A menos de um ano das eleições municipais, a situação em nossa maior cidade parece se definir. Ninguém mais pode mudar de partido para concorrer. O PT irá com Fernando Haddad, como um novo valor que se prepara para voos mais altos. O PMDB investe em Gabriel Chalita, uma das pessoas mais simpáticas que existem. Sei, por experiência, que é capaz de retribuir críticas com educação e cooperação - o que é um trunfo que, se aproveitado no tempo de televisão de seu partido, lhe renderá votos. Já o PSDB tem uma dura opção. Ou escolhe um nome novo, com pouca chance de recompor a aliança tucana que há tempos governa a cidade e o Estado, ou convence José Serra a desistir da Presidência da República, que provavelmente ele almeja em 2014, e a encerrar sua carreira como prefeito - o que certamente não almeja. Mas é a grande chance tucana.
Mas nada disso tem muita importância. Poderia continuar o artigo como o iniciei, mas quero inverter a argumentação: em vez de perguntar que candidatos têm chance, indagar do que a cidade precisa. É mais difícil. Se focarmos os nomes e os partidos, sabemos que algo sairá: alguém será eleito. Teremos prefeito... Porém, se perguntarmos do que São Paulo precisa, é possível que o futuro prefeito não esteja à altura. Só que, na democracia, devemos ir de baixo para cima: do povo, dos cidadãos, para os políticos. Estes podem mandar, decidir, fazer muita coisa errada e alguma boa, mas o metro para avaliá-los são os eleitores, os anônimos.
O custo São Paulo é o trânsito parar a cidade
Do que São Paulo precisa, então? Vou me concentrar em poucos pontos. O primeiro é o transporte. É uma cidade em colapso. Quando o rodízio municipal de veículos foi introduzido, há uma década e meia, gerou um trânsito bom. Mas em poucos anos o enorme crescimento vegetativo da frota eliminou esse ganho. Nenhuma iniciativa audaz corrigiu a gradual conversão dos automóveis em imóveis. Um amigo diz que os carros vão parar de pagar IPVA e começar a recolher IPTU. Estamos perto disso. Os pobres gastam duas ou três horas para ir ao trabalho. A classe média facilmente leva, de carro, uma hora nesse trajeto.
Isso tem dois custos. Um é econômico. Todo serviço que dependa de locomoção, inclusive a entrega de mercadorias, tornou-se muito caro. Dificilmente um técnico de televisão visitará mais que duas casas num período do dia. Com um trânsito melhor, faria o dobro. Daí vem um "custo São Paulo", que merece ser destacado em comparação com o tão citado "custo Brasil". Este último é o peso tributário e burocrático sobre os negócios, somado a uma malha de transportes insuficiente para escoar a produção, sobretudo, agrícola. O custo São Paulo é o tempo perdido. Um prefeito inteligente de uma cidade pequena pode competir com a capital paulista. Introduzirá wi-fi por toda a parte e combinará com o Senac e o Sesi a formação de mão de obra para serviços não presenciais. Algo parecido sucede na Índia, onde vivem muitos atendentes das linhas telefônicas de vendas que servem os Estados Unidos. Para comprar uma geladeira, você liga um 1-800 e fala com alguém em... Nova Delhi. Nem percebe, porque o indiano treinou o sotaque americano. E há trabalhos a distância melhores. Em suma, qualquer lugar periférico pode competir com metrópoles estressadas, em tudo o que exija mais raciocínio que presença.
Outro custo do nosso transporte público ruim e do trânsito caótico é humano. O desgaste das pessoas é espantoso. Quem pode aguentar horas, por dia, guiando um carro? Hoje há até uma rádio, da qual eu pessoalmente gosto, consagrada ao trânsito. Ela tem fãs que, quando falam na emissora, usam as expressões e termos dos repórteres: surgiu até um dialeto da rádio Trânsito, neste ponto a mais bem sucedida de nossas emissoras. E o sofrimento humano de que falei pode ser quantificado. Ele aumenta doenças, onera relacionamentos pessoais, amplia a violência. Mas basta dizer que é um custo humano alto. Gente submetida a um tal desgaste emocional sofre.
Falei do transporte. "Dá para resolver", como dizia a "Folha de S. Paulo" em boxes no interior de suas páginas, anos atrás; mas ela abandonou a expressão, não sei se porque terá perdido a esperança. Há um problema, porém, que pode vir justamente do êxito. São Paulo é a cidade mais rica do país e oferece oportunidades de trabalho e de renda boas. Isso faz dela um polo de atração para pessoas, de todas as qualificações, de outros lugares. Chegamos à dura situação de que, se a cidade resolver seus problemas, com isso criará novos, porque atrairá mais pessoas. A única saída para isso é surgirem outros polos de atração.
Na verdade, a única saída consistente para São Paulo é o restante do Brasil se desenvolver bastante. Muitas soluções paulistanas são, na verdade, brasileiras. Nossos destinos estão indissoluvelmente entrelaçados. Para o transporte funcionar, o Brasil tem de parar de investir tanto no carro. Um dos maiores erros de Lula foi em 2008, a fim de enfrentar a crise, incentivar a compra de automóveis. Já para São Paulo ter uma dimensão humana - o que, no limite, exigiria reverter a migração, reduzindo seu número de habitantes - o Brasil tem de ser mais igual. É bom o fato de estar avançando neste rumo.
Os candidatos estão à altura desses desafios? Não sei. Mas a cidade e o Brasil ganharão se nós, eleitores ou comentadores, pensarmos menos em quem vai ganhar - ou perder - o governo, e mais em quem ganhará - ou perderá - com o governo. Um começo seria uma campanha, pelas redes sociais, por uma consciência de que não adianta facilitar o uso do carro, porque ele cria adictos; o negócio é melhorar o transporte público.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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