O comissariado perdeu a capacidade de discutir políticas públicas e um bom exemplo está na saúde
A nação petista e o governo da doutora Dilma padecem de exaustão intelectual. Não se trata apenas de desarticulação política, é sobretudo a incapacidade de justificar racionalmente suas posições. Juntam-se meia dúzia de pessoas no Planalto, trocam ideias (se é que são ideias) e tomam decisões desconexas, inexplicáveis. Aqui vai um exemplo.
No dia 27 de maio do ano passado, quando as pesquisas eleitorais informavam que Dilma Rousseff disputava a liderança na campanha presidencial, ela foi ao Congresso de Secretarias Municipais de Saúde, na cidade gaúcha de Gramado, e prometeu "tomar iniciativas logo no início do mandato para regulamentar a Emenda Constitucional 29". Tratava-se de dar vida a um dispositivo que fixa o piso dos gastos da União, Estados e municípios com a saúde pública. Faz 11 anos que a emenda foi aprovada, mas por falta de regulamentação gerou um carnaval.
As repórteres Daniela Lima e Mariana Schreiber mostraram que 12 Estados fingem que aplicam na saúde os 12% determinados pela lei. Entre 2004 e 2008 inflaram suas contas maquiando algo como R$ 11,6 bilhões, dinheiro suficiente para manter por um ano 13 ambulâncias do Samu em cada um dos 5,5 mil municípios do país. Em Minas Gerais carimbaram como investimento em saúde despesas com a construção de casas para funcionários da Assembleia Legislativa. No Rio Grande do Sul, a saúde custeou um programa de prevenção da violência.
Quando o presidente da Câmara, deputado Marco Maia, anunciou sua disposição de votar a regulamentação da emenda, pensou-se que isso poderia ocorrer ainda neste mês. Se alguém objetasse, seria razoável que pusesse a cara na vitrine, até porque o assunto está na gaveta desde o tempo de FHC, Bill Clinton e João Paulo 2º. Nada.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, fez saber a um grupo de parlamentares com quem jantou que o governo teme que o Senado ressuscite o texto apresentado pelo companheiro Tião Viana (PT-AC). Ele propôs que o piso seja fixado em 10% da arrecadação federal, o que significaria R$ 120 bilhões. Atualmente a Viúva federal gasta R$ 70 bilhões, e o governo prefere fazer o cálculo sobre a receita líquida, o que levaria a conta para R$ 80 bilhões.
É possível que Tião Viana esteja errado, mas esse tipo de nó não se desata em jantares, até porque ao longo dos últimos 11 anos os ministros da Saúde jantaram 4.015 vezes.
É comum que os governos não façam o que devem. A exaustão intelectual petista diante da agenda de saúde pública é mais que isso. Trata-se de não fazer nada e de não discutir coisa alguma, nem para dizer que a proposta de Tião Viana era ótima, para o governo dos outros.
PRECAUÇÃO
Por mais astuciosa que tenha sido a iniciativa dos sábios do governo colaborando com a implosão dos cleptoaliados do Ministério dos Transportes, ela foi provocada por um receio de incêndio iminente.
Chegou ao conhecimento do alto comissariado que a Polícia Federal estava prestes a desencadear uma operação pública que incluiria a busca e apreensão de documentos nos gabinetes ou mesmo nas casas dos envolvidos. A investigação da PF prossegue.
OS NERVOS DE TEMER
Às 20h da sexta-feira, dia 1º, o vice-presidente Michel Temer (secretário de Segurança de São Paulo em duas ocasiões) ia no banco de trás de seu automóvel quando o trânsito parou e um segurança percebeu que um cidadão saltara do veículo ao lado, empunhando uma arma.
Ele conseguiu abrir a porta do motorista e ameaçou-o com o revólver. Estavam na avenida Cidade Jardim, em São Paulo.
Na cabeça de Temer, rodou a seguinte cena: o sujeito atira, os seguranças atiram nele. Policiais que estejam por perto atiram em todos. Ficou no susto. Os seguranças imobilizaram o assaltante e o revólver era de brinquedo.
Para quem lida com Temer: na semana seguinte ele narrou o caso a menos de dez pessoas, sem qualquer emoção ou adjetivo.
GATOS
Uma expressão do gosto do presidente Itamar Franco poderia ser ressuscitada pela doutora Dilma. Quando ele via alguma coisa esquisita num papel que lhe levavam, avisava que não o assinaria e explicava com apenas quatro palavras: "Tem gato na tuba."
Poupou a Viúva de muitos dissabores.
CONTÁTICA
Marina Silva fez muito bem ao fugir do PV e está inteiramente certa ao pedir que os partidos políticos mudem suas práticas, mas quando ela se filiou aos verdes (pouco a ver com a cor da ecologia) sabia em que cumbuca estava botando sua biografia.
Para que sua "sonhática" prospere, seria necessário associá-la à "contática", pela qual conta-se o que se vê.
BOA LEITURA
Os comissários de obras públicas e os grandes empreiteiros de Pindorama poderiam fazer circular nas suas diretorias um livro que acaba de sair nos Estados Unidos. Chama-se "Railroaded". Conta a história da construção de suas ferrovias transcontinentais, na segunda metade do século 19, e foi escrito por Richard White, professor de Stanford (universidade criada por um dos grandes larápios da festa ferroviária).
É uma crítica devastadora de uma iniciativa habitualmente apresentada como alavanca do progresso do país. Deixando-se de lado o estudo do uso do dinheiro público e as fraudes, "Railroaded" vale como lição, mostrando como quatro grandes empresários criaram um sistema corrupto que deu origem ao que hoje se chama de lobby e acabaram criando custos que inviabilizaram seus negócios, produzindo corporações ineficientes e disfuncionais. As ferrovias faliram e a festa contribuiu para levar a dívida pública americana de US$ 65 milhões para US$ 2,7 bilhões em apenas seis anos, jogando o país em três crises econômicas.
Um consolo para os donos das empreiteiras: nenhum morreu pobre, mas todos os governos que se meteram com eles acabaram tisnados. Até o de Abraham Lincoln.
O e-book de "Railroaded" está na rede por US$ 19,95.
O VÍRUS DO KREMLIN CONTAMINOU O PLANALTO
A postergação dos efeitos da Emenda 29 é apenas um indicador de que o governo perdeu a capacidade de discutir sua política de saúde. A exaustão intelectual vai além. Quando um governo sonda Blairo Maggi para o ministério ao mesmo tempo em que manifesta sua "confiança" em Alfredo Nascimento, o problema não está na bagunça, mas na incapacidade de explicar e discutir o que faz. Essa onipotência inócua, instalada no Kremlin, destruiu um dos grandes impérios do século passado. O PT quer fazer crer que seus cleptoconsórcios têm a ver com o sistema político nacional. Sistemas políticos não geram larápios. Eles são produto da tolerância e da impunidade. Pode-se dizer tudo da doutora Dilma Rousseff, menos que ela não sabe, há tempo, o que acontece com as obras do Dnit, dos estádios, das ferrovias e com as concessões de energia. Seria demais pedir aos companheiros que transformassem o país num grande inquérito policial.
Pede-se apenas que parem de tratar a plateia como se ela fosse uma récova de asnos.
FONTE: O GLOBO
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