inflação. Desde 2006, ingressos para jogos subiram quatra vezes mais que a inflação: 103%.
Preços dos serviços nas alturas
Renda maior faz itens como cafezinho, salário de doméstica e ingresso de futebol subirem até 4 vezes mais que inflação
Vivian Oswald e Martha Beck
A inflação tem mostrado as garras pela alta dos preços de alimentos e outras commodities, mas é nos pequenos hábitos do cotidiano do brasileiro que se apresentam alguns dos verdadeiros vilões do orçamento familiar. Englobados na categoria serviços, prazeres e afazeres simples do dia a dia chegaram a subir quatro vezes mais do que a média da inflação em vários períodos ao longo dos últimos oito anos. Foi o caso dos ingressos para jogos: aumentaram 103,57% entre 2006 e 2010, época mais intensa de crescimento econômico, geração de emprego e ganhos salariais, período no qual a inflação medida pelo IPCA apresentou variação de 26,09%.
A tradicional parada para o cafezinho, por exemplo, ficou 119,57% mais cara desde 2003, liderando a lista de serviços que vêm jogando para cima a inflação, que ficou acima dos 56% nesses oito anos. E nem é preciso ir tão longe no tempo para sentir no bolso que, desde assistir a uma peça de teatro até contratar um profissional para reparos na residência, a alta dos preços não tem dado trégua ao consumidor. O fenômeno é resultado sobretudo do aumento da renda da população e da chegada de quase 30 milhões de pessoas à classe média.
- Houve aumento importante da demanda. Os brasileiros estão consumindo mais. É só ver o movimento nos aeroportos ou tentar reservar hotel no fim do ano no Rio ou Florianópolis - diz o ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo de Freitas.
Manicure, barbeiro, refeições fora de casa, costureira, empregada doméstica, estacionamento, serviços médicos e laboratoriais e motéis estão entre os principais itens da lista que passaram a ser mais procurados por esse novo exército de consumidores. Especialistas garantem que não se trata de um movimento sazonal. A menos que haja um grave retrocesso na atividade econômica, estes consumidores vieram para ficar.
O coordenador de Análises Econômicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Salomão Quadros, explica que o aumento destes serviços passa a ter uma espécie de efeito em cascata para os anos seguintes. Além disso, não se pode esquecer que os prestadores estão de olho nos preços de outros serviços para definir seus custos e passá-los adiante.
A manicure Jaci Bento dos Santos trabalha numa atividade cujo preço avançou acima da inflação. Fazer as unhas ficou, em média, 35,7% mais caro. Mas as despesas de Jaci subiram ainda mais, o que a obrigou a repassar os novos custos para as freguesas. Ela cobrava R$15 para fazer pé e mão em 2003, mas hoje o preço é de R$30:
- Ao longo do tempo, eu tive que subir preços para embutir principalmente meus custos com transporte.
Avanço da classe média puxa valores
Jaci mora em Samambaia (cidade satélite de Brasília), mas trabalha no Plano Piloto, a 30 quilômetros de distância. O trajeto lhe custava R$5 em 2003. Hoje, está em R$9, um aumento de 80%. Jaci, no entanto, acabou por se beneficiar do ganho da renda da população mais pobre (ela é aposentada pelo INSS) e também contribuiu para a inflação como consumidora. Pela primeira vez na vida, tomou um avião em 2008 para visitar a filha em São Paulo. Repetiu a dose no ano passado.
Os ganhos do trabalhador podem acabar por se perder na onda de reajustes do setor de serviços. A secretária Rosilda Conceição conta que a escola do filho aumentou cerca de 15% só este ano.
- Ele está na primeira série de uma das escolas mais baratas da região. Todo ano sobe um pouco, mas, desta vez, foi bastante. E ainda vem o material escolar por aí. Este ano, deve ficar em R$680. A mensalidade do colégio foi a R$267.
Graças ao aumento da sua renda, a depiladora Simone Gonçalves pôde fugir da fila do SUS e pagar R$300 por uma ressonância magnética em uma clínica particular.
- Tive que fazer pesquisa de preços. Variavam de R$300 a R$900.
