A Espanha faz amanhã eleições autonômicas e municipais. O partido que governa o país desde 2004 (PSOE, Partido Socialista Operário Espanhol) vai tomar uma baita surra, a julgar por todas as pesquisas.
Mas essa não é a notícia. Notícia é exatamente o oposto: o nascimento, uma semana antes da votação, de um movimento que não acredita que eleições possam mudar as coisas e fazer cessar as causas pelas quais se dizem indignados (um dos nomes do movimento, também chamado de 15M, pela data em que nasceu, ou "Democracia Real Já").
A moçada (58% têm até 35 anos) ocupa as principais praças de 60 cidades espanholas e 14 no exterior, inclusive a vizinha Buenos Aires. Hoje haverá ato em frente ao consulado espanhol em São Paulo.
O movimento de massas chocou todo o establishment, de partidos políticos à mídia, passando pelos sindicatos e pelas ONGs.
Natural: é uma reprodução das rebeliões nos países árabes (inspiração não negada pelos organizadores), mas que ocorre em um dos países mais democráticos do planeta, com amplo espaço para reivindicações, protestos e com um calendário inabalável de eleições, o modo convencional de mudar políticas. O problema está justamente aí: o modo convencional não está funcionando, como o indica o nome oficial do movimento ("Democracia Real Já").
Desconfiança que vem de longe, como explica o assessor de comunicação Antoni Gutiérrez-Rubí, em artigo para "El Pais": "Três de cada quatro cidadãos têm opinião negativa ou muito negativa dos partidos e dos políticos" (agentes óbvios de qualquer democracia). Mais: "Ocupados com o poder -em mantê-lo ou conquistá-lo- renunciaram, demasiadas vezes, à legitimidade das ideias". (Você tem alguma dúvida de que ambas as frases se aplicam, na integralidade, ao Brasil?).
Da desconfiança em relação aos partidos diz bem um dos cânticos das praças de Espanha, uma nova versão para o clássico de esquerda "o povo unido jamais será vencido". Cantam agora "o povo unido funciona sem partidos". (Ouvir-se-á no Brasil em algum momento?).
Que há um ar de esquerda nos acampamentos montados em toda a Espanha, parece inegável.
Mas, escreve para o "Guardian" o jornalista Miguel-Anxo Murado, o movimento "em última análise representa a frustração daqueles que veem que, votem como votem, as políticas econômicas são ditadas pelos mercados".
(No Brasil de 2002/03, votou-se por Lula mas governou-se com políticas aprovadas pelos mercados. Deu certo, é verdade, mas dava certo também na Espanha, tanto que o PSOE ganhou a reeleição em 2008, ano em que a crise eclodiu e devastou o país, vítima hoje de obscenos 20% de desemprego).
Convém lembrar que, além das revoltas árabes, também em Portugal e na Grécia, há protestos nascidos longe dos canais usuais (partidos, ONGs, sindicatos).
É cedo para dizer se esses movimentos algo anárquicos terão permanência ou serão apenas um "happening" meio indignado, meio festivo. Mas que são um sopro de ar fresco, é inegável, de que dá prova um dos cartazes vistos na "Puerta del Sol" de Madri: "Abram o cérebro tão frequentemente como o zíper da calça" (não parece alusão ao episódio Strauss-Khan).
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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