sexta-feira, 20 de maio de 2011

Em busca de discrição:: Maria Cristina Fernandes

Ele tinha avisado que buscaria ser discreto. Desde a posse fez apenas dois discursos e não deu uma única entrevista para publicação.

Mais do que uma opção, uma atuação discreta era a única saída para a sobrevivência do ministro-chefe da Casa Civil num cargo cujo prestígio se equipara às controvérsias que acumulou em sua vida pública.

A absolvição pela mais alta Corte do país da suspeita de quebra de sigilo de um caseiro reabilitou Antonio Palocci para a cena política, mas não lhe devolveu as chances de disputar cargos sujeitos ao escrutínio da maioria.

Um grande banqueiro uma vez o definiu como "um craque a quem faltou amigo para lhe dizer o que não devia fazer". Se clientes parece ter tido de sobra, amigos continuam fazendo falta na vida do ministro.

Palocci demonstra ser incapaz de discernir sozinho o conteúdo autoincriminatório da nota produzida em sua defesa. O mercado, todos sabem, dá enorme valor a egressos de postos-chave da administração pública. O consultor em questão, além da experiência prévia, estava no exercício do mandato de deputado federal como relator do projeto do fundo social do pré-sal e da renovação da CPMF, presidente da comissão da reforma tributária e integrante da comissão de orçamento.

A grife Palocci foi estratégica ao financiamento do PT

Como os consultores também são pagos para prever o futuro, os clientes foram acrescidos de uma garantia a mais de bom investimento: o contratado, além da proximidade com o presidente de plantão, passou a ser um dos principais coordenadores da campanha da candidata à sucessão.

Pelo trânsito que sempre desfrutou junto ao meio financeiro e empresarial, iniciado pelo agronegócio desde os tempos de prefeito de Ribeirão Preto, a grife Palocci sempre foi estratégica para o financiamento eleitoral do PT.

Isso ajuda a entender uma nota que parece injustificável: ou se está em busca da cumplicidade de clientes e colegas do ramo ou a consultoria foi um negócio secundário nas atividades de um homem de partido na entressafra de duas eleições petistas.

A nota, explicou-se depois, deveria servir de subsídio à defesa dos seus aliados no Congresso e não foi produzida para o público. O PT entendeu o recado e saiu em sua defesa. Mas da base como um todo a resposta não poderia ser outra senão a afoiteza pela votação do Código Florestal cuja resistência à maioria ruralista estava sendo capitaneada pelo neo-ambientalista Palocci.

Chamar de chantagem a avidez com que a base rejeitou a convocação de Palocci e apressou-se a dar como certo o acordo para a votação do Código Florestal é um simplismo que não cabe na complexa equação do governo petista.

Este é o governo de mais ampla base parlamentar que a redemocratização já produziu. Com a adesão do futuro PSD, as legendas governistas da base que não detêm ministérios somarão uma dezena.

É Palocci que tem a missão impossível de acomodar interesses tão diversos no governo Dilma Rousseff e em sua pauta legislativa. Quanto mais tímida for a pauta, menos interesses terá que acomodar.

Dilma acentuou o viés pouco reformista do mandato pós-mensalão da gestão Luiz Inácio Lula da Silva. As votações de maior repercussão dos anos lulistas, como a reforma da Previdência e a Lei de falências, se deram no primeiro mandato lulista. A desarticulação maioria parlamentar do segundo mandato foi tamanha que o cadastro positivo, aprovado no final de seu oitavo ano de governo com emendas de deputados e senadores que se contradiziam, levou ao veto presidencial. O tema voltaria à pauta no governo Dilma sob a forma de medida provisória já aprovada.

Dilma estreou com a estratégia de transformar os projetos de sua iniciativa em marco regulatório que não precise ser chancelado a cada ano pelo Congresso. Fez isso com o salário mínimo e pretende repetir a dose com a correção da tabela do imposto de renda.

É essa a lógica que está presidindo a elaboração de uma reforma tributária fatiada e infraconstitucional. O plano de combate à miséria, outra de suas prioridades, não passa pelo Congresso.

O Código Florestal já estava em pauta quando Dilma assumiu. E ao governo não restou outra alternativa senão tentar protelá-lo para negociar um texto que rime melhor com a imagem que a presidente quer projetar do Brasil no exterior.

No front parlamentar, a votação do Código Florestal num contexto de enfraquecimento político de Palocci expõe os limites da estratégia de Dilma para lidar com essa base ampliada sem abrir mão das políticas prioritárias de sua gestão.

Nas disputas internas do governo, por outro lado, um Palocci mais combalido, tende a dar sobrevida ao pacto social embutido numa política monetária menos dependente de juros para combater a inflação.

Ainda que não tenha ingerência direta sobre a política econômica, Palocci hoje é o canal mais azeitado dos queixumes do setor financeiro em relação a um Banco Central que acumulou ruídos na comunicação de sua política gradualista ao mercado.

No primeiro pronunciamento que fez ao tomar posse como ministro, disse que a Casa Civil havia se desincumbido do PAC e do Minha Casa Minha Vida para atuar exclusivamente como órgão auxiliar da Presidência da República. E avisou aos jornalistas que ficaria longe dos holofotes. O que não significa que tenha se afastado do exercício de produzir acordes dissonantes à afinação entre Fazenda e BC.

Quatro meses depois, essa resistência ganharia corpo, pela primeira vez publicamente, no Conselhão. Em discurso bem pesado e medido, Palocci chamaria atenção para os riscos de o crescimento provocar desequilíbrios e ressaltaria, em frases seguidas, o combate à inflação como prioridade do governo.

Mas a manifestação de uma posição dissonante que possa vir a ter no governo não constitui prova de tráfico de influência.

Se o fogo é amigo, não tem uma oposição para alimentá-lo. Nem na política monetária, nem no Código Florestal. Requerimento assinado pelo DEM na Câmara ontem levanta suspeitas sobre lavagem de dinheiro que poderia levar a sobras de campanha. Corre o risco de o partido acabar antes de o requerimento ser aprovado.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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