Entre os sinais de que o governo já precificou a saída do ministro chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, a decisão de se iniciar a agenda positiva pela privatização dos aeroportos talvez seja a mais simbólica.
Sua condição de fiador da chamada racionalidade do mercado é parte do tripé com que se sustenta na Casa Civil. Pois se ainda havia alguma desconfiança em relação às convicções de Dilma Rousseff sobre o papel do Estado na economia, a despeito de seu protagonismo na modelagem da concessão das hidrelétricas e rodovias no governo anterior, a presidente tratou de dissipá-la.
O temor de que as obras da Copa não fiquem prontas a tempo, para o regozijo dos contratados, tem inundado o meio político de boatos absurdos como o de que o Brasil devolveria o direito de sediar o evento. E pode, sim, ter sido o motor da decisão, quase um ano depois de ter sido adiada pelos danos ao discurso eleitoral petista de que o PSDB vendeu sua alma ao diabo com as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso.
Feito no momento em que Palocci está com um pé fora do governo o anúncio das privatizações reveste-se da carga simbólica de uma presidente em luta contra a ideia de que exerce o cargo sob tutela.
Sobrevida de Palocci deixa o governo sob o risco de paralisia
Visto que não há muito mais o que fazer contra as renitentes e cada vez mais infundadas desconfianças em relação a seu compromisso contra a inflação, a privatização dos aeroportos cumpre o papel de dissipar a ideia de que suas convicções carecem de tutela. Cumpre também a missão de apaziguar setores que, privados de seu principal informante e alarmados pela pouca transparência com que é tratada a saúde da presidente, temem seriamente pelo futuro do governo.
Dilma pode ter mais facilidade em impor suas convicções sobre a relação do Estado com o mercado do que livrar-se da imagem de que é tutelada na condução política de seu governo.
O entorno da presidente divulgou a versão de que Lula não agiu a pedido de Dilma para debelar a crise. Supondo que a ausência de um pedido proceda, ultrapassa qualquer fronteira do bom senso imaginar que o ex-presidente fez e desfez em Brasília na semana passada à revelia de sua sucessora.
O que a cortina de fumaça revela é que Dilma descredencia o esforço de Lula para manter um de seus prepostos no governo. E isso revela que a segunda perna do tripé que sustenta Palocci, o respaldo do ex-presidente, também está trincada.
Resta o trânsito do ministro tanto nos partidos da base aliada quanto naqueles de oposição como o terceiro de seus pilares. A crise demonstrou que a capacidade de articulação política de Palocci, cantada em verso e prosa à época de sua nomeação, mostrou-se falsa como uma nota de R$ 20 milhões.
Desde que substituiu Celso Daniel na coordenação da campanha de Lula em 2002, Palocci firmou sua reputação política impondo-se de fora para dentro. Sempre se valeu de suas excelentes conexões no topo do mercado e na chefia das redações para se impor à política.
Durante o ostracismo imposto pela quebra do sigilo de Francenildo Costa, Palocci não perdeu sua patronagem financeira e tratou de reconstruir suas pontes na imprensa. E, pela primeira vez, foi ao PT à cata de respaldo para sua volta ao primeiro time da política. Conquistou o apoio de parte dos paulistas do partido, dividindo setores ligados ao sindicalismo.
Essa divisão não tardou a aparecer quando ficou claro que uma parte significativa dos ganhos da consultoria de Palocci se deu no final do período eleitoral. Agora até José Dirceu virou paradigma da moralidade petista. É apontado por correligionários de ter sido, na cabeça do mensalão, o responsável pela distribuição de recursos e não por sua acumulação, além de ter enriquecido fora do Executivo e do Legislativo, ao contrário do atual ministro.
No exercício do cargo, Palocci acumulou a Casa Civil com a condição de líder da bancada de oposição à política econômica da qual, dentro do governo, era o único representante.
Na gerência da distribuição de cargos queimou o patrimônio político que havia reconquistado para alcançar a Casa Civil. E não apenas pela dificuldade inerente à conciliação entre as diretrizes da presidente e a amplitude de sua base aliada. A contar pelo acúmulo de queixas, o ministro também parece menosprezar a micropolítica.
Foi dela que veio o susto na Comissão de Agricultura da Câmara. Não foi o noticiário da semana, pobre em novos detalhes sobre sua evolução patrimonial, que complicou a situação de Palocci, mas a política.
Das 20 comissões permanentes da Câmara, a da Agricultura é uma das duas presididas pelo DEM. A outra é a Segurança Pública. É comandada pelos mesmos interesses que impuseram a derrota do governo no Código Florestal. Mas ao contrário daquele projeto, em que estava em pauta a plataforma eleitoral de muitos dos parlamentares, a votação do requerimento de convocação apenas mediu a disposição dos parlamentares em blindar ou não o ministro mais poderoso do governo.
Soa implausível a argumentação de que a concomitância da reunião do Conselho Político tenha desmobilizado as lideranças para defender o governo nas comissões. Com uma base amplíssima e a estrutura de vice-líderes partidários e de governo de que dispõe, teria sido possível montar guarda nas comissões se assim tivesse sido determinado.
A comissão tem 40 integrantes, sendo 28 aliados e 12 da oposição. Os governistas compareceram em peso. Dos 32 que registraram presença em ata, 81% eram da base e apenas 58% oposicionistas.
Foi o DEM, partido condenado à inanição pelo PSD, que coordenou a derrota do governo. O partido conseguiu, no mínimo, impor ao PT o desgaste de ter que colocar o presidente da Câmara na contingência de anular a sessão sob alegação de esta foi conduzida de maneira irregular.
A próxima batalha é a do rito das MPs. Haja visto o recurso abundante de que se vale o governo de pendurar de usinas nucleares a bolsas estudantis num mesmo texto, é nesse embate que será testada a disposição de Dilma de salvar Palocci e deixar o governo sob o risco de paralisia.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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