A sociedade brasileira conhece bem os efeitos nocivos da inflação, principalmente sobre os segmentos mais pobres da população. Uma das vitórias expressivas nos campos da economia e da política foi a implantação do Plano Real, que resultou na estabilidade da moeda - base para o crescimento sustentado com inclusão social que o Brasil tem experimentado desde então. A adoção do programa de metas de inflação, depois da crise do real no início de 1999, tem garantido variação média dos preços compatível com o crescimento de longo prazo. Neste ano, todavia, a expectativa é de que a inflação fique próxima do limite superior da meta. Conviver com inflação ascendente e demanda aquecida é um jogo perigoso num país que ainda não perdeu a memória da indexação.
Além de seus efeitos perversos sobre a economia, comprometendo o crescimento de médio prazo e a saudável distribuição de rendimentos, inflação em alta traz de volta a indexação que perpetua a tendência ascendente dos preços. Filme visto não muito tempo atrás. Os efeitos da Medida Provisória n.º 1.053/95, que desindexou a economia, estão nos seus estertores. A indexação está de volta, generalizando-se muito rapidamente. No âmbito dos salários e da Previdência Social, seu retorno já está consolidado. A Lei n.º 12.382/11 estabeleceu a dupla indexação do salário mínimo: no INPC dos últimos 12 meses antecedentes ao reajuste e na variação do PIB dois anos antes. Já se estima com alguma precisão que em 2012 o salário mínimo terá um aumento em torno de 14% a 15%, com impactos sobre todos os benefícios da Previdência Social com valor igual ao mínimo; sobre a remuneração dos servidores públicos nos Estados e municípios - com pesadas consequências sobre os gastos públicos; e sobre as remunerações no setor privado referenciadas em salários mínimos. Os reajustes dos salários objetos de acordos coletivos seguem a mesma lógica.
A correção dos rendimentos dos benefícios previdenciários, cujos valores estão acima do mínimo, também está vinculada à variação do índice de preços. No próximo ano o reajuste desses benefícios poderá chegar a 6,5%, se a inflação de 2011 se mantiver nas atuais estimativas.
No âmbito das concessões de serviços públicos os preços também acompanham a variação dos índices de inflação, como no caso de energia elétrica, água, transportes coletivos, etc.
No sistema financeiro, igualmente, vários produtos são indexados, como as aplicações de curto prazo, a remuneração de caderneta de poupança, etc.
Finalmente, outros preços da economia estão constantemente sendo corrigidos pela inflação passada e, em alguns casos, em frequência inferior a um ano. Quanto mais houver a combinação de demanda elevada com inflação ascendente, maior é a probabilidade de correções automáticas de preços com base nos indicadores de inflação.
A indexação opera também no campo da formação das expectativas, antecipando os aumentos esperados de preço no futuro. Ela atua como correia transmissora da inflação passada para a inflação futura, limitando a eficácia da política monetária.
A estratégia de tentar conviver com uma inflação mais alta que o centro da meta para manter elevado o consumo acende a chama da indexação, tornando a volta à estabilidade uma tarefa ainda mais árdua, com consequências perversas para os segmentos que hoje mais se beneficiam do crescimento com estabilidade - aqueles que estão na base da pirâmide.
É possível que a hora para evitar o mal já seja passada. Pagaremos no futuro próximo pela leniência de hoje. Pagarão os mais pobres e vulneráveis que não terão mecanismos para se proteger da inflação. Com o desemprego pagarão os trabalhadores. Não há indexação que garanta o poder de compra dos assalariados. Enfim, não é o valor nominal dos salários que importa, mas seu valor real, que só será protegido com moeda estável. A volta da indexação pode comprometer todo o esforço de estabilidade das últimas duas décadas.
Professor da Fundação Dom Cabral, foi Ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento no governo FHC
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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