domingo, 10 de julho de 2011

Estatal das ferrovias acumula denúncias

Controlada desde 2003 pelo PR, partido que foi pivô da última crise do governo Dilma, a Valec – estatal responsável pelas ferrovias – acumula denúncias de irregularidades. Um exemplo é a Ferrovia Norte-Sul. A obra do PAC tocada pela Valec recebeu nos últimos quatro anos R$ 4,7 bilhões, mas, no trecho entre Aguiarnópolis (MA) e Anápolis (GO), cada quilômetro custou quase 17% acima do valor de mercado. Em 2010, o TCU analisou 11 contratos da ferrovia – todos com sinais de sobrepreço. Os problemas cresceram na gestão de José Francisco das Neves, demitido junto com a cúpula dos Transportes

Estatal de ferrovias opera nos trilhos das irregularidades

Problemas se multiplicaram na gestão de Juquinha, demitido no escândalo dos Transportes

Regina Alvarez e Roberto Maltchik

A Valec, empresa responsável pelas ferrovias no governo federal, é uma fábrica de irregularidades e exemplo de má gestão. Os problemas são antigos, mas se agravaram na vigência do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), quando a empresa teve seu orçamento multiplicado por quatro. A Ferrovia Norte-Sul, obra mais robusta tocada pela Valec, recebeu nos últimos quatro anos R$4,7 bilhões dos cofres públicos, aplicados na construção de um trecho de 1.358 quilômetros, entre Aguiarnópolis (MA) e Anápolis (GO). Cada quilômetro custou R$3,5 milhões, em média, quase 17% acima do valor médio estimado pelo mercado - R$3 milhões.

Um exame em auditorias feitas pela Controladoria Geral da União (CGU) nas contas da empresa e em acórdãos do Tribunal de Contas da União (TCU) evidencia que as falhas na administração e as irregularidades nas obras da Valec se multiplicaram na gestão de José Francisco das Neves, o Juquinha, que assumiu a presidência da empresa em abril de 2003. Mas ele se manteve no cargo até estourar o escândalo que derrubou toda a cúpula do Ministério dos Transportes, na semana passada.

Juquinha tinha como padrinho o deputado Valdemar Costa Neto (SP), cacique do PR, e contava também com o apoio do ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, para quem eram encaminhados relatórios dos órgãos de controle interno e externo apontando as irregularidades e desmandos administrativos na Valec.

No comando da empresa, Juquinha se empenhou para acelerar o ritmo das obras da Norte-Sul em Goiás, seu estado natal, onde consolidou forte atuação política enquanto presidia a Valec. Quando a ferrovia chegou a Goiás, aprovou a nota técnica 03/2009, que permitiu à Valec firmar termo aditivo ao contrato 14/2006, garantindo acréscimo superior a 25% (limite permitido na lei das licitações) no valor para um trecho de só 12 quilômetros, que passou a custar R$84,9 milhões.

Esse acréscimo chamou a atenção do TCU, e a auditoria identificou graves irregularidades no contrato, com indícios de superfaturamento e sobrepreço. A obra foi paralisada. Hoje, esse trecho inconcluso impede que o trecho norte da estrada de ferro entre em operação. Na auditoria, os técnicos do TCU analisaram sete outros contratos, todos com indícios de sobrepreço.

As irregularidades nos contratos - sobrepreço, superfaturamento e pagamentos indevidos às empreiteiras - estão presentes em praticamente todos os trechos da Ferrovia Norte-Sul construídos na vigência do PAC.

Em 2010, em um único acórdão, o TCU analisou 11 contratos relativos ao trecho de 504 quilômetros, entre Aguiarnópolis e Palmas, em Tocantins. Em todos encontrou indícios de sobrepreço. Em seis, o tribunal recomendou a abertura de Tomada de Contas Especial, a partir de suspeitas de superfaturamento e de pagamentos indevidos às empreiteiras.

Em um dos contratos, firmado com a Odebrecht, os auditores encontraram fortes indícios de sobrepreço no montante de R$36,5 milhões para a manutenção de canteiros de obras no lote nove da ferrovia. Apesar das contestações da empreiteira, que nega as irregularidades, as suspeitas obrigaram a Valec a rescindir o contrato, reter novos pagamentos e entregar o serviço para outra construtora.

Em auditoria aprovada em setembro passado, o TCU identificou irregularidades com dano potencial ao erário de R$69,7 milhões em sete contratos com cinco empreiteiras diferentes, no trecho de 280 quilômetros entre Anápolis (GO) e Uruaçu (GO). Por isso, determinou a retenção cautelar de novos recursos às construtoras.
Essa é apenas uma amostra da quantidade de indícios de irregularidades apontadas no histórico da bilionária obra, alvo da cobiça de políticos e empreiteiros. Nos últimos dois anos, o TCU aprovou pelo menos 15 acórdãos nos quais expõe uma lista de trechos superfaturados ou com contratos inflados, que determinaram atrasos, processos administrativos e investigações criminais.

Em cada trecho, uma suspeita

Em cada trecho surge uma suspeita diferente. Entre Santa Isabel e Uruaçu, a Polícia Federal investiga indícios de superfaturamento de R$71,1 milhões. As principais irregularidades teriam ocorrido nos serviços de terraplanagem, apontados pelos técnicos do tribunal como os mais difíceis de detectar desvios. O próprio TCU já recomendou à Valec a adoção de novos mecanismos de qualificação do terreno, antes do início dos trabalhos.

As auditorias da CGU nas contas da Valec mostram falhas na gestão da obra anteriores ao PAC. Em 2005, dois aditivos foram aprovados em um contrato de 2002 com a empresa SPA Engenharia, sem autorização do Conselho de Administração da Valec.

Os aditivos irregulares, que só foram submetidos ao Conselho oito meses depois de aprovados, ampliaram em R$21,5 milhões o valor original, de R$119,4 milhões. A SPA é a empreiteira que mais recebeu recursos da Valec na vigência do PAC. De 2007 até junho deste ano, abocanhou R$1,2 bilhão em contratos da Norte-Sul.

Algumas conclusões da auditoria que analisou as contas de 2009 da Valec dão o tom do descontrole e da incapacidade para gerir obras sob sua responsabilidade: "A precariedade no gerenciamento, supervisão e fiscalização dos contratos de supervisão na Ferrovia Norte-Sul está relacionada, mais uma vez, com a deficiência de gerenciamento de atuação da Superintendência de Construção e, na parte que lhes competem, das superintendências de Goiás e Tocantins frente aos problemas evidenciados nas medições dos serviços de supervisão", escreveram os auditores.

"(...) Vale ressaltar, neste contexto deficiente de atuação gerencial da Diretoria de Engenharia, que uma das principais falhas caracteriza-se pela aprovação de documentos, base para o pagamento de serviços executados, sem os elementos suficientes e sem que os fiscais responsáveis exerçam efetivamente a atribuição de atestar os valores medidos, expondo a entidade a situações de vulnerabilidade, com riscos de danos ao erário". "Verifica-se ainda a carência de providências para apuração de responsabilidade (...)", destacam os auditores.

FONTE: O GLOBO

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