A recente, porém tardia, concessão dos Aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília trouxe novamente à agenda do governo o tema da participação privada na gestão de serviços até então providos pelo poder público. Infelizmente, os debates se concentraram nas disputas políticas. De um lado, a oposição afirmando que enfim o PT se curvou ao modelo tucano de governar e, de outro, os governistas justificando que suas concessões são diferentes da "privatização" tucana. Debate que nada esclarece a opinião pública.
Gostaria de discutir o tema em outra perspectiva, isto é, qual o papel e os limites das concessões para o desenvolvimento da infraestrutura no Brasil.
Começo pelo lado não controverso da participação do governo no fornecimento de serviços à sociedade. Cabe ao governo prover serviços que por natureza são de uso geral e não excludentes, como segurança pública e atividades de regulação e de fiscalização. São serviços não sujeitos aos mecanismos de mercado e, portanto, não têm preço unitário. São, pois, pagos pela arrecadação de tributos de toda a sociedade. No caso brasileiro, acrescem-se ainda saúde pública e educação, conforme dispositivos constitucionais, e vários programas de transferência de renda, como seguro-desemprego e Bolsa-Família. Para esse conjunto de atividades a população paga impostos e espera que a sua gestão seja eficiente e os serviços prestados, eficazes.
Muito embora tenha sido fundamental nos estágios passados de desenvolvimento, com a expansão econômica e a complexidade do País, a participação do governo no provimento de infraestrutura concorre com os serviços estritamente públicos, reduzindo tanto sua cobertura quanto sua qualidade. Nessas condições, é recomendável a participação privada nos serviços em que os mecanismos de mercado se aplicam reservando o uso da receita tributária aos serviços de cobertura universal. Por exemplo, uma rodovia pavimentada gera uma despesa permanente de manutenção ao governo que concorre com os gastos em segurança, saúde pública, educação, etc. Certamente, está aí a raiz da má qualidade das rodovias federais e do déficit de investimentos em infraestrutura no País, além da conhecida ineficiência da gestão pública nesse setor. A gestão privada de uma rodovia, cuja receita venha do pagamento de seus usuários, deixará os recursos tributários disponíveis para os serviços sociais.
Assim, a concessão da gestão de serviços de infraestrutura à iniciativa privada oferece oportunidade de investimentos e possibilidade de melhoria na qualidade do serviço, contribuindo para maior eficiência da economia e resultando em estímulo ao crescimento econômico e à geração de empregos. É nessa perspectiva que o papel das concessões deve ser avaliado. O caso dos três aeroportos permite examinar algumas dimensões do processo de concessões para dimensionar seus limites e planejar futuros programas.
A primeira é a participação de fundos de pensão no consórcio que administrará o Aeroporto de Guarulhos. Numa economia carente de poupança, os fundos de pensão são instrumentos importantes para investimentos de longo prazo e sua participação em projetos de infraestrutura deve ser bem-vinda, desde que alinhada com a regulamentação específica que rege as aplicações desses fundos.
A segunda é a participação de entidade pública na gestão como sócia minoritária. Essa não é uma questão pacífica. De um lado, há modelos de coparticipação público-privada de grande sucesso no mercado, como o caso da Companhia Energética de Minas Gerais. De outro, a presença da Infraero na nova empresa mantém com o governo parcela de responsabilidade dos investimentos e riscos da administração, não atendendo ao princípio de transferência da gestão ao setor privado. Configura-se uma "meia" concessão. O futuro mostrará as consequências desse modelo.
A terceira é o financiamento pelo BNDES ao consórcio vencedor. Tem sido tradição no Brasil a participação do banco no financiamento dos projetos de infraestrutura por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Mas, quando o BNDES utiliza recursos do Tesouro Nacional, o subsídio resultante da diferença entre a Selic e a TJLP é pago pelo contribuinte e concorre com outras alocações dos recursos públicos. Nesse caso, não é recomendável o financiamento público.
A quarta é a estrutura financeira da concessão, que maximizou o pagamento da outorga sem considerar a garantia da qualidade dos serviços. Isso resultou em ofertas extremamente ousadas, com riscos não calculados de êxito. Aparentemente, disso resultou a vitória de grupos economicamente mais frágeis, eliminando-se consórcios com maior tradição e solidez na gestão de infraestrutura. Parece que o modelo de concessão buscou obter o maior valor da outorga visando a financiar a gestão pública no restante do País, em vez de atentar para a qualidade dos serviços a serem prestados e que poderiam ser replicados em outros aeroportos cujo porte justifique investimentos privados.
O caminho está sendo construído, mas carece de mais celeridade e mais clareza de objetivos.
*Professor da Fundação Dom Cabral, foi Ministro do Trabalho do Planejamento e Orçamento no governo FHC
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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