Mas este não foi o único serviço a pesar no bolso de Simone, que reclama do preço do prato de picanha com feijão e arroz que encomenda em um restaurante próximo: subiu mais de 10% (de R$12 para R$14).
Reajustes mesmo em anos de crise
O conjunto de serviços subiu cerca de 7% em 2010 pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, usado pelo governo como referência para as metas de inflação do governo). Mas o índice global fechou 2010 em 5,91%. Segundo Quadros, é normal a diferença. Mas, em outros países, ela não é assim tão grande - nem tão resistente.
Quando o setor é marcado por pouca concorrência, ou ainda, lida com a confiança do consumidor, a questão é mais complicada. Este é o caso de escolas e médicos, segundo Quadros:
- Você coloca o seu filho naquela escola porque confia nela. É o mesmo caso do médico. Você não vai mudar de profissional porque ele aumentou um pouco.
Alguns analistas atribuem a inércia à cultura inflacionária recente do país. Quadros garante que sozinha esta não pode ser a única explicação para este fenômeno e diz que o problema pode estar na organização dos setores.
- Por que os salões de cabeleireiro nunca baixam os preços, nem em tempos de crise? Por que reajustam seus valores com o aumento do salário mínimo?
Em 2009, quando o país enfrentou uma recessão, os serviços subiram mais de 6%, contra um IPCA de 4,31%.
Para o economista-chefe da Consultoria Austin Rating, Alex Agostini, além da pressão recente dos preços dos alimentos, o aumento da classe média, o ganho de renda e avanço do emprego neste governo sancionaram o reajuste de preços na economia.
- Não vejo com maus olhos a inflação de 2010. Seria muita pretensão querer ter uma inflação de 4,5% com um crescimento de 7%.
O salário das empregadas domésticas também disparou, deixando para trás os índices de preços e o próprio aumento do salário mínimo, que costuma ser usado como balizador. A alta foi de 94,13% pelo IPCA em oito anos. Não ficaram atrás alguns itens de lazer, como ir ao teatro (90,97%), comer um sanduíche na rua (89,98%), assistir a show musical (87,80%) ou a cervejinha do fim do dia (87,51%).
FONTE: O GLOBO
Preços dos serviços nas alturas
Renda maior faz itens como cafezinho, salário de doméstica e ingresso de futebol subirem até 4 vezes mais que inflação
Vivian Oswald e Martha Beck
A inflação tem mostrado as garras pela alta dos preços de alimentos e outras commodities, mas é nos pequenos hábitos do cotidiano do brasileiro que se apresentam alguns dos verdadeiros vilões do orçamento familiar. Englobados na categoria serviços, prazeres e afazeres simples do dia a dia chegaram a subir quatro vezes mais do que a média da inflação em vários períodos ao longo dos últimos oito anos. Foi o caso dos ingressos para jogos: aumentaram 103,57% entre 2006 e 2010, época mais intensa de crescimento econômico, geração de emprego e ganhos salariais, período no qual a inflação medida pelo IPCA apresentou variação de 26,09%.
A tradicional parada para o cafezinho, por exemplo, ficou 119,57% mais cara desde 2003, liderando a lista de serviços que vêm jogando para cima a inflação, que ficou acima dos 56% nesses oito anos. E nem é preciso ir tão longe no tempo para sentir no bolso que, desde assistir a uma peça de teatro até contratar um profissional para reparos na residência, a alta dos preços não tem dado trégua ao consumidor. O fenômeno é resultado sobretudo do aumento da renda da população e da chegada de quase 30 milhões de pessoas à classe média.
- Houve aumento importante da demanda. Os brasileiros estão consumindo mais. É só ver o movimento nos aeroportos ou tentar reservar hotel no fim do ano no Rio ou Florianópolis - diz o ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo de Freitas.
Manicure, barbeiro, refeições fora de casa, costureira, empregada doméstica, estacionamento, serviços médicos e laboratoriais e motéis estão entre os principais itens da lista que passaram a ser mais procurados por esse novo exército de consumidores. Especialistas garantem que não se trata de um movimento sazonal. A menos que haja um grave retrocesso na atividade econômica, estes consumidores vieram para ficar.
