sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sim, é possível:: Míriam Leitão

O Brasil pode eliminar a extrema miséria, está dentro do horizonte das nossas possibilidades. Depois dos avanços que começaram na estabilização da moeda nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique, continuaram com os programas sociais e crescimento no governo Lula, é desejável e possível dar o passo seguinte. O governo Dilma está no começo e deve mesmo ter essa meta.

O programa lançado ontem é menos ambicioso do que o nome diz. As estatísticas são conhecidas, há 16 milhões de brasileiros extremamente pobres. Há um número de corte, tão arbitrário quanto qualquer outro: R$70 de renda familiar per capita. Qualquer pessoa sabe que isso não é suficiente para garantir o mínimo. De início, parece mais uma ampliação do Bolsa Família do que um novo programa com um nome tão amplo como "Brasil sem miséria". Como o objetivo inicial é incluir mais 800 mil famílias no Bolsa Família, a rede de proteção social atingirá entre três milhões a quatro milhões dos 16 milhões. Não é, portanto, a erradicação da miséria.

Para quem teme que a ampliação do número de filhos que podem ser incluídos no programa produza o risco de uma explosão demográfica, aqui vai um dado do último Censo. Entre 2000 e 2010 o número de brasileiros com menos de 14 anos caiu em cinco milhões. Em todas as classes sociais as brasileiras estão tendo menos filhos. Dos brasileiros na pobreza, como a ministra Teresa Campelo mostrou ontem, 40% têm menos de 14 anos. As crianças é que estão mais expostas à pobreza. O melhor que a sociedade tem a fazer com elas é alimentá-las e, sobretudo, educá-las.

Mas atenção: nenhuma rede de proteção social será boa o suficiente se o Brasil não fizer mais esforços na educação. Só na escola é possível quebrar-se definitivamente a cadeia de reprodução da pobreza. É a única chance, não há outra. A rede de proteção faz o primeiro socorro; a educação resgata e promove. O investimento em melhoria da educação pública é absolutamente fundamental para que esse não seja mais um programa assistencialista.

Está certa a presidente Dilma em dizer que é o Estado que tem que ir atrás dos pobres; e não os pobres atrás do Estado. É função de quem recolhe os impostos - e como são altos! - dos cidadãos e os distribui encontrar os despossuídos. Mas quanto mais pobre mais difícil de ser encontrado, porque eles sequer sabem dos seus direitos e muitas vezes não têm documentos ou não foram registrados. Não é uma tarefa fácil e os riscos de exploração política são imensos. O benefício terá mais qualidade se for apresentado e entendido com direito dos cidadãos e não benemerência da mãe ou do pai da pátria. O benefício terá mais qualidade se for entregue com plataforma de ascensão social dos atendidos.

O programa foi apresentado na data de ontem por uma estratégia de marketing. O que querem os comunicadores do governo é atender à ordem do ex-presidente Lula de iniciar a divulgação de uma agenda positiva. Espera-se no entanto que tenha sido já bem formatado. Será um desperdício de uma excelente ideia se o programa tiver sido apressado por exigências criadas pela crise política que se abateu sobre o governo, enfraqueceu o ministro mais forte, rachou a base e expôs a ascendência que Lula ainda tem sobre todos e todas. A proposta de aumentar o esforço para enfrentar a miséria é tão sedutora, que o melhor é apostar que nada tenha sido feito apenas para que o governo tenha espaço nas boas notícias.

Tudo vai depender evidentemente da execução, gerenciamento, capacidade de tornar programas pensados em gabinetes em fatos reais na vida dos brasileiros. O país já desenvolveu tecnologia de distribuição de bolsas aos mais pobres e já sabe até o que não fazer. É preciso ter cadastro, ter sistema de avaliação, ter estratégia de saída, ter programas complementares e ter contrapartidas do beneficiado em manter as crianças na escola. Só assim a bolsa não será apenas e meramente uma distribuição de dinheiro. Tomara que o governo tenha aprendido com os erros recentes de programas sociais semelhantes.

Há outros programas com finalidades diferentes incluídos no mesmo lançamento de ontem, como o Bolsa Verde. Também só será bem sucedido se não for mais uma distribuição de dinheiro e sim incentivo à produção. Nada é fácil nesse campo. A maior parte dos sete milhões de miseráveis brasileiros da área rural está no Nordeste. Lá é o núcleo duro da extrema pobreza brasileira. Eles estão em áreas muitas vezes impróprias para a agricultura. É o semiárido nordestino que enfrenta inclusive sérios riscos de desertificação com a mudança climática. Se estiverem em área que possa ser transformada em produtiva, eles precisarão mais do que a Bolsa Verde: precisam de sementes, técnicas, água, implementos e inclusão na rede de comercialização.

O Brasil está num nível de desenvolvimento que permite que ele alimente a ambição de erradicar a extrema pobreza. Será melhor para a economia e para a democracia brasileira se perseguirmos essa meta. Portanto, longa vida ao Plano Brasil sem Miséria; e que ele consiga fugir da tentação da demagogia e ser de fato o que merecemos que ele seja.

FONTE: O GLOBO

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