terça-feira, 29 de novembro de 2011

Primavera ou inverno?:: Merval Pereira

Pode-se ter uma visão pessimista da Primavera Árabe diante do que está ocorrendo na Síria, onde o ditador Bachar Al-Assad, quanto mais isolado fica, mais aumenta a violência da repressão. Pela primeira vez, a Liga Árabe adota sanções econômicas contra um de seus membros nessa dimensão, depois que a Síria se recusou a colocar em prática o plano para conter a violência no país e não aceitou a presença de observadores internacionais: suspensão dos voos entre os países árabes e a Síria, proibição de viagens aos países árabes para certas autoridades, congelamento de negócios comerciais com o governo sírio e das contas bancárias do governo nos países árabes.

Ou mesmo no Iêmen, onde o outro ditador longevo, Ali Abdullah Saleh, apesar de ter concordado em renunciar, continua a reprimir os protestos.

Mas, praticamente um ano após iniciadas as manifestações populares na Tunísia, que desencadearam movimentos em vários países da região, as eleições parlamentares no Marrocos ocorreram domingo, depois da aprovação da nova Constituição, e as do Egito começaram ontem, embora cercadas de sinais contraditórios: ao mesmo tempo em que o grande comparecimento mostra esperança de mudanças, há denúncias de corrupção, fortalecendo temores de que a turbulência política que domina o país não permitirá que elas se completem, em janeiro.

O favoritismo do partido islâmico Irmandade Muçulmana pode não se concretizar nas urnas, ou pelo menos sua vitória pode ser menor do que se prevê, pois nos últimos dias os mais jovens e os mais radicalmente empenhados em uma saída democrática para o Egito, que permanecem acampados na Praça Tahir exigindo a saída do poder dos militares, manifestaram sua rejeição ao apoio do Partido da Liberdade e da Justiça aos militares.

De qualquer maneira, nas duas eleições que já aconteceram na região em decorrência da Primavera Árabe, os partidos islâmicos moderados venceram na Tunísia e no Marrocos, marcando uma tendência que pode se repetir no Egito, onde até o momento a Irmandade Muçulmana tem participado do jogo político de maneira a garantir a realização das eleições.

Sua direção é acusada não de radicalismos islâmicos, mas, ao contrário, de estar fornecendo fôlego político para que os militares continuem dando as cartas.

O escritor Alaa Al-Aswani, considerado pelo Centro de Estudos Estratégicos Islâmicos da Jordânia um dos muçulmanos mais influentes, diz que a Irmandade repete com os militares os mesmos erros que tem cometido com todos os regimes que se sucederam no Egito, do rei Farouk a Sadat, passando por Nasser. Todos, segundo ele, utilizam-na para dividir as forças de oposição e depois a banem da política, prendendo seus membros.

Apesar de toda a aparência de moderação, há quem tema que a Irmandade Muçulmana, uma vez vencedora das eleições, passe a assumir um papel mais radical, o que poria mais uma vez os militares como a única alternativa ao "caos islâmico", como argumentava o antigo regime de Mubarak.

Há nada menos que 42 partidos concorrendo às eleições parlamentares, sendo que 31 foram criados depois da queda de Mubarak.

Os partidos Wafd, o mais antigo do país, de tendência liberal-nacionalista, e o recém-criado Al-Ad, de centro, são os principais concorrentes independentes, enquanto quatro coligações dominam o pleito, sendo que a favorita é a Aliança Democrática, unindo a Irmandade Muçulmana e vários partidos de esquerda.

Os poderes do Congresso a ser eleito dependerão da força que o Conselho Supremo das Forças Armadas conseguir manter, sob pressão da Praça Tahir e, também, dos eleitos ao final do processo.

Essa disputa já começou na base da retórica, com o general Mamdouh Chahine, responsável pelas questões jurídicas do conselho, avisando que o futuro Congresso não terá qualquer autoridade sobre o governo, enquanto o porta-voz da Irmandade Muçulmana, na esperança de que um representante do partido venha a ser indicado como primeiro-ministro, disse que, se o governo não representar as forças políticas do Congresso, todas as suas decisões serão bloqueadas.

As manifestações na Tunísia começaram em dezembro, como consequência do suicídio de Mohamed Bouazizi, de 26 anos, vendedor ambulante de frutas e verduras que pôs fogo às roupas em protesto após ter sua mercadoria confiscada por fiscais que pediam, como sempre, suborno para deixá-lo trabalhar na rua sem licença.

O que acontece na região vem sendo acompanhado atentamente pelo mundo e em especial por Israel, que mantinha um acordo de convivência pacífica com o Egito de Mubarak, que não foi totalmente revogado, e tem interesse vital pelo desenrolar dos fatos políticos na região.

"Eleição não mata a fome. O que mata a fome é emprego". A frase, atribuída ao presidente de Israel, Shimon Perez, numa análise sobre os desdobramentos da Primavera Árabe, retrata os temores do Estado de Israel com relação ao desenrolar da situação política, bem como o ceticismo sobre os resultados das mudanças na região.

A região do Magreb - Argélia, Marrocos e Tunísia - não preocupa Israel, que considera que o resultado das eleições na Tunísia e no Marrocos confirma a tendência de um islamismo moderado prevalecer ali. Mas nos países onde a presença do radicalismo islâmico pode ser reforçada pela mudança de situação política, em especial no Egito, Israel teme que o quadro político conturbado pela disputa entre várias facções não permita que se instalem governos eficientes que promovam o desenvolvimento dos respectivos países, favorecendo o fortalecimento de regimes islâmicos radicais.

Até mesmo na Tunísia, onde venceu um partido islâmico moderado, o projeto da nova Constituição inclui cláusula que condena as relações com Israel e tem apoio político relevante. Israel teme que iniciativa semelhante possa ser adotada por outros países do Oriente Médio.

O apoio de Iraque e Irã à Síria, depois das sanções da Liga Árabe, seria um sinal do que pode acontecer na região, trazendo o "inverno" em lugar da Primavera Árabe.

FONTE: O GLOBO

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