O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, leu duas vezes o texto em que Fernando Henrique Cardoso discute a conquista política da nova classe média. Ao contrário dos petistas e de correligionários do ex-presidente como o senador Aécio Neves, encantou-se com o que leu. Credita a exploração negativa do documento a uma frase pinçada para a luta política. Não viu, na oposição, ninguém fazer um esforço semelhante em pensar o Brasil que foi transformado pelos quatro mandatos em que se sucederam PSDB e PT.
Na entrevista publicada no Valor de hoje, o presidente do PSB faz mais elogios a Fernando Henrique do que qualquer tucano da praça. Governador mais próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Campos vê convergências entre o artigo e os movimentos da presidente Dilma Rousseff neste início de governo, da política externa a uma relação menos conflituosa com a imprensa. O elogio a Dilma não se estende ao PT que, na sua avaliação, fez um movimento em direção contrária com a reincorporação de Delúbio Soares.
Desde as eleições do ano passado, Campos vem batendo na tecla de que as urnas sinalizaram para valores da classe média emergente mal ajambrados na polarização PT x PSDB e acolhidos, em grande parte, na votação de Marina Silva. No Recife, onde Dilma ficou abaixo de sua média nacional (42%) e Marina, acima (36%), Campos teve uma votação próxima (73%) à soma de ambas, resultado que lhe deixou numa situação confortável para se antecipar a esse debate.
Sigla será para Campos o que o PFL foi para FH
Pior do que perder é não tirar lições da derrota. E é isso que diz estar acontecendo com a oposição. Indaga-se, por exemplo, sem citar Aécio, que significado tem para o eleitor da feira de Caruaru, um dos bolsões de crescimento chinês do Nordeste, a mudança do rito das MPs que o senador mineiro passou a encampar.
Cada crítica de Campos ao PSDB é seguida de um elogio a Fernando Henrique. O partido, diz, não vai inverter a rota da desintegração enquanto não se deixar pautar pela rua. Bastaria se espelhar no que o ex-presidente fez ao enxergar o valor político da luta contra a inflação consolidada com o Plano Real.
Ao defender o real, Campos não endossa a gritaria tucana de que a política econômica coloca em risco a estabilidade da moeda. Não vê grandes mudanças na condução, mas diz que o aumento da taxa de juros, além de ser um remédio que não cura a doença, ainda gera outras.
Das lideranças nacionais tucanas, Fernando Henrique é o único a ser poupado. Não menciona nenhum deles, mas faz críticas nitidamente endereçadas. Se o senador mineiro entra na roda pela pauta autista no Congresso, o ex-governador paulista foi a cabeça de uma campanha que, ao privilegiar os rumos da fé cristã ou do aborto, desperdiçou a oportunidade de discutir a política anti-inflacionária ou o subfinanciamento do SUS.
Ao reafirmar suas convicções em defesa da meritocracia na gestão pública contrapõe-se a outro tucano, o governador paulista, Geraldo Alckmin, que começa a rever a bonificação de professores por desempenho dos alunos. Em Pernambuco, além de estar mantida para a educação, a bonificação se estende para a segurança pública, a arrecadação fazendária e a gestão.
Não acredita que a crise do PSDB seja suficiente para tirá-los do jogo em 2014, tanto pela estrutura nacional do partido quanto pelo número de governadores em Estados relevantes de que dispõe. Mas diz que a próxima eleição é jogo jogado. Se Dilma, favorita à reeleição, não quiser ficar no páreo, é Lula quem volta.
O jogo que está em campo, portanto, é o de 2018. Para esfriar as especulações em torno de seu futuro eleitoral já assumiu o compromisso de não se candidatar a nada em 2014. Mas parece claro que o jogo do PSB é o de comer o PSDB pelas bordas.
O maior indício disso é o surgimento do PSD. Poucos acompanharam tão de perto as negociações para o surgimento desse novo partido. O que o prefeito de São Paulo queria de início era uma fusão. Quando as lideranças do PSB viram a enxurrada que estava por vir das franjas do sistema partidário é que a negociação rumou para a criação de um novo partido.
Campos diz que o PSD possibilita o reagrupamento do conjunto de forças, que na desmontagem da ditadura, resultou no PDS. São forças que, a despeito da convergência na visão de país, trajetória e prática política, têm como principal amálgama a necessidade de pertencer a uma base de governo.
Pelo quadro de filiações que está se configurando uma aliança com o PSD é estratégica para um PSB com projeto de poder. A força do partido de Eduardo Campos está no Nordeste, região de quatro de seus seis governadores. Pois o PSD, além de filiar o governador do Amazonas, vai nascendo forte no Centro-Sul, onde o projeto é liderado pelo governador de Santa Catarina e ruma para abarcar o PP gaúcho, segundo maior força política do Estado.
Em São Paulo o polo é Kassab e o projeto da aliança é quebrar a polarização PT x PSDB no seu berço, sob os auspícios de Lula e Dilma. Sem Gabriel Chalita e Paulo Skaf, o PSB entra mais facilmente na órbita do prefeito para a sucessão municipal. A opção por um nome como o secretário de Meio Ambiente, Eduardo Jorge, azeitaria a aliança. Além de ex-colaborador da deputada Luiza Erundina, Jorge não é visto como uma ameaça a um candidato do PT, que continua a ser o principal aliado nacional do PSB e passará a ser, também, do PSD.
O movimento indica que Campos percebeu cedo que, para ter perspectiva de poder o PSB não poderia se restringir aos seus aliados históricos de esquerda. O PSD está para seu futuro político como o PFL esteve para o de Fernando Henrique Cardoso, e o PMDB, ainda que tardiamente, para o de Lula.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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