sexta-feira, 20 de maio de 2011

Bem-vinda mudança de discurso:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

"A inflação brasileira está sendo afetada pelo mercado de trabalho apertado e pelo setor de serviços. Mercados emergentes com as economias aquecidas, como Brasil, Índia e China, correm o risco de ter a inflação provocada pelo aumento dos preços das commodities espalhando-se por outras áreas."

Fiquei surpreso com essas declarações do ministro Mantega ao navegar na internet ontem pela manhã, como faço todos os dias. Como sabe o leitor da Folha, há algum tempo tenho feito essa mesma leitura da inflação brasileira. Finalmente, parece que o ministro da Fazenda deixou de lado seu discurso de que a aceleração da inflação, neste início do governo da presidente Dilma, devia-se apenas a fatores externos, principalmente o aumento dos preços em dólares dos produtos primários.

O fato de reconhecer que as condições do mercado de trabalho e o descompasso entre demanda e oferta no setor de serviços também estão afetando a dinâmica da inflação é um grande e desejável passo do ministro. Parece-me ser crível que essa mudança de posição seja também endossada pela presidente Dilma, o que aumenta o espaço para que a inflação seja combatida como se deve daqui para a frente.

Para ficar ainda mais confiante nessas afirmações, gostaria de ouvir, das vozes mais representativas do Palácio do Planalto, o reconhecimento de que o crescimento da economia vai ter de ser reduzido dos níveis atuais. Mas temo que isso seria exigir demais de um governo do PT.

O Banco Central divulgou nesta semana sua projeção de crescimento do PIB no mês de março passado, o que permitiu aos analistas estimar, para o primeiro trimestre do ano, aumento da ordem de 6,5% e reforçou as apostas de crescimento de 4,5% para 2011.

Esse cenário é totalmente incompatível com a estratégia de trazer a inflação para o centro da meta do Copom ao longo de 2012 com gradualismo e sem matar a galinha dos ovos de ouro do consumo, para usar uma imagem do próprio ministro Mantega.

Para que essa convergência ocorra, será preciso esfriar ainda mais a economia, fazendo com que a demanda e a oferta em mercados importantes se aproximem e reduzam o poder de preços dos agentes econômicos.

Nos próximos dois ou três meses, os índices de inflação serão influenciados pela queda vigorosa dos preços de produtos importantes, como alimentos, álcool e gasolina.

Para junho e julho estão previstas taxas de inflação bastante baixas, negativas até se nada atrapalhar o comportamento da natureza nesse período. Mas, passado esse período de bonança consentida, as taxas de inflação vão voltar a se acelerar e as projeções que o mercado vai construir para 2012 podem deixar o BC -e o Copom- em saia justa.

Aparentemente, toda a equipe do governo -como fez o ministro Mantega- está mais atenta às verdadeiras causas do aumento da inflação e à necessidade de uma ação mais efetiva.

O próprio BC vem emitindo sinais de que pode levar o processo de aumento dos juros mais longe do que havia previsto no começo do ano. O reconhecimento das causas internas da inflação é um passo importante na direção de seu enfrentamento exitoso, mas não é tudo.

O sucesso vai estar associado também às doses dos instrumentos que serão usados para desaquecer a economia, enquanto os investimentos e a mobilização de novos contingentes de trabalhadores maturam. Como tenho dito, não serão as gotinhas de Weleda -nome carinhoso que tenho dado para as chamadas medidas macroprudenciais- que nos farão chegar a 2012 com um quadro mais equilibrado de oferta e de procura nos mercados não afetados por importações.

Será preciso reforçar ainda mais o controle da expansão do crédito ao consumo, pois, em um ambiente de crescimento dos salários e do emprego, ajudado ainda pela megacorreção do salário mínimo do próximo ano, essa pode ser uma alavanca muito poderosa de crescimento.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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