Pelas perspectivas que promete abrir no médio e no longo prazos, a recente visita do presidente Barack Obama ao Brasil, embora no contexto das incertezas e instabilidades globais, poderá ser um marco no relacionamento Brasil-EUA.
Essas relações apresentam três desafios a serem enfrentados e superados para que os entendimentos se possam desenvolver de maneira pragmática e positiva: de que forma conectar interesses comuns, como modificar as percepções de Washington em relação ao Brasil e como definir o que o nosso país quer da relação com os EUA.
Os governos de Brasília e Washington, depois de um período de tensão que durou a maior parte do governo Lula, gerada por motivações ideológicas antiamericanas e por desencontros na política externa e comercial, decidiram inaugurar uma nova etapa nas parcerias bilaterais, deixando para trás as dificuldades dos últimos anos.
A visita de Obama, centrada em temas econômicos e comerciais, ressaltou o reconhecimento, pelos EUA, da nova importância global do Brasil nas áreas de meio ambiente, comércio e energia, com o estabelecimento de parcerias globais e acordos significativos. A graduação do Brasil na área política ainda não ocorreu, como evidenciado pela manifestação de apreço, mas não de apoio à pretensão brasileira de se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, pela percepção de que o País é ainda um parceiro relutante.
O comunicado conjunto, firmado pelos dois mandatários e divulgado ao final da visita, apresenta um roteiro para uma nova parceria global e bilateral, e não uma aliança estratégica, que pressupõe uma lenta construção entre iguais.
A presidente Dilma Rousseff observou que, no passado, o relacionamento esteve muitas vezes encoberto por uma retórica vazia que fugia do que estava realmente em jogo. Nesse sentido, a viagem foi marcada por uma visão pragmática, e não ideológica, propiciando resultados, embora ainda no campo das intenções.
Cabe ressaltar que os presidentes tomaram a decisão de elevar ao nível presidencial o diálogo em algumas áreas prioritárias, como parceria global, econômica, financeira e energética. Dez acordos foram assinados com vista a explorar novas possibilidades de cooperação nas áreas de comércio, educação, inovação, infraestrutura, transporte aéreo, espacial, grandes eventos esportivos, biocombustível para aviação.
Desses documentos, quatro merecem ser ressaltados:
O Acordo-Quadro Bilateral para a Cooperação sobre os Usos Pacíficos do Espaço Exterior e o anúncio do início de negociações de acordo para proteger tecnologia de operação de lançamento;
o Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (Teca), cujo objetivo principal é facilitar o acesso de produtos dos EUA e do Brasil aos mercados dos dois países, além de criar mecanismos para examinar dificuldades nas questões comerciais e de investimento, avaliar barreiras fitossanitárias, simplificar processos alfandegários e harmonizar normas técnicas;
o acordo de cooperação em terceiros países, sobretudo africanos, nas áreas de educação, segurança alimentar, agricultura, nutrição, saúde e fortalecimento institucional; e o acordo de biocombustível para a aviação.
Nos encontros Dilma-Obama foram lançadas as bases em que as relações deverão evoluir nos próximos anos, e que poderão beneficiar os governos e o setor privado. O mundo não cessa de mudar e, no melhor interesse dos dois países, foram mencionadas parcerias em áreas que, se de fato vierem a ocorrer, propiciarão uma mudança na qualidade do relacionamento bilateral, com ganhos concretos para ambos os lados.
O desafio de conectar os interesses dos dois países, aludido anteriormente, começou a ser respondido. Alguns exemplos podem ser mencionados. O governo norte-americano está interessado em se tornar um cliente importante do petróleo produzido no pré-sal e o governo brasileiro poderá levar adiante o programa espacial, reconstruindo a Base de Alcântara, com a colaboração de empresas dos EUA. Grandes projetos de infraestrutura, atraindo investimentos de empresas norte-americanas, poderão ajudar o Brasil a cumprir os prazos para as obras da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. O Pentágono, o maior comprador de querosene de aviação do mundo, busca segurança energética com a produção de biocombustível para a aviação, o que abrirá grandes oportunidades para o setor privado brasileiro.
Do ponto de vista da política externa brasileira, a visita marcou diferenças em relação à atitude do governo anterior, segundo se depreende dos discursos e do comunicado conjunto emitido ao final da visita. Desapareceram as restrições ideológicas e foram ressaltadas as oportunidades das parcerias com os EUA, inclusive na área espacial, com salvaguardas tecnológicas. A contribuição do Brasil para a paz no Oriente Médio e outras regiões será dada sem voluntarismos. O Irã tem de demonstrar a natureza exclusivamente pacífica de seus programas nucleares. O respeito aos direitos humanos e à democracia deve ser mantido até mesmo no contexto de movimentos e transições democráticos, referência indireta à Líbia. Foram ressaltado o compromisso com a Organização dos Estados Americanos (OEA) e saudados os esforços empreendidos para torná-la mais transparente e eficiente. A Unasul e o Mercosul foram tratados no último capítulo do comunicado. Dificilmente referências dessa natureza poderiam ser encontradas em comunicados conjuntos com os EUA nos últimos cinco ou seis anos.
De certa maneira, as decisões tomadas durante a visita de Obama retomam o tom e o espírito dos entendimentos mantidos em junho de 2003, quando da primeira visita do presidente Lula a Washington, ao buscar projetos de interesse comum e avançar na mudança da percepção em relação ao Brasil, diferenciando-o no contexto latino-americano.
Foi Embaixador em Washington
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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