O coordenador de Análises Econômicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Salomão Quadros, explica que o aumento destes serviços passa a ter uma espécie de efeito em cascata para os anos seguintes. Além disso, não se pode esquecer que os prestadores estão de olho nos preços de outros serviços para definir seus custos e passá-los adiante.
A manicure Jaci Bento dos Santos trabalha numa atividade cujo preço avançou acima da inflação. Fazer as unhas ficou, em média, 35,7% mais caro. Mas as despesas de Jaci subiram ainda mais, o que a obrigou a repassar os novos custos para as freguesas. Ela cobrava R$15 para fazer pé e mão em 2003, mas hoje o preço é de R$30:
- Ao longo do tempo, eu tive que subir preços para embutir principalmente meus custos com transporte.
Avanço da classe média puxa valores
Jaci mora em Samambaia (cidade satélite de Brasília), mas trabalha no Plano Piloto, a 30 quilômetros de distância. O trajeto lhe custava R$5 em 2003. Hoje, está em R$9, um aumento de 80%. Jaci, no entanto, acabou por se beneficiar do ganho da renda da população mais pobre (ela é aposentada pelo INSS) e também contribuiu para a inflação como consumidora. Pela primeira vez na vida, tomou um avião em 2008 para visitar a filha em São Paulo. Repetiu a dose no ano passado.
Os ganhos do trabalhador podem acabar por se perder na onda de reajustes do setor de serviços. A secretária Rosilda Conceição conta que a escola do filho aumentou cerca de 15% só este ano.
- Ele está na primeira série de uma das escolas mais baratas da região. Todo ano sobe um pouco, mas, desta vez, foi bastante. E ainda vem o material escolar por aí. Este ano, deve ficar em R$680. A mensalidade do colégio foi a R$267.
Graças ao aumento da sua renda, a depiladora Simone Gonçalves pôde fugir da fila do SUS e pagar R$300 por uma ressonância magnética em uma clínica particular.
- Tive que fazer pesquisa de preços. Variavam de R$300 a R$900.
Mas este não foi o único serviço a pesar no bolso de Simone, que reclama do preço do prato de picanha com feijão e arroz que encomenda em um restaurante próximo: subiu mais de 10% (de R$12 para R$14).
Reajustes mesmo em anos de crise
O conjunto de serviços subiu cerca de 7% em 2010 pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, usado pelo governo como referência para as metas de inflação do governo). Mas o índice global fechou 2010 em 5,91%. Segundo Quadros, é normal a diferença. Mas, em outros países, ela não é assim tão grande - nem tão resistente.
Quando o setor é marcado por pouca concorrência, ou ainda, lida com a confiança do consumidor, a questão é mais complicada. Este é o caso de escolas e médicos, segundo Quadros:
- Você coloca o seu filho naquela escola porque confia nela. É o mesmo caso do médico. Você não vai mudar de profissional porque ele aumentou um pouco.
Alguns analistas atribuem a inércia à cultura inflacionária recente do país. Quadros garante que sozinha esta não pode ser a única explicação para este fenômeno e diz que o problema pode estar na organização dos setores.
- Por que os salões de cabeleireiro nunca baixam os preços, nem em tempos de crise? Por que reajustam seus valores com o aumento do salário mínimo?
Em 2009, quando o país enfrentou uma recessão, os serviços subiram mais de 6%, contra um IPCA de 4,31%.
Para o economista-chefe da Consultoria Austin Rating, Alex Agostini, além da pressão recente dos preços dos alimentos, o aumento da classe média, o ganho de renda e avanço do emprego neste governo sancionaram o reajuste de preços na economia.
- Não vejo com maus olhos a inflação de 2010. Seria muita pretensão querer ter uma inflação de 4,5% com um crescimento de 7%.
O salário das empregadas domésticas também disparou, deixando para trás os índices de preços e o próprio aumento do salário mínimo, que costuma ser usado como balizador. A alta foi de 94,13% pelo IPCA em oito anos. Não ficaram atrás alguns itens de lazer, como ir ao teatro (90,97%), comer um sanduíche na rua (89,98%), assistir a show musical (87,80%) ou a cervejinha do fim do dia (87,51%).
FONTE: O GLOBO
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