A hora da partilha
Estudiosos dizem que distribuição de cargos prejudica andamento de instituições
Dandara Tinoco
O loteamento de cargos públicos, pano de fundo da disputa entre PT e PMDB, é um velho conhecido do Estado brasileiro e, para especialistas, indica a sobrevivência de uma prática absolutista no país. Estudiosos apontam que a distribuição pode ter consequências desastrosas: entre elas, a nomeação de pessoas não qualificadas e a interrupção de políticas públicas.
Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e especialista em ética política, Roberto Romano afirma que o Brasil ainda não se tornou um Estado plenamente moderno. O poder do presidente, tal qual de um rei, é assegurado pela distribuição de cargos:
- O que define a essência do Estado brasileiro é ele ter surgido no período absolutista, quando o rei distribuía cargos para membros da nobreza, do clero e da burguesia. O Brasil é um caso de absolutismo anacrônico. Temos alguns aspectos modernos, mas a essência vem desses apoios ao poder Executivo a partir da concessão de cargos para o Legislativo e até para o Judiciário. É da tradição brasileira antimoderna, absolutista. O presidente tem poderes imensos, mas tem pé de barro: se não consegue distribuir cargos a tempo, até a base aliada coloca a faca no pescoço, que é o que estamos vendo agora.
Para o professor, as instituições seguem a lógica de cada governo e não do Estado. E, dessa forma, a continuidade de políticas que foram implementadas nas gestões anteriores é prejudicada.
- Você não pode mudar o que foi estratégico para atender este ou aquele partido, e é isso que estamos observando acontecer - afirma. - No momento em que há indicações para assegurar o toma lá dá cá do poder, se nomeia quem não tem competência para o cargo. Todos os recursos são jogados no abater das almas para satisfazer os partidos. Então vemos confusões como essas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e do apagão no Nordeste. O próprio ministro (Edison Lobão) diz que não houve apagão. Isso significa que as pessoas não estão assumindo a sua responsabilidade. E o padrão moderno da democracia é da responsabilização dos que tocam cargos públicos diante dos que pagam impostos.
Bem privado fica em primeiro lugar
O professor Eurico Figueiredo, coordenador de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que o desafio da presidente Dilma Rousseff será manter o apoio da base aliada sem ceder a indicações que possam prejudicar a gestão das estatais:
- O presidente depende de apoios. No momento em que bate o martelo sem apoio político, está sendo inabilidoso. O problema é você saber quando o critério técnico desaparece em face ao político. Queremos, como sociedade, que gestores sejam mais eficientes e probos, porque eles são pagos por nós. O que nos espanta é que embora digam que estão fazendo isso, eles (os políticos) representam máquinas, muitas vezes oligárquicas, que se perpetuam no poder. O bem público fica em segundo lugar, e o privado, em primeiro.
O cientista político da PUC-Rio Ricardo Ismael concorda que a briga por cargos é natural. No entanto, ele destaca que as nomeações podem fragilizar as instituições públicas.
- Como Dilma não pode romper com o PMDB, é necessário que se estabeleça uma boa convivência. Mas o PMDB tem lideranças muito desgastadas que têm rejeição da opinião pública, e o PT não pode ceder muito porque vai passar a impressão de que seus princípios estão sendo flexibilizados. É natural que haja uma cobrança da coalização que deu a vitória para a presidente, mas quando essa coalização passa a ocupar cargos públicos, ela pode acabar fragilizando estatais e instituições, porque muitas vezes a indicação não tem preocupação com a competência.
Ismael aprova a indicação de nomes técnicos para estatais como Furnas e Funasa, mas diz que mais importante que isso é a competência dos gestores para tocar as instituições.
- A questão não é só o perfil técnico, mas também pessoas que tenham o espírito republicano, que deem contribuição para o bom andamento da máquina pública. É importante também a postura como vão conduzir os seus cargos, que deve ser de respeito ao serviço público.
