A crise de confiança na capacidade dos governos europeus de colocarem suas finanças em ordem chegou agora à Itália. Como na teoria do dominó usada para justificar a Guerra do Vietnã, o mercado financeiro avalia que se ela não conseguir apresentar rapidamente um programa crível de redução de seu endividamento, o próximo dominó a ser ameaçado pela especulação será a França. E se isso acontecer, a crise na região do euro tomará outra dimensão.
Nas últimas semanas o analista vive uma verdadeira lição on line de como economia e política se integram nas democracias de massa modernas. A solução da crise europeia hoje passa necessariamente pelo enfrentamento simultâneo de dois grandes desafios:
1 - na chamada zona do euro, estabilizar - via medidas de ajuda financeira - os mercados de títulos de dívida de vários países e introduzir reformas necessárias para corrigir as falhas institucionais já identificadas para a estabilidade da moeda comum;
Ajuste fiscal duríssimo é, hoje, um dos dois desafios que a Europa precisa enfrentar para superar a crise
2 - nos países mais endividados, a implantação de um duríssimo programa de ajuste fiscal para restabelecer a credibilidade dos mercados em sua capacidade de honrar seus compromissos financeiros. Mas para que esse ajuste fiscal seja possível, será necessário também um choque de eficiência nos sistemas produtivos para aproximá-los da competitividade da Alemanha.
Esses desafios são imensos e de difícil superação dada principalmente à diversidade dos ambientes, econômicos e políticos, nos países da zona do euro. Até agora - em dezembro comemoram-se os vinte anos do acordo de Maastricht - o crescimento econômico funcionou como um poderoso cimento que permitiu a estabilidade desse complexo arranjo político/econômico. Mas nos próximos anos serão as dificuldades, e muito sofrimento, o ponto comum nessa complexa comunidade de nações.
E sabemos, pela experiência do passado, que dificuldades e sofrimentos não servem para esse papel de aglutinadores entre sociedades tão diferentes.
Por isso será necessário buscar outros elementos de união para que a zona do euro consiga enfrentar os desafios de hoje.
Essa busca está sendo tentada pela desarvorada classe política na Europa sem muito sucesso. Na minha avaliação, algumas vitórias obtidas em alguns países começam a construir um roteiro possível para ao menos estabilizar a crise. Quais foram elas?
Em primeiro lugar a Europa caminha na direção de uma maior estabilidade política por meio de eleições que legitimem novos governos comprometidos com os ajustes necessários para sua permanência na zona do euro. Foi o caso da Irlanda, de Portugal e, no fim de semana passado, da Espanha. Em outros países, como a Grécia e a Itália, a busca dessa legitimidade passou primeiro por um governo de tecnocratas para lidar com questões emergenciais e preparar eleições gerais mais à frente. Na Alemanha, depois de um período claudicante, a chanceler Angela Merkel parece ter conseguido unir os partidos que sustentam seu governo no objetivo comum de manter e reformar a zona do euro. Ela aparece hoje como a grande liderança da Europa.
Apenas a França, sob o comando frágil e confuso de seu presidente, terá que esperar pelas eleições de 2012 para ter um governo forte e com mandato claro para enfrentar os desafios dos próximos anos. Mas a França é um dos países mais comprometidos com o projeto da Europa Unida e a oposição socialista - que as pesquisas mostram como o mais provável vencedor das eleições do ano próximo - é totalmente comprometida com esse projeto.
Mas os realistas sabem que a classe política tem a tendência de postergar as decisões mais impopulares e acomodar-se a melhoras circunstanciais. Para enfrentar essa armadilha é que estamos vivendo uma situação inusitada e perigosa, com os mercados sendo o instrumento principal de pressão sobre os Piigs para caminhar na direção do ajuste. Os especuladores, estimulados pelo desencontro dos governos na busca de uma solução definitiva, aumentam suas apostas no colapso do euro e forçam os preços dos títulos soberanos para baixo nos mercados europeus. Preços menores correspondem a taxas de juros mais elevadas, aumentando o custo da rolagem das dívidas nacionais e pressionando ainda mais o déficit fiscal das economias endividadas.
Com isso forçam os políticos, e mesmo a sociedade como um todo, a aceitar os ajustes necessários, pois a permanência na zona do euro ainda é o desejo da maioria dos cidadãos. Nesse perigoso jogo de gato e rato, o Banco Central Europeu é peça fundamental ao entrar no mercado comprando os papéis submetidos à especulação sempre que os preços caem abaixo de um nível considerado pelos mercados como de ruptura. Nos títulos de dez anos da Itália esse limite tem sido um juro equivalente a 7% ao ano.
O instrumento mais poderoso para lidar com a crise financeira é a monetização da dívida soberana pelo BCE. Mas isso faria com que o esforço de reformas fosse definitivamente abandonado pela classe política. Por essa razão ele só poderá ser usado quando as reformas e ajustes nos orçamentos nacionais nos países deficitários estiverem garantidos. Mas quando isso acontecer, a confiança dos investidores voltará e o BCE não precisará intervir mais no mercado.
Estou convencido que é esse o processo que estamos vivendo nas últimas semanas. Mas confesso que não sei hoje se ele vai dar certo ou não.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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