Os acontecimentos no Egito são fluidos. Em uma sociedade com uma ditadura tão arraigada, a ideia de que esta seria uma revolução rápida sempre foi equivocada.
Mas está claro que não há como voltar atrás. Os acontecimentos assinalam uma virada histórica no país e na região maior, algo que vai levar a um sistema político mais aberto.
As tentativas da "velha guarda" de se agarrar ao poder agora parecem ser vãs. Mudar o rosto do regime, nomeando para vice-presidente Omar Suleiman, um "apparatchik"-chave do regime e aliado dos EUA, não satisfez os manifestantes, como de fato não poderia. Isso levou Mubarak, sob pressão do Exército e dos EUA, a anunciar sua intenção de não se candidatar na eleição de setembro de 2011.
Mas a declaração chegou um pouco tarde demais. Outros regimes da região -o Iêmen e a Jordânia- tomaram nota e estão se apressando a anunciar reformas políticas, visando calar uma oposição que está se fazendo ouvir cada vez mais.
A natureza da crise egípcia agora mudou, com o regime orquestrando manifestações pró-Mubarak com o intuito de semear a violência e a guerra civil nas ruas do Cairo, visando reprimir os protestos antigoverno e apelar para o maior medo dos egípcios de classe média e do Ocidente: o medo de que o caos e a guerra civil tomem conta do país.
A violência vai continuar, mas é pouco provável que essa estratégia, tampouco, tenha êxito. Os EUA e outros atores internacionais têm consciência das poderosas forças populares desencadeadas no Egito e se preocupam com a possibilidade de se tornarem o inimigo dessas forças, como aconteceu no Irã em 1979.
Eles sabem que o regime egípcio está desacreditado e que não lhe resta muito tempo. O objetivo dos EUA agora é o de garantir uma transição para um sistema político mais aberto, que continue a proteger os principais interesses estratégicos regionais dos EUA.
Para os Estados Unidos, quanto mais tempo as manifestações continuarem, maior será o risco de partidos políticos antiamericanos emergirem em posições de poder. Um perigo maior que a emergência de uma democracia pluripartidária enfrenta é a ascensão do que se vê como islã radical.
Esse medo do islã político é tão forte no âmbito internacional que pode fornecer a justificativa poderosa necessária para um "governo temporário" do Exército e de elementos da "velha guarda".
Isso já aconteceu antes, na Argélia, em 1991, quando uma vitória eleitoral islâmica levou a um golpe militar. Mas esse desfecho é pouco provável. Os manifestantes na praça da Libertação não são islâmicos. As manifestações populares que estão ocorrendo no Egito são um fenômeno moderno e secular, no qual diferentes gerações de egípcios estão unidos por seu repúdio comum ao Estado unipartidário.
Será difícil para qualquer setor, no Egito ou fora dele, sugerir de modo convincente que não é assim. Na análise final, foram desencadeadas no interior de sociedades árabes forças seculares poderosas que vão fazer com que seja impossível manter a velha matriz política árabe da ditadura de um só partido.
O sistema político que virá a seguir no país ainda precisa ser negociado, mas, sem dúvida, terá que ser um sistema dotado de muito mais abertura política.
Richard Kareem Al-Qaq é pesquisador da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres e especialista na política internacional da África e do Oriente Médio.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
Mas está claro que não há como voltar atrás. Os acontecimentos assinalam uma virada histórica no país e na região maior, algo que vai levar a um sistema político mais aberto.
As tentativas da "velha guarda" de se agarrar ao poder agora parecem ser vãs. Mudar o rosto do regime, nomeando para vice-presidente Omar Suleiman, um "apparatchik"-chave do regime e aliado dos EUA, não satisfez os manifestantes, como de fato não poderia. Isso levou Mubarak, sob pressão do Exército e dos EUA, a anunciar sua intenção de não se candidatar na eleição de setembro de 2011.
Mas a declaração chegou um pouco tarde demais. Outros regimes da região -o Iêmen e a Jordânia- tomaram nota e estão se apressando a anunciar reformas políticas, visando calar uma oposição que está se fazendo ouvir cada vez mais.
A natureza da crise egípcia agora mudou, com o regime orquestrando manifestações pró-Mubarak com o intuito de semear a violência e a guerra civil nas ruas do Cairo, visando reprimir os protestos antigoverno e apelar para o maior medo dos egípcios de classe média e do Ocidente: o medo de que o caos e a guerra civil tomem conta do país.
A violência vai continuar, mas é pouco provável que essa estratégia, tampouco, tenha êxito. Os EUA e outros atores internacionais têm consciência das poderosas forças populares desencadeadas no Egito e se preocupam com a possibilidade de se tornarem o inimigo dessas forças, como aconteceu no Irã em 1979.
Eles sabem que o regime egípcio está desacreditado e que não lhe resta muito tempo. O objetivo dos EUA agora é o de garantir uma transição para um sistema político mais aberto, que continue a proteger os principais interesses estratégicos regionais dos EUA.
Para os Estados Unidos, quanto mais tempo as manifestações continuarem, maior será o risco de partidos políticos antiamericanos emergirem em posições de poder. Um perigo maior que a emergência de uma democracia pluripartidária enfrenta é a ascensão do que se vê como islã radical.
Esse medo do islã político é tão forte no âmbito internacional que pode fornecer a justificativa poderosa necessária para um "governo temporário" do Exército e de elementos da "velha guarda".
Isso já aconteceu antes, na Argélia, em 1991, quando uma vitória eleitoral islâmica levou a um golpe militar. Mas esse desfecho é pouco provável. Os manifestantes na praça da Libertação não são islâmicos. As manifestações populares que estão ocorrendo no Egito são um fenômeno moderno e secular, no qual diferentes gerações de egípcios estão unidos por seu repúdio comum ao Estado unipartidário.
Será difícil para qualquer setor, no Egito ou fora dele, sugerir de modo convincente que não é assim. Na análise final, foram desencadeadas no interior de sociedades árabes forças seculares poderosas que vão fazer com que seja impossível manter a velha matriz política árabe da ditadura de um só partido.
O sistema político que virá a seguir no país ainda precisa ser negociado, mas, sem dúvida, terá que ser um sistema dotado de muito mais abertura política.
Richard Kareem Al-Qaq é pesquisador da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres e especialista na política internacional da África e do Oriente Médio.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
Nenhum comentário:
Postar um comentário