FONTE: O GLOBO
Estudiosos dizem que distribuição de cargos prejudica andamento de instituições
Dandara Tinoco
O loteamento de cargos públicos, pano de fundo da disputa entre PT e PMDB, é um velho conhecido do Estado brasileiro e, para especialistas, indica a sobrevivência de uma prática absolutista no país. Estudiosos apontam que a distribuição pode ter consequências desastrosas: entre elas, a nomeação de pessoas não qualificadas e a interrupção de políticas públicas.
Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e especialista em ética política, Roberto Romano afirma que o Brasil ainda não se tornou um Estado plenamente moderno. O poder do presidente, tal qual de um rei, é assegurado pela distribuição de cargos:
- O que define a essência do Estado brasileiro é ele ter surgido no período absolutista, quando o rei distribuía cargos para membros da nobreza, do clero e da burguesia. O Brasil é um caso de absolutismo anacrônico. Temos alguns aspectos modernos, mas a essência vem desses apoios ao poder Executivo a partir da concessão de cargos para o Legislativo e até para o Judiciário. É da tradição brasileira antimoderna, absolutista. O presidente tem poderes imensos, mas tem pé de barro: se não consegue distribuir cargos a tempo, até a base aliada coloca a faca no pescoço, que é o que estamos vendo agora.
Para o professor, as instituições seguem a lógica de cada governo e não do Estado. E, dessa forma, a continuidade de políticas que foram implementadas nas gestões anteriores é prejudicada.
- Você não pode mudar o que foi estratégico para atender este ou aquele partido, e é isso que estamos observando acontecer - afirma. - No momento em que há indicações para assegurar o toma lá dá cá do poder, se nomeia quem não tem competência para o cargo. Todos os recursos são jogados no abater das almas para satisfazer os partidos. Então vemos confusões como essas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e do apagão no Nordeste. O próprio ministro (Edison Lobão) diz que não houve apagão. Isso significa que as pessoas não estão assumindo a sua responsabilidade. E o padrão moderno da democracia é da responsabilização dos que tocam cargos públicos diante dos que pagam impostos.
Bem privado fica em primeiro lugar
O professor Eurico Figueiredo, coordenador de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que o desafio da presidente Dilma Rousseff será manter o apoio da base aliada sem ceder a indicações que possam prejudicar a gestão das estatais:
- O presidente depende de apoios. No momento em que bate o martelo sem apoio político, está sendo inabilidoso. O problema é você saber quando o critério técnico desaparece em face ao político. Queremos, como sociedade, que gestores sejam mais eficientes e probos, porque eles são pagos por nós. O que nos espanta é que embora digam que estão fazendo isso, eles (os políticos) representam máquinas, muitas vezes oligárquicas, que se perpetuam no poder. O bem público fica em segundo lugar, e o privado, em primeiro.
O cientista político da PUC-Rio Ricardo Ismael concorda que a briga por cargos é natural. No entanto, ele destaca que as nomeações podem fragilizar as instituições públicas.
- Como Dilma não pode romper com o PMDB, é necessário que se estabeleça uma boa convivência. Mas o PMDB tem lideranças muito desgastadas que têm rejeição da opinião pública, e o PT não pode ceder muito porque vai passar a impressão de que seus princípios estão sendo flexibilizados. É natural que haja uma cobrança da coalização que deu a vitória para a presidente, mas quando essa coalização passa a ocupar cargos públicos, ela pode acabar fragilizando estatais e instituições, porque muitas vezes a indicação não tem preocupação com a competência.
Ismael aprova a indicação de nomes técnicos para estatais como Furnas e Funasa, mas diz que mais importante que isso é a competência dos gestores para tocar as instituições.
- A questão não é só o perfil técnico, mas também pessoas que tenham o espírito republicano, que deem contribuição para o bom andamento da máquina pública. É importante também a postura como vão conduzir os seus cargos, que deve ser de respeito ao serviço público.
FONTE: O GLOBO
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