Pilha de documentos exigidos de estrangeiros que vêm fazer turismo no Brasil não será cobrada de quem comprar ingresso da Fifa para ver jogos do Mundial de 2014. A brecha está na Lei da Copa em discussão no Congresso. Países como EUA e Alemanha não admitiram esse tipo de ingerência.
Compre seu bilhete e entre no Brasil
Lei Geral prevê a dispensa do visto aos estrangeiros que adquirirem ingressos para os jogos de futebol. Polícia Federal teme que flexibilização estimule a vinda de criminosos
Josie Jeronimo
Comprovante de renda, de residência, de emprego fixo, declaração escolar e extratos bancários. A pilha de documentos exigidos atualmente para que estrangeiros possam fazer turismo no Brasil deve ser reduzida a um simples ingresso para algum dos jogos da Copa do Mundo de 2014. A brecha consta na Lei Geral da Copa, em análise no Congresso. O texto do projeto estabelece o afrouxamento nas rotinas de concessão de vistos a estrangeiros vindos de países que atualmente só deixam os brasileiros partirem de seus aeroportos mediante um pente-fino financeiro e criminal em suas vidas.
Depois da Copa do Mundo da África do Sul, em 2010, o Brasil será o segundo país a suspender suas regras vigentes de seleção de imigrantes temporários para se adequar às exigências da Federação Internacional de Futebol (Fifa). A Lei Geral da Copa diz que "considera-se documentação suficiente para obtenção do visto de entrada ou para o ingresso no território nacional o passaporte válido" em conjunto "com qualquer instrumento que demonstre a sua vinculação com os eventos", resumido no capítulo três da lei como "ingressos ou confirmação de aquisição".
A Alemanha, na Copa de 2006, divulgou regras de emissão de vistos e o país fez questão de ressaltar que, apesar de estar "aberto" ao evento, não mudaria normas para facilitar a entrada de turistas e sugeriu aos torcedores que tirassem o visto antes de comprar o ingresso: "O Ministério das Relações Exteriores recomenda a todos os fãs de futebol que necessitam de visto a encaminhar os documentos o mais cedo possível". Na época, o governo germânico ainda acrescentou que os ingressos não seriam sinônimo de comprovação de boa-fé do viajante. "A apresentação de bilhete para um jogo de Copa do Mundo ou uma prova de que esse tipo de bilhete foi comprado será vista apenas como uma forma de fundamentar o propósito da viagem, mas em si não concede o direito a um visto", orientou o governo alemão. Nas Copas de 2002, na Coreia do Sul/Japão, e de 1994, nos Estados Unidos, também não houve abertura irrestrita de fronteiras.
Na África do Sul, entretanto, para resolver o encalhe de ingressos, as autoridades liberaram a entrada de estrangeiros com bilhetes e deixaram até mesmo de cobrar a taxa de visto, que custava cerca de US$ 60 no ano passado. Quando perceberam que o afrouxamento temporário das regras estimulou o aumento da procura por viagens ao continente africano, as autoridades lançaram mão de tratamento diferenciado na concessão de vistos.
Pedofilia
Enquanto o Congresso se prepara para analisar a Lei Geral da Copa, a Polícia Federal se preocupa com os problemas que a abertura dos aeroportos e das fronteiras aos turistas-torcedores pode trazer ao Brasil. A inteligência brasileira analisa a possibilidade de o evento atrair criminosos dos mais variados tipos, especialmente os ligados à rede internacional de pedofilia e conta com a ajuda da Interpol para ampliar alertas de "difusão vermelha" com o objetivo de barrar viajantes alvo de mandado de prisão.
De acordo com a Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos, do Ministério da Justiça, coordenada por José Ricardo Botelho, se a Lei Geral da Copa for aprovada como está, os agentes de segurança pública terão que fazer o pente-fino durante o desembarque dos turistas nos aeroportos. A secretaria estuda a criação de um banco de dados integrado, com informações da Interpol, das polícias dos estados que sediarão a Copa e da Polícia Federal para municiar consulados, embaixadas e agentes envolvidos na análise de imigração temporária.
O especialista em direito internacional Carlos Pellegrino afirma que usar o ingresso como condição para a entrada no país é "temerário", mas acrescenta que o Brasil já possui experiência na deportação de estrangeiros caso a polícia identifique problemas. "Do ponto de vista do controle jurídico-político, acho problemático adotarmos essa flexibilização. Atrelar a entrada no país à compra do bilhete de ingresso é um pouco temerário."
Governo e Fifa discutem regras
Integrantes do governo federal, da Fifa e do Comitê de Organizador Local (COL) se reuniram na tarde de ontem para discutir pontos polêmicos do projeto da Lei Geral da Copa. A reunião foi a primeira após o encontro em Bruxelas realizado no último dia 4 entre a presidente Dilma Rousseff e o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke. No encontro, realizado a portas fechadas no Ministério do Esporte, a pauta foi direcionada para pontos específicos do projeto de lei, como o credenciamento e os direitos de transmissão. Após a reunião, que durou seis horas, ninguém deu declarações à imprensa. Em nota, o Ministério do Esporte disse apenas que o debate serviu para "aprofundar o diálogo entre as partes envolvidas e o Congresso , que examina o projeto de Lei Geral da Copa". Entre os participantes, estavam o secretário nacional de Futebol e Direitos do Torcedor da pasta, Alcino Rocha; o chefe de Direito Comercial da Divisão de Assuntos Jurídicos da Fifa, Jörg Vollmüller; o advogado da Fifa Julian Chediak; e o representante do COL Álvaro Jorge. (Erich Decat)
Outros Mundiais
2010 – África do Sul
Após verificar o encalhe de boa parte da carga de ingressos colocada à venda, em abril de 2010, a dois meses do início do Mundial, a África do Sul abriu as portas para os turistas e chegou a isentar da taxa de visto, de cerca de US$ 60. Na prática, segundo a Fifa, houve aumento na procura por bilhetes.
2006 – Alemanha
O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha divulgou documento informando que os ingressos seriam apenas um documento a mais para o pedido de visto de turismo e que o país não modificaria suas regras em função dos jogos de futebol.
2002 – Coreia do Sul e Japão
Para entrar na Coreia do Sul, os brasileiros não precisavam de visto em viagens de até 30 dias. O Japão, porém, manteve a exigência de vistos para a entrada no país, mas redobrou o efetivo de funcionários envolvidos no atendimento aos turistas.
1998 – França
O país europeu não flexibilizou a concessão de vistos para os países cuja autorização era exigida. No entanto, os brasileiros já eram dispensados da exigência, bastando apenas apresentar passaporte válido.
1994 – Estados Unidos
Os brasileiros tiveram que tirar visto para acompanhar os jogos do Mundial. No mês que antecedeu a Copa, o consulado americano em São Paulo registrou aumento de 19% no número de pedidos de visto em relação ao mesmo período em 1993. Preocupados com a entrada de estrangeiros, o Serviço de Imigração dos EUA reforçou a fiscalização para evitar que os torcedores se transformassem em imigrantes ilegais depois dos jogos.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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