Desmotivadas, as pessoas reclamam da desmotivação geral por intermédio de meia dúzia de motivados que se perguntam qual a razão de tanta apatia.
Têm sido comuns as comparações ora com mobilizações de outrora - aí sempre lembrados os movimentos de rua em favor das Diretas Já e do impeachment de Fernando Collor - ora com marchas menos ortodoxas que as organizadas (se é que se aplica o termo) pela internet para protestar contra a corrupção.
Naquelas as presenças eram contadas na casa dos milhões, quantidades que hoje levam às ruas gente motivada pela religião ou pelo simples prazer de farrear sob a bandeira do combate à discriminação.
Quando o assunto é corrupção os números são infinitamente mais modestos: falou-se em 20 mil nos protestos de setembro, calculou-se em 2 mil (SP), no máximo 11 mil (DF), o público presente aos atos marcados para ontem.
Fez sucesso um recente artigo do correspondente do espanhol El País, Juan Arias, questionando a capacidade do brasileiro de reagir "à falta de ética de muitos que os governam". O jornalista resumiu no texto a perplexidade que há algum tempo permeia o ambiente.
A questão lançada por Arias tem sido respondida de diversas formas, sendo a mais comum delas a que atribui a indiferença da maioria ao fato de o governo do PT ter cooptado os movimentos sociais, as entidades estudantis e sindicais e conseguido estabelecer a (falsa) premissa de que protesto contra a corrupção é coisa "da direita", "golpismo" e "farisaísmo".
Há verdade nisso. Basta ver na internet as várias manifestações de desqualificação da iniciativa. É um fator inibidor realmente. Mas não é o único.
O que parece faltar mesmo é apelo, condução e organização. As marchas bem sucedidas e que são usadas como comparativos reúnem esse fatores, mas têm, sobretudo, gente por trás comandando a massa.
Nenhum movimento surge do nada, por geração totalmente espontânea. Nas Diretas Já havia o apelo da aprovação da emenda Dante de Oliveira e o comando da oposição. Os políticos foram para as ruas, organizaram os atos e davam consequência política a cada um deles.
No impeachment de Fernando Collor havia uma CPI no Congresso, havia o ineditismo das revelações que eram feitas quase que diariamente, havia a raiva encubada pelo confisco da poupança e houve o inusitado chamamento do então presidente para que os cidadãos o defendessem nas ruas vestidos de amarelo (a cor das diretas), que resultou num espetacular tiro pela culatra.
Hoje o que há? Os políticos são o alvo e, portanto, não têm credibilidade nem motivação para organizar o que quer que seja; o cinismo engajado põe gente com capacidade de liderança contra a causa; o desengajado acha que o Brasil é mesmo assim, inclusive porque nos últimos tempos foi convencido a abraçar a tese de uma vez por todas; e, depois da adesão do PT aos velhos vícios, falta quem vocalize institucionalmente a indignação "contra tudo que está aí".
O resultado é a dispersão traduzida na indiferença que poderia nos levar a uma constrangedora interrogação: "E quem disse que o brasileiro está real e definitivamente convencido de que a corrupção é uma ameaça concreta a ser combatida?".
Talvez esteja bem menos interessado no assunto do que supõem meia dúzia de motivados preocupados com a desmotivação geral.
Omissão. Para que serve a proximidade do governo federal com os sindicatos - cujos representantes se espalham pela máquina pública e cujos cofres são mantidos cheios e longe de quaisquer fiscalizações por influência oficial - se não serve para estabelecer uma mediação eficaz a greves que prejudicam milhões de pessoas? Só há uma conclusão possível: serve para assegurar apoio político-eleitoral a um grupo político, numa união do útil (para o governo) ao desagradável (para o público).
Na hora das benesses vale a regra da tutela, mas na hora de atender ao interesse coletivo vigora o conceito da liberdade sindical de uns como licença para impor prejuízo a todos.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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