A escola vive um dilema. Ela constitui, no imaginário coletivo, espaço privilegiado de formação da criança, do adolescente e do jovem. Seu papel é entendido como devendo ir além da socialização do conhecimento. Dela se espera que se socializem também hábitos de relações intersubjetivas de paz que, ao se entrelaçarem no tecido social, conferem sustentação ao exercício dos direitos e deveres no convívio dos indivíduos e das comunidades. A paz que se vislumbra na escola e a partir da escola não é passiva. Ela é ativa e tem tudo a ver com a prática efetiva dos Direitos Humanos no cotidiano da sociedade.
Mas, por outro lado, a escola surge aos olhos do país como lugar marcado por atos de violência: assaltos, balas perdidas, estupros, depredações, brigas e outras formas, talvez mais sutis, mas não menos lesivas, de agressões perpetradas na interação do indivíduo jovem com o meio social. Segundo dados estatísticos recentes, escolas são afetadas pela violência em todas as cinco regiões do país, sendo que a média nacional atinge o índice preocupante de 56%. E o fenômeno já não se restringe aos grandes centros urbanos, mas penetra o interior do país, instalando-se em cidades de médio e até pequeno porte.
O governo federal não podia ficar indiferente diante dessa realidade. De fato, teve a sensibilidade de conceber um programa voltado para pacificar as escolas, revitalizando-as em seu ambiente interno e em sua vizinhança. O programa, com o nome de Paz nas Escolas, é coordenado pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, mas atua em estreita articulação com o MEC e outros ministérios, com secretarias estaduais e municipais, assim como com organizações da sociedade civil.
Em seus primeiros meses de vida, o programa já mostrou que a população brasileira também não está indiferente. Ela não só rejeita a violência, mas está disponível para envolver-se com iniciativas locais, regionais e nacionais de construção da paz. São inúmeros, país afora, os exemplos de ações dignas de apoio nas áreas metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro, em capitais do Norte, Sul e Nordeste, no Distrito Federal e seu entorno, em cidades do interior de Minas e Alagoas. Em Pernambuco, é todo o estado que se mobiliza em um plano aberto a praticamente todos os municípios e todas as escolas. Esse trabalho é marcado pela diversidade de mobilizações surgidas nas escolas, nas praças, nas polícias, sobretudo a militar, nas associações comunitárias, nos grêmios estudantis, todas repetindo a lição de que, se a violência apresenta multiplicidade de feições, também as iniciativas de paz estão presentes em todos os segmentos da sociedade, criando espaços de interlocução e interação. Na verdade, três atores sociais são particularmente visados, a saber: as escolas, as organizações comunitárias e as polícias.
A inserção da polícia na vida cidadã das escolas passa pelo reordenamento conceitual da segurança dos cidadãos, exercida a partir da ótica do serviço e da defesa da democracia e não do arbítrio e do poder. Essa lógica leva à superação dos estereótipos da ação repressiva e à assimilação da prática preventiva em relação à violência e educativa em relação aos jovens.
As organizações comunitárias constituem outro ator importante e, como expressão dos movimentos sociais, refletem as preocupações das famílias com a violência dentro e fora da escola. Ao evitar a apropriação governamental das práticas e dos ideais dessas associações, o programa contribui para legitimá-las como instâncias mediadoras entre as políticas públicas e os movimentos sociais atuantes no país.
A valorização plena da escola como ator fundamental de um programa dessa natureza supõe o desejo, a aceitação e a manifestação da vontade de participar, evitando-se o caráter de imposição formal e coativo do Estado. Admitido esse critério, deve-se reconhecer também que a escola dispõe de grande e variado poder de observação e análise das situações de violência dentro e fora de seus muros; de assimilação dos conteúdos de ética e cidadania; de mobilização de inúmeras instâncias coletivas de decisão e representatividade; de articulação direta com as famílias; de mediação junto aos mais diversos órgãos do poder público.
Em síntese, o programa Paz nas Escolas molda sua ação numa perspectiva de gestão pública descentralizada, ágil e flexível. Sua elaboração, articulação, execução, avaliação e replanejamento têm-se pautado em três princípios norteadores: a urgência da ética e a ética da urgência, exigida pela gravidade da questão da violência e a consciência cívica da sociedade brasileira, a convergência de propósitos de um sem número de parceiros desejosos de desconstruir a cultura da violência e construir uma cultura e um ambiente de paz e a busca de resultados, ou seja, de indicadores e sinais concretos e estruturais de que é possível proteger a vida e defender a justiça com positividade e eficácia.
(artigo publicado em 2005)
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