A coluna de ontem, intitulada "Conciliação", sobre as origens da negociação política que levou à Lei da Anistia, e o alcance que a Comissão da Verdade pode vir a ter na revisão de nossa história recente provocou diversas manifestações, entre elas a do deputado federal Chico Alencar, do PSOL do Rio, que faz parte da Comissão Parlamentar da Verdade e da Justiça, subcomissão da de Direitos Humanos, presidida pela deputada Luiza Erundina, do PSB de São Paulo.
Seu depoimento é importante para definir a posição de um segmento da esquerda que se entrincheirou no Congresso para uma atuação política que recusa o alinhamento automático ao governo petista, do qual dissentiu, para reivindicar para si uma ação mais autêntica.
Segundo o deputado, atuará "com firmeza, serenidade e visão de processo histórico". Ele garante que "ninguém quer torturar torturadores, realizar prisões arbitrárias, negar direito de defesa nem praticar qualquer revanchismo, mas sim fazer valer o direito ao conhecimento histórico, à memória coletiva e à Justiça".
Também professor de História, Chico Alencar admite que "toda lei, em qualquer sociedade, é resultado das circunstâncias conjunturais, sem dúvida". Mas acha que "por isso mesmo nenhuma lei é pétrea, intocável, perene".
Ninguém quer, como afirma Werneck Vianna, "rasgar a Lei da Anistia", e sim reinterpretá-la de acordo com as necessidades do Brasil do século XXI, diz Alencar, alegando que "até a Corte Interamericana dos Direitos Humanos entende assim. Isso é avanço civilizatório e não anacronismo".
Na visão de Chico Alencar, o crime da tortura e do desaparecimento de presos políticos "é hediondo e imprescritível. Ninguém pode ser conivente com ele, e vários que ascenderam hierarquicamente no serviço público, sobretudo militar, e na vida política, foram praticantes ou cúmplices - até por omissão - desses atos abomináveis".
O deputado do PSOL diz que quando se alega que também houve prática "terrorista" por parte daqueles que se insurgiram contra a ditadura, igualando-os aos torturadores, "omite-se que estes agiam, sem legitimidade para tanto, em nome do Estado, sobre pessoas já imobilizadas, e aqueles pagaram seus atos com prisão, sevícias cruéis, banimento, morte".
Respondendo a Werneck Vianna, ele diz que "passado não é apenas o que passou, mas o que, sendo devidamente lido e relido, nos constitui".
Segundo ele, "o que nós queremos é conhecer quem torturou, quem ordenou a tortura, quem montou a estratégia da violência oficial contra opositores, quem a financiou, quem praticou atos tão covardes que nem mesmo o regime, embora os tenha organizado "cientificamente" e exportado seu "know how" para governos obscurantistas vizinhos, os assumiu".
O que queremos, diz o deputado, "é que as novas gerações da hierarquia militar não se solidarizem com processos espúrios que só desonraram seus estamentos".
Que corporativismo é esse que assume como seu "patrimônio" práticas que atentam contra os mais elementares direitos dos homens e dos animais?, pergunta Chico Alencar.
O que o deputado do PSOL defende é que "as famílias que não tiveram sequer o direito de sepultar seus entes queridos, ou que viveram o drama indizível de sabê-los nas masmorras sofrendo todo tipo de violentação, conheçam seus algozes para usar, se desejarem, o direito de acioná-los judicialmente".
Ele lembra que, na África do Sul, muitos "dos que ainda estão vivos e conscientes" tiveram "a hombridade de reconhecer que praticaram atrocidades, caminhando assim para o que em direito se chama de "arrependimento eficaz"".
Chico Alencar acha que "nossa gente precisa reverenciar é a luta daqueles que nos trouxeram a democracia, mesmo com suas limitações atuais, inclusive os jovens que pegaram em armas contra o fascismo brasileiro, em inglória batalha".
Ele lembra que, ao contrário de Werneck Vianna agora, "todos os que resistiram ao arbítrio pela via exclusivamente institucional reconhecem a coragem histórica dessa geração e seu papel na redemocratização - a começar por Ulysses Guimarães".
Alencar acha que a chamada "transição pelo alto", pactuada, negociada, "só aconteceu também porque alguns colocaram suas próprias vidas em risco para romper o círculo de ferro do regime militar".
Na coluna de ontem não fiz referências explícitas a algumas pessoas que tiveram papéis importantes no processo da anistia.
Terezinha Zerbine foi a primeira pessoa a organizar a luta em prol da anistia através do MFA - Movimento Feminino pela Anistia, em 1975. E, em fevereiro de 1978, surgiu o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), do qual a presidente fundadora foi Eny Moreira.
Também o médico Leo Benjamim, filho de Iramaya Benjamim, sucessora de Eny Moreira no CBA, enviou mensagem onde destaca que foi lá que surgiu o slogan "Anistia Ampla, Geral e Irrestrita", dando um cunho nacional ao movimento iniciado por Terezinha Zerbini.
O historiador Carlos Fico, por sua vez, lembra que "mesmo a D. Terezinha Zerbini escreveu uma carta ao Dr. Ulysses pedindo que o "MDB autêntico" não obstruísse e votasse o projeto do governo evitando "uma inútil e contraditória confrontação".
A carta está no Arquivo do CPDOC. Acho que não foi divulgada na época.
FONTE: O GLOBO
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