sábado, 5 de fevereiro de 2011

Sistema em corner:: Míriam Leitão

O susto maior na mesa de negociação do último lance do PanAmericano foi quando o empresário Silvio Santos disse: "Então, liquide-se o banco. Não quero mais saber." Havia percebido que a carta jogada na mesa colocava todos em situação difícil. Ele ficaria com os bens indisponíveis, mas o BC teria que viver a estranha situação de pôr os bens da Caixa também indisponíveis. Todos se olharam assustados.

"O sistema entrou em córner. Todos tinham muito a perder: os grandes bancos, o Banco Central, a Caixa, o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e o candidato a comprador," conta uma pessoa que acompanhou de perto a escorregadia negociação.

De sagacidade reconhecida, o empresário jogou a bomba no colo de todos. A Caixa comprou, no fim de 2009, 49% do capital votante do banco e no acordo de acionistas feito depois da primeira intervenção ela passou a fazer parte da administração do PanAmericano. A presidente da Caixa passou a ser a presidente do Conselho de Administração do banco. Os bancos Itaú, Banco do Brasil e Bradesco, que tinham comprado carteiras de recebíveis do PanAmericano, teriam enormes prejuízos.

Pelas regras desse negócio, o banco que vende é co-responsável. A maioria dos créditos concedidos pelo banco é para a compra de carro, perto de 65%. Mas mesmo vendendo a carteira, o carnê é pago no PanAmericano, o gerador do crédito é responsável, e o dinheiro é repassado a quem comprou a carteira. "A bicicleta tem que andar. Se o PanAmericano deixasse de existir, haveria uma confusão operacional enorme para os bancos compradores", me disse um banqueiro que não participou da negociação, mas também atuou no negócio de compra e venda de carteiras de crédito.

O Fundo Garantidor de Crédito tinha emprestado R$2,5 bilhões achando que assim mataria o problema, mas as novas descobertas aumentavam o rombo. A liquidação seria um desastre para todos da mesa.

- Ninguém vê nada? O Banco Central não viu nada nesses anos todos? O Fundo Garantidor não viu nada? - protestou Silvio Santos.

No primeiro momento, o rombo do PanAmericano parecia ser só um problema de duplicação: ele vendeu e manteve a carteira como seus ativos. Agora, se descobriu que era pior do que o imaginado: havia carteiras falsas, créditos inexistentes, créditos pré-pago registrados como recebíveis. A detalhada análise feita nos últimos dois meses pela nova consultoria contratada, a Price, e os técnicos do Banco Central revelou que em vez de R$2,2 bilhões do rombo original, ou dos R$3,8 bilhões que se diz atualmente, ele já chegou a R$4,5 bilhões. O número preciso será exibido no balanço.

O objetivo do empresário era livrar-se do banco e do problema, liberar seus outros bens, e deixar que eles que são bancos que se entendessem. Foi bem sucedido. Quando o problema estourou, ele disse que assumiria integralmente a dívida com o FGC. Era o maior acionista, de fato, mas ele tinha 37% das ações do banco; a Caixa, outros 36%, e o resto estava em mercado, com minoritários. Ele podia ter dito que se responsabilizava apenas por sua parte e não o total do empréstimo. Silvio Santos não cuidava do cotidiano do banco, havia de fato delegado aos administradores.

Se os três grandes bancos assumissem o PanAmericano - já que eram eles que estavam expostos ao risco - haveria um problema imediato de superposição de agências. Ficou claro para o Banco Central que a instituição terá de pensar em novos mecanismos para situações emergenciais como essa. O Fundo Garantidor de Crédito teme o chamado moral hazard, ou risco moral. Ele tem hoje R$26 bilhões líquidos. Quantos PanAmericanos o FGC poderá salvar se ficar estabelecido que bancos quebrados serão sempre resgatados em nome do temor do risco sistêmico?

O Fundo foi criado para cobrir depósitos de clientes. Na época que se descobriu o primeiro rombo, a obrigação era cobrir até R$60.000 por CPF. Hoje, subiu para R$70.000. Mas o custo maior seria para cobrir os chamados DPGE, os Depósitos à Prazo com Garantias Especiais do FGC. Esse mecanismo foi criado pelo Banco Central, na crise de 2009. Permite que os bancos paguem uma taxa extra ao FGC para que ele cubra o risco dos grandes investidores até um certo limite. Com essa garantia, os bancos médios puderam vender papéis para os fundos de pensão. O FGC tinha que cobrir portanto uma parte da perda dos grandes fundos de pensão que compraram títulos do PanAmericano na crise de 2009. Mas juntando tudo, era por volta de R$2 bilhões. O FGC acabou gastando o dobro.

A maior parte do rombo é resultado de má administração, confusão, bagunça no banco. "Nos últimos meses, foram revistos 80% das carteiras, e foi assim: a cada enxadada, uma minhoca, ou duas", disse uma fonte. O PanAmericano, na verdade, deu prejuízo nos últimos quatro anos, mas simulou um lucro, pagou imposto sobre lucro falso. Para o PanAmericano, a Caixa era o parceiro perfeito porque tem sua vasta rede de captação e uma placa reluzente.

Essa primeira operação da CaixaPar foi um absoluto desastre, como se vê. E agora? Bom. Agora a Caixa pôs à disposição do Panamericano uma linha de R$10 bilhões, o BTG pôs outra de R$5 bilhões. Garantido dessa forma, o banco poderá captar a juros mais baixos. O FGC aceitou receber 15% do que de fato emprestou, mas poderá dizer que provou sua utilidade. O Banco Central poderá dizer que foi uma solução privada com dinheiro dos bancos, apesar de o custo de capitalizar o fundo ser repassado aos clientes pelos bancos. Os grandes bancos saem da situação aflitiva em que estavam. Silvio Santos liberou seus bens dados em garantia. Assim, cada um livrou o seu lado, mas a história acabou deixando no ar dúvidas e riscos.

FONTE: O GLOBO

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