A carência de uma oposição que não viva apenas de arroubos e a falta de um governo disposto a separar o que é público e o que seja privado, passaram à categoria de prioridade nacional desde que as eleições presidenciais começaram a ser regidas pelo princípio da maioria absoluta. Mas, fora dos meios de comunicação, pouco se fez em favor da moralidade pública. Com a maioria absoluta se encerrou o ciclo da suspeita que carimbava qualquer presidente, entre a eleição e a posse, e bloqueou-se o caminho para o derrotado denunciá-lo com hipóteses de raciocínio. Ainda falta um novo estilo de fazer oposição a governos que representem, no mínimo, a metade dos votos, mais um.
Pela ordem natural, é privativo de quem está no poder a perda da noção ética que responde pela separação entre público e privado. Só assim se explica a tolerância com que o brasileiro, em 15 minutos, não mais se lembra do candidato em quem votou. Por enquanto, só assim se explica a desvalorização eleitoral dos candidatos de oposição, que esperam a oportunidade do lado de fora e, quando premiados, exageram para lavar a alma.
A desavença entre oposição ressentida e poder executivo, com privilégios de contrapeso, limita a sinuosa democracia que dá voltas sobre voltas em relação a ela mesma. Também não contribuiu para valorizar o câmbio parlamentar do dialeto golpista praticado sob a Constituição de 1946, quando cada governo eleito era mantido sob suspeita e cujo saldo negativo veio a ser em 1964, 65 e 88 a seqüência de governos militares acumulados desde o primeiro golpe, a própria proclamação da República.
Ao completar dez meses, o governo Dilma Rousseff dispõe de um saldo político que não constava da proposta eleitoral que a elegeu, mas dele não se orgulha. É o que ela pode apresentar, sem exagero, para não ferir os brios do antecessor e padrinho, que lhe deixou herança difícil de descartar por motivos que não vêm ao caso. Mais cedo ou mais tarde, porém, o ex-presidente deverá intervir na campanha eleitoral em gestação. E os dois candidatos à disposição da oportunidade poderão continuar juntos ou bater de frente, seja pela inviabilidade da parceria ou qualquer motivo plausível que, antes de chegar ao fim do mandato, os separe pelas razões de sempre.
A primeira vassourada ética se beneficiou da surpresa simulada e, daí até a quinta defenestração de ministros, sem que o governo desse um passo em favor da verdade ou da mentira, a opinião pública não disfarçou a satisfação. Foram-se dez meses de limpeza e, mesmo assim, multiplicou-se a impressão de que a sujeira acumulada tem data anterior e não honra o governo passado, que não está nem aí com o que aflorou depois (mas deixou impressão digital nos dois).Quem pagará a conta?
Os escândalos já ganharam autonomia e obtiveram a cumplicidade oficial graças à reeleição, que é o limite para o cidadão, que já se mobiliza pelo desconforto de sentir no bolso o efeito de pagar impostos e ficar sem o devido retorno. O brasileiro não se dá por achado como cidadão, mas já emite sinais de que as explicações para o desencontro entre o que sabe e o que fica sabendo dos governos é insatisfatório.
Não demora, as chamadas redes sociais apontarão aos brasileiros o caminho para o acerto de contas que começa por aí e, quando os autoridades derem por elas, não haverá mais o que fazer. É o que está em gestação social e pode não ser genuinamente nacional, mas - como uma fatalidade - com alcance universal de gripe capaz de fazer história.
FONTE: JORNAL DO BRASIL ONLINE
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