No manifesto de lançamento do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES), destacava-se que a instituição recém-criada nascia com dois objetivos principais: por um lado, buscava-se compreender e descortinar com maior clareza o novo cenário marcado pela presença cada vez mais significativa do direito, suas instituições e procedimentos na vida democrática brasileira, de modo a solidificar uma agenda investigativa e normativa em torno das formas plurais de representação legadas pela Constituição de 1988; por outro lado, objetivava-se que tal reflexão acerca de práticas já vitoriosas na defesa e conquista de direitos não se encerrasse nos “muros da academia”, mas decantasse para outros segmentos da sociedade, mediante cursos, seminários e debates, que contribuíssem, de alguma forma, para a “animação da vida associativa popular”.
Buscando levar à frente esta agenda intelectual e política, o CEDES tem organizado, ao longo dos últimos anos, eventos e debates que se vinculam às preocupações acima esboçadas. A iminência da realização no Rio de Janeiro de eventos internacionais de grande porte, com destaque para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, se coloca como uma questão premente para a reflexão, na medida em que vai de encontro a um dos temas mais caros à agenda do CEDES: o direito à cidade.
No sentido de estimular a reflexão sobre esta temática, o CEDES organizou recentemente o debate “Transporte Público e Direito à Cidade”, que, tomando como mote a discussão sobre o projeto de implantação da Linha 4 do Metrô na cidade do Rio de Janeiro, buscou refletir de maneira mais ampla sobre a questão da mobilidade urbana e do direito à cidade. O Boletim que o leitor tem em mãos é o resultado desse debate.
A publicação deste Boletim busca suscitar não apenas a imaginação em torno da cidade per se, mas da forma como as políticas voltadas para o espaço público têm sido decididas e executadas. Seja quando possuem valor substantivo próprio – como se comprova pelo tema da libertação de territórios da cidade outrora dominados pelo tráfico, mediante a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) –, seja quando seus fins são, no mínimo, discutíveis – como no caso da construção da Linha 4 do Metrô –, o que se verifica é uma prática corrente da execução de decisões autocráticas e pretensamente técnicas “de cima para baixo”, que não passam pelo crivo do debate público e democrático, favorecendo a consolidação de uma vida cívica desmobilizada.
A agenda intelectual e política que se abre com os debates em torno da Linha 4 do Metrô é auspiciosa, pois, ao contrário desse direcionamento, toma como reivindicação a construção de uma cidade democrática não a partir de políticas executadas como dádiva ou imposição, mas sustentadas em uma narrativa republicana que se construa de forma autônoma “por baixo”, mediante o diálogo público com a presença dos atores organizados. Nossa convicção é que neste embate movemo-nos em um terreno favorável à ampliação democrática da esfera pública, no qual aos movimentos da representação funcional – mediante a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público – se junta a pressão da sociedade civil organizada, através da mobilização do repertório democrático legado pela Carta de 1988.
A articulação de diferentes segmentos da sociedade – em especial os atores da vida associativa, da universidade, da inteligência especializada e do mundo do direito –nas ruas e bairros, nas mídias alternativas, e, se possível, na constituição de um fórum permanente da sociedade civil, capazes de constituir uma fala pública e livre, parece ser o caminho mais esperançoso na luta pela democratização política e social da cidade.
FONTE: BOLETIM CEDES
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