Explicar para brasileiros a atual crise internacional é fácil. Há exemplo local para qualquer nova ideia ou complicação. Imposto financeiro lembra a CPMF; negociação com bancos credores é como a nossa dos anos 1990. Imposição do FMI, conhecemos bem. Intervenção em banco falido, tivemos o Proer. Pacto fiscal lembra a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Brasil foi um grande laboratório de soluções para crises. Sabemos bem o preço de ser o escalão precursor. A vantagem é que hoje o país pode evitar erros e se prevenir, porque sabe de antemão o que não levará a nenhum bom resultado. Sabemos que um país como a Grécia - que deve 150% do seu PIB, está em recessão e recebe a imposição de ajustes cada vez maiores - vai terminar dando calote. Qualquer brasileiro já sabia disso antes até de a chanceler Angela Merkel convencer o presidente Nicolas Sarkozy de que os bancos teriam que ter perdas.
Na nossa dívida dos anos 1980, o Brasil tentou aceitar programas impostos pelo FMI. Um atrás do outro. Perdeu-se a conta das cartas e programas assinados com o Fundo Monetário Internacional mas que não foram cumpridos. O Brasil assinava acordos para receber um dinheiro adiantado - empréstimo jumbo, como se dizia na época do ex-ministro Delfim Neto - e voltar a ficar em dia com os bancos. Assim que retomava os pagamentos aos credores, o Brasil descumpria as metas e tinha que negociar novos acordos.
Por isso, ver a "troika" - FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia - visitar a Grécia, chegando com suas pastas e exigências, nos lembra muito visitas semelhantes dos funcionários do FMI nos anos 1980. Tudo isso só terminou na década seguinte quando a velha dívida foi toda renegociada por Pedro Malan. Os bancos trocaram os velhos papéis por novos de valores menores.
Crise bancária, o Brasil conhece bem. Aqui, não foi apenas um banco de investimentos como o Lehman Brothers que quebrou. Foram três dos dez maiores bancos comerciais privados, sem falar dos estatais e de outros de menor tamanho. O Proer separou ativos podres de bons ativos, tomou os bancos dos banqueiros, capitalizou quem se dispôs a assumir o banco saneado.
Quando os estados estavam quebrados, o Brasil encontrou a solução de uma longa negociação com todos eles e as maiores cidades. A União emitiu títulos da dívida federal, esses bônus foram trocados pelas dívidas dos entes federados, e em compensação o governo central impôs parâmetros de gastos através da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Vários economistas de outros países têm sugerido que um mecanismo semelhante seja adaptado à Europa. Isso é que está por trás da ideia do pacto fiscal que está sendo negociado agora. Há também um pouco dessa ideia na proposta de lançar bônus federais para financiar os países.
O Brasil enfrentou praticamente sozinho suas crises e as superou em ambiente hostil. O Tesouro americano foi bem mais complacente com o México do que com o Brasil.
Tendo vivido com antecipação alguns dos dilemas atuais, o Brasil tem a vantagem de conhecer os caminhos e riscos. Olhando para trás, dá para saber que ajustes recessivos impostos pelo FMI produzem mais incapacidade de pagamento. Por outro lado, os limites para os gastos que o Brasil acabou impondo a si mesmo através da LRF foram o começo da solução dos problemas. Não existe uma receita que se aplique a todos os países, mas gastar além da medida é a origem de diversos problemas econômicos. A Grécia pode expulsar a troika do país, pode até sair da Zona do Euro, mas nada evitará o acerto de contas que ela tem que fazer com seus próprios excessos. Um Estado tão agigantado como o grego, que emprega um quinto da população economicamente ativa, não é financiável. O país tem que reduzir o custo da sua máquina ao que a população pode pagar com seus impostos. O mesmo vale para outros países mais poderosos e que ao longo das décadas do pós-guerra aprovaram benefícios cada vez mais generosos para suas populações e hoje descobrem que os custos são exorbitantes.
Os brasileiros sabem também que um imposto sobre transações financeiras, como a CPMF, começa sendo defendido como uma taxação sobre os bancos, mas quem acaba pagando o tributo é o distinto público através das mais diversas artimanhas das instituições financeiras.
Com toda a sabedoria que o Brasil adquiriu por ter superado, às vezes solitária e dolorosamente, tantas dificuldades, o país precisa estar atento para não repetir erros nossos e alheios. Nos últimos 15 anos a carga tributária aumentou 10 pontos percentuais do PIB e mesmo assim o país não atingiu o déficit zero. O Brasil vive as vantagens do aumento da expectativa de vida, com uma população ainda jovem, mas teve déficit de R$56 bilhões na previdência do setor público federal, com apenas 1,1 milhão de aposentados. Isso só para citar dois exemplos. Há muitas tarefas a executar para melhorar a qualidade do gasto.
Com as encrencas que outros países estão vivendo, e com as experiências das nossas próprias crises, o Brasil já sabe o risco dos desequilíbrios nas contas públicas.
FONTE: O GLOBO
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