Muito se fala de crise na oposição. E ela está evidente. Mas, nos preocupemos antes com a crise no governo, porque a que envolve a da oposição é uma dança da política e dos políticos. Só atinge a nós. Já aquela que se abate sobre o governo é grave, e afeta toda a sociedade.
Podemos aqui mesmo discutir a situação dos partidos oposicionistas, mas, antes, vamos ao governo. A fatura da irresponsabilidade nos gastos públicos que foi o aspecto central dos últimos dois anos do governo Lula chegou.
Esse governo, tão "generoso" no uso dos recursos públicos, com os quais calçou sua popularidade, agora recebe críticas que antes não sofria.
Não é fácil administrar o rescaldo de um governo que surfou de forma imprevidente sobre o boom da economia internacional e que, ao longo desses anos, deixou de realizar as necessárias reformas democráticas do Estado, que ampliasse o poder da sociedade civil e concentrasse a ação do Estado em suas tarefas fundamentais, de garantir educação, saúde e segurança a seus cidadãos e atuasse como regulador da esfera econômica.
Essa gestão imprevidente lhe possibilitou gastar além da conta, não apenas comprometendo os fundamentos da estabilidade da moeda, mas concomitantemente garantiu guarida aos mais antagônicos setores e segmentos da sociedade, de forma subalternizada - o que levou o sociólogo Luiz Werneck Vianna a chamar esse arranjo de Estado Novo do PT.
O governo podia atender a todos. Dava-se ao luxo de ter um ministério do trabalhador e outro dos patrões. Um da reforma agrária e outro do agronegócio. Chegou a hora da verdade.
Em um momento em que a inflação estoura o teto da meta e em que se discute o excessivo endividamento das famílias brasileiras - principalmente daquelas de mais baixa renda e que têm maior dificuldade de honrar seus compromissos -, o fantasma do arrocho salarial também ronda os lares brasileiros, elevando a ameaça de inadimplência. Passado o boom da economia internacional, como ficamos?
Dilma Rousseff parece não estar disposta a comprometer o crescimento para combater a inflação. Talvez por isso não esteja adotando a política de aumento sistemático da Selic. Transigir com a inflação é atentar contra o país.
É preciso seriedade no tratamento com a estabilidade econômica, porque ela envolve todos os brasileiros. O governo não vê com preocupação o fato de a inflação flutuar um pouco, porque isso evitaria o arrefecimento do crescimento.
O risco de tal opção está evidenciado. A inflação pode tornar-se irrefreável. É isso que estamos vivendo.
As commodities, ao inundar o mercado de dólares, apreciam nossa moeda, ampliando a crise cambial e podendo trazer algo pior: "bolhas" de consumo insustentável a longo prazo. Se isso ocorrer com as commodities agropecuárias será um desastre para a América Latina, que em grande parte teve crescimento baseado no aumento de preços desses produtos.
A oposição não pode se desesperar frente ao adesismo, que é uma marca registrada da política brasileira. Há um paradoxo. Embora o cobertor esteja curto, o governo continua a atrair apoio para sua base. Vai faltar soro para tanto fisiologismo. E, sem toma-lá-dá-cá, esse tipo de apoio desaparece.
Roberto Freire é presidente do PPS
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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